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Contrapropaganda tenta dissuadir jovens de se unir ao EI

O governo americano, o Estado iraquiano e até um ex-jihadista recorrem a vídeos, desenhos e humor para combater a influência dos terroristas sobre os jovens

Por Edoardo Ghirotto
9 nov 2014, 12h01
Ator interpreta o terrorista Abu Bakr al-Baghdadi, chefe do Estado Islâmico (EI), em comédia produzida pela rede de televisão estatal do Iraque
Ator interpreta o terrorista Abu Bakr al-Baghdadi, chefe do Estado Islâmico (EI), em comédia produzida pela rede de televisão estatal do Iraque (VEJA)

Um vídeo com imagens de explosões, ataques suicidas, execuções, crucificações. E a mensagem, semelhante a um anúncio de uma empresa turística: “um lugar onde você pode explodir mesquitas, crucificar e executar muçulmanos, pilhar recursos públicos”; “a viagem não é cara, porque você não precisa da passagem de volta”. Usando imagens divulgadas pelo próprio Estado Islâmico, o governo americano produz material de contrapropaganda para tentar convencer jovens de que é uma péssima ideia se juntar ao grupo terrorista que tem avançado na Síria e no Iraque tendo muitos estrangeiros em suas fileiras.

Os Estados Unidos não são os únicos a se preocupar em produzir algum material que faça frente à máquina de propaganda jihadista, que ataca com vídeos de decapitações de reféns, filmes com ameaças ao Ocidente e intenso uso das redes sociais para divulgar suas atrocidades. A televisão estatal iraquiana recorreu à sátira para responder às atrocidades dos jihadistas. Até um britânico que abandonou o extremismo resolveu criar um desenho para tentar dissuadir os jovens que estejam tentados a ir lutar na Síria e no Iraque.

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Esse esforço, no entanto, pode não atingir o público ao qual é destinado da forma desejada, alerta o professor associado de ciências políticas na Universidade La Salle, na Filadélfia, Michael J. Boyle. “Essas propagandas antiterror não parecem ser autênticas. Muitos árabes têm uma predisposição a desconfiar dos Estados Unidos e procurar intenções escusas em suas ações, o que torna o público menos simpático a fontes de informação pró-Washington. Muitas dessas campanhas propagandísticas também têm se mostrado incapazes de dizer aos jovens o que eles querem ouvir”, acredita.

Boyle, que também é membro do Instituto de Pesquisa de Política Externa, afirma que a imposição de duras derrotas ao Estado Islâmico ainda é o método mais eficiente para minar suas forças e desencorajar a radicalização de jovens. “A batalha contra o EI só será vencida com força militar no Iraque e na Síria, e não no ciberespaço ou em qualquer outro domínio semelhante”.

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Vitórias militares contra os jihadistas também atingiriam sua máquina de propaganda, que conta com especialistas em design gráfico e edição de vídeos, entre outros, para garantir o abastecimento constante das páginas do grupo no Facebook, no Twitter, no YouTube e no Instagram. As postagens carregam a mesma retórica assassina, mascaradas com frases de efeito e ligadas ao universo adolescente, como referências a games.

Recentemente, o novo diretor da agência de espionagem britânica citou o uso da internet por grupos terroristas para cobrar das empresas de tecnologia uma maior cooperação no combate aos extremistas. Robert Hannigan ressaltou que, “enquanto a rede Al Qaeda e suas franquias usavam a internet para disseminar material anonimamente em ‘lugares escuros’, o EI encara a web como um canal barulhento para se promover, intimidar e atrair novos recrutas”.

A ONU alertou para o aumento do número de estrangeiros que estão se juntando ao Estado Islâmico. Em relatório, o Conselho de Segurança contatou que, só este ano, 15.000 estrangeiros, de mais de oitenta países, viajaram à Síria e ao Iraque para lutar ao lado do EI e grupos terroristas semelhantes. O aumento ocorre em uma escala “sem precedentes”, ressaltou a organização.

Abdullah X

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Abdullah X é o nome do personagem criado por um ex-extremista com o objetivo de afastar da cabeça dos jovens a ideia de se juntar a grupos terroristas. O desenho conta a história de um jovem muçulmano que mora em Londres e enfrenta dúvidas comuns a pessoas em sua idade. Em todos os episódios, Abdullah X tenta desconstruir a retórica jihadista e apontar quais são as verdadeiras motivações dos terroristas.

À rede CNN, o criador da série, que é britânico, disse ter se inspirado em sua própria experiência, lutando com sua própria identidade e o sentimento de pertencimento que envolve autoestima e confiança. “Os jovens integram o grupo mais vulnerável na sociedade. Eles estão no meio de uma encruzilhada entre as perspectivas do governo sobre como combater o terrorismo e o extremismo e um paredão de vergonha e negação dentro das comunidades. Eu senti que precisávamos de algo inovador e engajador”, disse, sob condição de anonimato.

Em um dos vídeos, Abdullah X levanta questões referentes à guerra civil síria, o principal destino de jovens radicalizados no Ocidente. “Se você sente que as crianças e mulheres da Síria precisam de você, por que ir até lá para lutar as ajudaria de forma positiva?”. “Você acha que as pessoas da Síria querem que você vá até lá para lutar sem conhecer o seu território ou as motivações de grupos que combatem usando o Islã?”, provoca a personagem. “Se você tem uma família, como justificaria para ela sua ida para um lugar onde muçulmanos se matam indiscriminadamente e sem respeitar os princípios básicos de proteger a vida de civis?”.

https://youtube.com/watch?v=yrnMyvHSGXE%3Frel%3D0

Estado de Mitos

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A barbárie imposta pelo Estado Islâmico é uma assustadora sucessão de horrores na vida real, mas o Iraque resolveu tentar combater a nefasta influência do grupo terrorista por meio da comédia. A TV estatal investiu 600.000 dólares em uma série de trinta episódios intitulada ‘Estado de Mitos’. Em uma das piadas, o personagem que representa o chefe terrorista Abu Bakr al-Baghdadi espanca pessoas que tomam bebidas alcóolicas em seu califado, mas as consome escondido do público. Em outro momento, um vendedor é informado pelos jihadistas que os vegetais que têm nomes femininos não poderiam se misturar com aqueles do gênero masculino na língua árabe.

O autor, Thaer al-Hasnawi, disse à rede britânica BBC que o EI, que é muito ativo nas redes sociais, está vencendo a guerra da propaganda e aterrorizando a população iraquiana. “Estamos fazendo isso para que as crianças não durmam com medo do Estado Islâmico”. E também para combater a interpretação extremista do islã.

“Estamos dando aos espectadores a verdadeira feição dos terroristas”, afirmou ao jornal The Washington Post Khalil Ibrahim, o ator iraquiano que interpreta o prefeito da cidade fictícia do programa. “Estamos educando e falando com as pessoas que apoiam esse grupo. Nas cidades de Tikrit e Mosul [ambas dominadas pelo EI] havia pessoas de mente aberta. Mas alguns mudaram de lado a passaram a apoiar os extremistas. Talvez nós tenhamos o poder de alcançar alguns deles”.

A produção inicialmente não se limitou a satirizar as radicais leis impostas pelo EI em seu califado, mas também países que muitos iraquianos acreditam estarem de alguma forma conectados ao grupo. Em um vídeo divulgado na internet, o chefe terrorista nasce do casamento entre Estados Unidos e Israel. É frequente ouvir no Iraque a teoria conspiratória de que os Estados Unidos, ajudados pelo Catar e Arábia Saudita, criaram o EI para ter um novo pretexto para invadir o país militarmente e se apoderar de seus recursos naturais, como o petróleo. A abertura, no entanto, foi proibida após executivos da televisão iraquiana concordarem que não seria apropriado ridicularizar os aliados políticos que têm combatido o EI.

https://youtube.com/watch?v=jfpPrq7rc5U

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Pense de novo, dê meia volta

Criado para combater atividades extremistas na internet, o programa “Pense de novo, dê meia volta”, financiado pelo Departamento de Estado americano, também entrou na luta contra os vídeos de propaganda do EI. Em um dos principais vídeos divulgados, imagens fortes de pessoas sendo executadas são contrapostas a frases que lembram um comercial de turismo. Ao término da filmagem, o espectador é informado que não precisará de uma passagem de volta para cumprir o bárbaro itinerário, pois não há outra opção que não seja a morte para aqueles que se unem ao EI.

Outro vídeo mostra atentados do grupo terrorista contra clérigos e templos islâmicos. A iniciativa visa derrubar o discurso da organização de que os extremistas estão avançando no Oriente Médio para proteger os muçulmanos da influência do Ocidente. A campanha atesta que o grupo, na verdade, assassina todas as pessoas que se negam a jurar lealdade ao seu radicalismo, independentemente de qual seja sua crença.

“Você já viu o ataque de hoje?”

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Outra estratégia de contrapropaganda dos Estados Unidos consiste na divulgação de imagens e vídeos de bombardeios contra alvos do grupo terrorista. “Você já viu os últimos vídeos dos ataques aéreos contra o EI no Iraque?”, postou o Comando Central das Forças Armadas em sua página no Twitter, no início de setembro. De acordo com o site The Intercept, a publicação das imagens pode servir para o Exército recrutar novos soldados dispostos a combater os jihadistas. Mais importante do que isso, no entanto, é abastecer a imprensa com materiais que possam dar a impressão de que os Estados Unidos estão novamente vencendo a guerra contra o terror.

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