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Com 50 anos de carreira, Biden é lembrado por moderação e arrependimentos

Entre seus anos no Senado e na Casa Branca, o democrata foi criticado por erros e mudanças de posição em temas como direitos reprodutivos e segurança

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 jan 2021, 18h27 - Publicado em 20 jan 2021, 12h01

O recém-empossado presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tem um longo histórico na política. Com 50 anos de experiência entre Senado, Casa Branca e cargos municipais, talvez seja um dos mais experientes políticos americanos em exercício. Sua extensa carreira no serviço público, porém, é marcada por uma série de mudanças de posição em temas como imigração, direitos reprodutivos e segurança.

Hoje com 78 anos, o democrata entrou na política aos 28 anos, quando candidatou-se ao Conselho do Condado de New Castle, Delaware. Antes disso, quando trabalhava em um escritório de advocacia logo após se formar na Universidade de Syracuse, chegou a apoiar a candidatura do republicano Russell W. Peterson para o governo do estado em 1968.

Mudou sua posição ainda naquele ano, devido ao seu desgosto pelo candidato presidencial republicano Richard Nixon, e se registrou como eleitor independente. Pouco tempo depois se aliou ao Fórum Democrata, um grupo que tentava reformar e revitalizar o partido, e serviu no Conselho de New Castle como democrata entre 1970 e 1972.

Não é raro que proeminentes políticos americanos mudem de partido no início de sua carreira. Biden, porém, oscilou entre as alas mais conservadoras e progressistas de sua legenda – e foi muito criticado por isso no passado. Por fim se consolidou como um moderado membro do establishment democrata.

“Ele é um político já muito consumado e provavelmente se verá dividido em muitas situações entre a parcela mais tradiconal do seu partido e a ala mais radical”, afirma James Campbell, cientista político e professor na Universidade de Buffalo, em Nova York. “Mas para o bem ou para o mal ele tem ótimos contatos em Washington e muita experiência”.

36 anos no Senado

Sua candidatura ao Senado foi anunciada em 1972, quando ainda trabalhava no governo municipal. Ao lado de sua família, conduziu uma campanha sem muitos fundos e de pouco barulho, mas conseguiu vencer o então senador pelo estado, o republicano J. Caleb Boggs, por uma pequena margem.

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Aos 29 anos, tornou-se o segundo mais jovem a ser eleito para o Senado até então. Sua vitória o alçou ao posto de “menino de ouro” de um Partido Democrata que foi massacrado em todo o país por Richard Nixon e os republicanos.

Ao longo de seus 36 anos no Capitólio, Biden foi reeleito cinco vezes e serviu como presidente dos comitês de Relações Exteriores e de Justiça. Alguns dos momentos mais marcantes de sua carreira ocorreram justamente quando o democrata ocupava esses cargos.

Joe Biden faz juramento antes de ser empossado como Senador em 1972
Joe Biden faz juramento antes de ser empossado como Senador em 1972 (Bettmann Archive/Getty Images)

Em 1994, apresentou e liderou a campanha em prol de uma legislação que expandiu as sentenças mínimas de crimes violentos e aumentou o financiamento federal para departamentos de polícia e prisões, que posteriormente ficou conhecida como Lei Criminal Biden. A legislação expirou em 2004, mas ainda rende muitas críticas das alas mais progressistas do país.

A lei de fato reduziu a criminalidade em 33%, mas auxiliou no encarceramento em massa de muitos americanos, especialmente negros e latinos. Antes disso, em 1988, Biden também apoiou a Lei Antidrogas, que estabeleceu penas mais duras para substâncias como crack, que eram mais usadas por minorias étnicas.

Por suas posições mais duras em relação à criminalidade, o democrata atraiu críticas generalizadas nos últimos anos, especialmente após o crescimento do movimento em prol da justiça racial e o fim da violência policial no país. Após muitos anos defendendo a legislação, durante sua campanha Biden refletiu sobre as consequências da legislação.

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“Funcionou em algumas áreas, mas falhou em outras”, disse em um discurso de 2019 na Carolina do Sul. “Vou assumir a responsabilidade por onde deu certo, mas também vou aceitar a responsabilidade pelo que deu errado.”

“A lei teve um efeito devastador nas comunidades negras e latinas do país”, diz Dewey Clayton, analista político, estudioso do movimento racial nos Estados Unidos e professor da Universidade de Louisville . “Mas creio que Biden amadureceu muito desde então e depois que entrou na vice-presidência passou a se envolver muito mais em causas como justiça social e reforma da Justiça criminal”.

Biden ainda presidiu duas das mais controversas audiências de confirmação da história da Suprema Corte como líder do Comitê Judiciário: as de Robert Bork em 1987 e Clarence Thomas em 1991. Nas audiências de Bork, um conservador nomeado por Reagan, o democrata declarou sua oposição a Bork logo após a nomeação, mudando de ideia em relação a uma entrevista concedida no ano anterior e irritando os republicanos.

Já durante o processo de confirmação de Thomas – o  segundo negro indicado ao Supremo -, o democrata foi o responsável por conduzir as sessões de interrogatório do escândalo envolvendo a professora universitária Anita Hill. A advogada acusava o juiz federal de tê-la assediado sexualmente em várias ocasiões quando os dois trabalharam juntos durante o governo de Ronald Reagan.

Biden disse em seu livro de memórias ter tentado garantir uma audiência justa para ambos os lados. Mas o democrata estava ciente de que ele e seus colegas senadores, todos homens e brancos, poderiam ser acusados de racismo contra Thomas ou de sexismo, se não tratassem com o devido respeito as alegações de Hill.

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E foi exatamente o que aconteceu. Apesar de ter votado contra Thomas, Biden foi acusado de não ter feito o suficiente para apoiar Hill. O democrata lamentou em diversas ocasiões sua atuação e de seus colegas, e em 2019 ligou diretamente para a advogada para se desculpar. Depois da conversa, Hill disse que o pedido de desculpas foi profundamente insatisfatório.

Apesar das polêmicas, a maior parte dos especialistas americanos acredita que o tempo que Joe Biden passou no Senado lhe dará grandes vantagens como presidente. “As mudanças constantes de posicionamento não são necessariamente ruins para ele. Na verdade, acho que a capacidade de Joe Biden de mudar à medida em que a sociedade evoluiu é um traço positivo de sua carreira”, avalia Dewey Clayton. “Além disso, por ser um democrata mais moderado, ele é capaz de dialogar bem com os republicanos”.

“O que aconteceu nas audiências para a confirmação de Clench Thomas não aconteceria hoje em dia, e nem Biden agiria da mesma forma”, diz Clayton. “Ele não é uma pedra e sabe quando se reposicionar”.

Política externa, imigração e direitos reprodutivos

Joe Biden em sua campanha para pré-candidato democrata à Presidência em 2008
Joe Biden em sua campanha para pré-candidato democrata à Presidência em 2008 (Eric Thayer/Getty Images)

Quando o tema é a atuação americana no exterior, as alas mais à esquerda do Partido Democrata também têm muitas críticas à atuação do presidente eleito durante seus anos como senador e vice-presidente. Em 1991, Biden votou contra a participação dos Estados Unidos na Guerra do Golfo, mas em 2002 votou a favor da invasão do Iraque pelo Exército americano.

“Não acredito que isso seja uma corrida para a guerra”, disse Biden no Senado naquele ano, quando apoiou o então presidente George W. Bush ao assinar a autorização para a guerra no Iraque. “Eu acredito que é uma marcha para a paz e segurança.”

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Em 2020, porém, o democrata disse em entrevista ao canal de televisão MSNBC que foi um “erro” confiar na “palavra de um presidente que disse que não iria para a guerra e que [o uso da força] poderia ser uma forma de a guerra”.

Em 1987, Biden concorreu pelo primeira vez à indicação do partido para candidato à Presidência, mas perdeu para Michael Dukakis, governador de Massachusetts, após um escândalo envolvendo acusações de plágio em seus discursos. Vinte anos depois tentou novamente, mas perdeu para Barack Obama – que o convidou para servir como seu vice-presidente após sua vitória contra o republicano John McCain.

Joe Biden e Barack Obama na Casa Branca em janeiro de 2014
Joe Biden e Barack Obama na Casa Branca em janeiro de 2014 (Ron Sachs-Pool/Getty Images)

A forma mais agressiva com que a gestão de Obama lidou com o tema da imigração ilegal é mais um dos motivos que levaram à construção da imagem conservadora de Biden entre os democratas. Em seus oito anos na Casa Branca, entre 2009 e 2017, mais de 3 milhões de imigrantes ilegais foram deportados.

Durante a campanha, porém, o presidente eleito buscou virar o jogo com propostas para acabar com a separação de famílias nas fronteiras com o México, reformar o sistema de detenção de imigração e reinstalar o Daca, um projeto que concede visto de trabalho aos jovens que chegaram aos Estados Unidos de forma ilegal quando eram crianças e foi revogado por Trump.

Em seu passado, Biden também manteve posições muito diferentes das que exibe agora quando o tema é legalização do aborto. Nos anos 70, o democrata chegou a dizer que a decisão da Suprema Corte que abriu caminho para a regulamentrização da prática “foi longe demais”. “Quando se trata de temas como aborto, sou tão liberal quanto uma avó”, disse, brincando.

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Em 1981, ainda votou a favor de uma legislação que propunha deixar a cargos dos estados decidir sobre a legalização, sem interferência do Supremo. Até 2019, o democrata ainda manteve seu apoio à chamada Emenda Hyde, apoiada pelas alas mais liberais do Partido Democrata e que restringe o uso de fundos da saúde pública para a realização de abortos. No entanto, sob pressão durante as primárias presidenciais democratas, Biden mudou de ideia, dizendo que não podia mais apoiar a medida.

Por seus posicionamentos passados e mudanças de caminho, muitos democratas ainda vêem suas propostas com desconfiança. Porém, mesmo o ceticismo não foi suficiente para afastar os eleitores, que apostaram em Biden como a solução para o fim do governo do republicano Donald Trump.

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