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Com investigação bancária, Igreja confronta modernidade

O inquérito é um teste não apenas para o Vaticano, mas também para a Itália, dividida entre seus compromissos com a União Europeia e as redes bancárias católicas que foram controladas por suas elites por muito tempo

Por The New York Times
5 out 2010, 22h07

No ano passado, pela primeira vez, o Banco da Itália declarou que o Banco do Vaticano deve ser tratado como qualquer outro banco de fora da União Europeia e se sujeitar às normas contra lavagem de dinheiro

Quando os magistrados de Roma abriram um inquérito contra o Banco do Vaticano sobre questões de transparência, não foi apenas uma pesada demonstração de assertividade do estado sobre a Igreja. Também apontou para um dos maiores desafios do Vaticano: enfrentar a modernidade.

Como no escândalo de abuso sexual, no qual por anos o Vaticano declarou-se à parte – ou acima – das leis, desta vez a questão trata das famosas e obscuras finanças vaticanas, que pela primeira vez estão sendo observadas sob as leis europeias contra lavagem de dinheiro.

Enquanto a Europa se reinventou depois da Segunda Guerra Mundial, equilibrando seus poderes por meio de tratados e ligando-se por meio de contratos bancários, o Vaticano continua sendo a anômala última monarquia absolutista do Ocidente. Mas hoje suas formas antigas estão correndo contra as instituições civis, que cada vez mais olham para a Igreja como fazem com qualquer outra multinacional.

“O Vaticano precisa entender que o mundo mudou”, disse Donato Masciandaro, chefe do departamento de economia da Universidade Bocconi, de Milão, e especialista em regulações de lavagem de dinheiro. “Se não entender que o mundo mudou, corre o risco de violar todos os dias as normas contra lavagem de dinheiro.”

O inquérito é um teste não apenas para o Vaticano, mas também para a Itália, dividida entre seus compromissos com a União Europeia e as redes bancárias católicas que foram controladas por suas elites por muito tempo.

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Em um exemplo revelador do clima de deferência, a notícia do embate mais importante entre Igreja e estado na Itália em décadas foi publicada, sem surpresa, pelo Il Sole 24 Ore, o mais importante diário financeiro do país, não na primeira página, mas na página 18, próximo a um artigo lisonjeiro sobre a visita do papa à Grã-Bretanha.

O caso começou em 20 de setembro, quando os magistrados de Roma, preventivamente, apreenderam 30 milhões de dólares do Banco do Vaticano e colocaram seu presidente, Ettore Gotti Tedeschi, e seu diretor-geral, Paolo Cipriani, sob investigação por falta de informações adequadas sobre duas transferências de dinheiro que o banco tentou em setembro, a partir do braço romano do Credito Artigiano S.p.A., para duas outras contas próprias.

O Vaticano afirmou que a investigação é resultado de um “mal-entendido”, enquanto Gotti Tedeschi tratou a questão como um erro de informação inflado para gerar manchetes. Mas muitos acreditam que é, potencialmente, a ponta do iceberg – e o fim de uma era em que o Vaticano podia operar com impunidade.

No ano passado, os magistrados começaram a investigar todas as contas do Banco do Vaticano em bancos italianos, reagindo aos alertas do Banco da Itália – que, pela primeira vez, declarou que o Banco do Vaticano deve ser tratado como qualquer outro banco de fora da União Europeia e ser sujeito a um maior nível de informação no âmbito da diretiva de 2007 da UE contra lavagem de dinheiro.

Os magistrados também foram encorajados por uma decisão de 2003 da mais alta corte italiana, que pavimentou o caminho para autoridades do Vaticano serem julgadas por acusações de que as antenas da Rádio Vaticano tinham prejudicado moradores das proximidades com ondas eletromagnéticas. A decisão histórica afirmou que, embora a Santa Sé seja um estado soberano, o estado italiano deve ser capaz de proteger seus cidadãos de ações realizadas por indivíduos que trabalham para o Vaticano. Mas ao contrário dos Estados Unidos, a decisão da alta corte não estabelece jurisprudência, e se um juiz levar adiante o caso do Banco do Vaticano, uma longa batalha legal é esperada.

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Um mistério no novo caso é por que o Banco do Vaticano, conhecido formalmente como Instituto para Obras Religiosas, teria pedido ao Credito Artigiano para enviar 30 milhões de dólares de uma conta já congelada pelos magistrados em abril por falhas na divulgação de informações exigidas em tentativas anteriores. Alguns interpretam isso como um teste das velhas formas de ação do Vaticano.

“É claro que foi um movimento perigoso”, disse Ignazio Ingrao, especialista em Vaticano, no semanário Panorama, o primeiro a divulgar a história das investigações, em dezembro passado. “Queriam forçar a mão, esperando que o Credito Artigiano os ajudasse.”

Mas o Credito Artigiano parece ter poucas opções em relatar as transferências suspeitas ao Banco da Itália, que em setembro havia enviado um segundo aviso apenas neste ano aconselhando todos os bancos do país a tratar o Banco do Vaticano com mais controle – ou eventualmente enfrentar acusações.

Outro mistério é o que aconteceu entre 6 de setembro, quando o Banco do Vaticano fez o pedido de transferência, e 14 de setembro, quando o Credito Artigiano alertou o Banco da Itália que a informação fora perdida. Aqui, alguns vêem sinais de uma possível luta pelo poder entre Gotti Tedeschi e Giovanni De Censi, o diretor do holding do Credito Artigiano, o Credito Valtellinese – que também se senta no conselho de administração do Banco do Vaticano.

Um porta-voz do Credito Valtellinese disse que De Censi não faria nenhum comentário.

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