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Como funciona o sistema político libanês e qual futuro aguarda o Líbano em meio à crise que se instalou no país

Por Cecília Araújo
25 jan 2011, 20h56

O sistema político libanês é profundamente afetado pela divisão da sociedade em diversos grupos religiosos – no total, são 18. A crise a que assistimos hoje, no entanto, é apenas parcialmente explicada pela disputa religiosa. Além da constituição do país, a estrutura governamental também respeita acordos históricos, como aquele que pôs fim à guerra civil que teve fim em 1991. Desde então, os principais cargos públicos no Líbano são assim distribuídos: o presidente da república deve ser cristão maronita; o primeiro ministro, muçulmano sunita, e o presidente do parlamento, muçulmano xiita. Mas, a cada dia que passa, o equilíbrio entre as variadas facções religiosas e políticas torna-se mais frágil.

Segundo o coordenador do curso de Relações Internacionais da PUC-Minas, Danny Zahreddine, o sistema político no Líbano é ligado a disputas históricas entre famílias locais que estiveram à frente do poder no país, mas também a outros círculos de influência internacionais, dentro do próprio Oriente Médio (Arábia Saudita, Egito, Jordânia, Síria, Irã, Turquia) e entre as grandes potências mundiais (especialmente Estados Unidos e França). “Temos a impressão de que os conflitos no Líbano têm como estopim a religião, mas a questão principal que alimenta as disputas é essencialmente política”, afirma Zahreddine. Seria, então, equivocado se falar em uma guerra religiosa.

Salem Nasser, coordenador do Núcleo de Direito Global da Fundação Getúlio Vargas, afirma que o conflito libanês está mais relacionado “ao destino do Líbano e ao papel que deve desempenhar na política regional”. O professor explica que o país está dividido em dois campos, ambos compostos por vários – senão todos – os grupos religiosos. O bloco 14 de Março, liderado por Hariri, é apoiado pela Árabia Saudita, Egito, Jordânia e países ocidentais, como EUA e França. Já o bloco 8 de Março – até alguns dias atrás de oposição e, a partir de hoje, representante da maioria parlamentar -, é formado pelo Hezbollah e seus aliados e apoiado pelo Irã e a Síria. Cada um dos blocos conta com representantes das várias confissões religiosas: muçulmanos, cristãos, drusos, maronitas etc.

O debate político atingiu um ponto crítico quando a oposição considerou que já não podia compor um governo de união nacional sob a liderança de Hariri como primeiro ministro e retirou seus ministros do governo no início de janeiro. As renúncias foram motivadas por discordâncias sobre a investigação do assassinato do pai de Hariri, o ex-premiê Rafik Hariri. Naturalmente, a sequência seria a escolha de um novo primeiro ministro ou a recondução de Hariri ao posto, de acordo com a vontade da maioria no parlamento. Porém, essa maioria se fez em torno do candidato Najib Mikati em detrimento da candidatura de Hariri.

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Sucessão – Nesta terça-feira, o presidente do Líbano, Michel Suleiman, indicou o magnata do setor de telecomunicações Najib Mikati, sunita apoiado pelo Hezbollah e seus aliados, como primeiro-ministro do país. Com aprovação de 68 dos 128 membros do Parlamento, Mikati fez um apelo para as facções libanesas para superar as diferenças. “A nomeação não é uma vitória de um bloco contra o outro, é a vitória da reconciliação em detrimento das divergências”, declarou. Porém, a troca de premiês provocou a ira dos sunitas do país, defensores do premiê anterior, Saad Hariri. Eles veem nisso uma tentativa do Hezbollah de impor sua vontade no Líbano. Nas ruas, milhares de pessoas protestaram, às vezes de forma violenta, contra a substituição.

A acusação dos partidários de Hariri é de que o Hezbollah tenta colocar o governo do Líbano sob o controle indireto do Irã, seu aliado. Eles classificaram ainda as manobras do Hezbollah como tentativa de “golpe de estado” por parte do movimento extremista para impor Mikati como chefe de governo. Para os defensores de Hariri, se o cargo de primeiro ministro cabe a um muçulmano sunita, a sua escolha recai sobre esse grupo religioso. Assim, se Hariri é a personalidade sunita mais representativa e popular dentro da comunidade sunita do Líbano, então ele teria que naturalmente ser o primeiro ministro. No entanto, os partidários de Mikati defendem que não houve qualquer desvio em relação às regras do jogo: Mikati é sunita e foi eleito pela maioria dos deputados do parlamento. Diante desse quadro, não haveria como falar em golpe de estado.

Segundo Nasser, pensa-se que no Líbano a única política viável é a da composição entre os vários setores, religiosos e políticos, ainda quando os interesses parecem inconciliáveis. Mikati sinalizaria, portanto, a sua disposição para compor com os derrotados e a sua compreensão das peculiaridades libanesas. “Pelo fato de ter sido nomeado também pelo Hezbollah, podemos dizer que, apesar da sua força política indiscutível, talvez preponderante no cenário libanês, não pretende queimar pontes entre si e os seus opositores”, acrescenta Nasser. Já Zahreddine tende a achar que a nomeação se trata de fato de um “golpe”. “Foi uma manobra política para a qual o povo não foi consultado. A medida é legal, mas é imoral e quebra compromissos com os libaneses”, defende.

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Prognósticos – Para os especialistas, é difícil se traçar prognósticos para o Estado libanês. Eles acreditam que a situação continuará difícil e que este é apenas um dos estágios de disputas profundas e duradouras. “A crise não é a mudança de governo, mas, sim, a real divisão do Líbano em torno de seu destino”, diz Nasser. “A nomeação de Mikati é apenas o começo. O processo de formação do governo será difícil e talvez longo por conta da dificuldade de que uma coalizão possa governar totalmente sozinha”, acrescenta.

Segundo Nasser, há posturas diversas sobre como o Líbano deveria se portar com relação às diferentes questões do Oriente Médio, e esses projetos têm seus patrocinadores dentro e fora do país. Obviamente, os Estados Unidos e Israel suportam uma visão distinta daquela que sustentam a Síria e o Irã. Nos dois grupos em que se divide o cenário político libanês, há aqueles cuja visão está mais próxima da visão americana e outros cujas opções coincidem em certa medida com a visão síria ou iraniana. “Essas aproximações, no entanto, não podem ser pensadas como totais ou como relações de dependência direta. Elas são mais complexas do que isso”, esclarece Nasser.

Para Zahreddine, a crise política tende a se estender ainda por bastante tempo no Líbano, apesar de não esperar que haja um novo confronto físico entre os lados. “Os libaneses já estão fartos de guerra.” De acordo com o professor, outros países do Oriente Médio são peças fundamentais para destravar impasses no Líbano. “A solução de problemas regionais, como o conflito entre palestinos e israelenses, por exemplo, pode auxiliar a solucionar os problemas do próprio país.”

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