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Cessar-fogo interrompe intenso combate entre Israel e palestinos

No conflito, divergências foram aprofundadas e o foco de tensão se estendeu aos árabes-israelenses

Por Julia Braun e Daniela Kresch, de Tel Aviv
Atualizado em 26 Maio 2021, 10h14 - Publicado em 21 Maio 2021, 06h00

Quando parecia que nada conseguiria desviar as atenções do planeta da pandemia de Covid-19, um dos conflitos mais duradouros e explosivos dos tempos modernos se interpôs no noticiário, com a habitual escalada de violência, mortes e destruição. Por vários dias consecutivos, mísseis e foguetes esfumaçaram os céus em Israel e na Faixa de Gaza, no mais agressivo enfrentamento em anos entre as Forças Armadas israelenses e as brigadas do Hamas, o grupo terrorista que controla o território palestino de 40 quilômetros. O conflito atual — a quarta vez que os dois lados se engalfinham — começou com escaramuças de muçulmanos com policiais e extremistas em Jerusalém, ampliou-se quando o Hamas lançou foguetes e Israel revidou com bombardeios, espraiou-se em protestos na Cisjordânia (onde fica um segundo ajuntamento, este sob controle da moderada Autoridade Palestina) e descambou em choques entre árabes e judeus em cidades onde sempre conviveram com tranquilidade. Ao ser anunciado um cessar-fogo na quinta-feira 20, a contagem de vítimas alcançava 240 palestinos (64 crianças) e doze israelenses mortos, além de 1 600 feridos.

TRÁGICO IMPASSE - Enterro em Israel: soldado leva colega morto em um conflito sem solução à vista -
TRÁGICO IMPASSE - Enterro em Israel: soldado leva colega morto em um conflito sem solução à vista – (Jack Guez/AFP)

Em Israel, os civis que já passaram por isso antes demonstraram, em geral, determinação e disciplina na hora de procurar abrigo, mas, para quem nunca experimentou tal perigo, o momento foi de pesadelo. Integrado em setembro passado à comunidade de 14 000 brasileiros que moram no país, o jogador de futebol paranaense Higor Felipe Vidal, 24 anos, e sua mulher, Victória Lorenzetti, 22, instalaram-se na cidade de Petah Tikva, a 15 quilômetros de Tel Aviv, depois que ele foi contratado pelo time local. Os dois contam que estavam no apartamento ao ouvir as sirenes de alerta na terça-feira 11, deixaram o local e foram para o mamad, o cômodo com reforço antibombas obrigatório nos edifícios desde a Guerra do Golfo, há três décadas.

Dois dias depois, o alarme soou novamente e, dessa vez, o projétil caiu a poucos metros do prédio. “É indescritível o que eu vi quando saí. Tinha caco de vidro, barro, pó e estilhaços em frente à minha cozinha”, relata o jogador, ainda abalado. Assim que foi possível, o casal tomou o primeiro avião de volta ao Brasil. “Fico triste de ir embora, mas essa guerra não faz parte da nossa vida. A gente não tem nada a ver com isso”, desabafou ele ao comunicar seu desligamento ao técnico. “Atualizamos diariamente os planos de contingência, felizmente não houve vítimas brasileiras”, diz o embaixador Gerson Menandro Garcia de Freitas.

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TENSÃO - Árabes-israelenses protestam em Jaffa: fim da convivência tranquila -
TENSÃO - Árabes-israelenses protestam em Jaffa: fim da convivência tranquila – (Ahmad Gharabli/AFP)

Cercado de árabes (e do Irã) com o propósito explícito de apagar o país do mapa, Israel, em nome da sua defesa e da de seus cidadãos, jamais deixa sem resposta maciça ataques como o do início do mês. O Hamas, por sua vez, embarcou em uma guerra que não pode ganhar para firmar liderança sobre os quase 5 milhões de palestinos em áreas ocupadas por Israel que não arredam pé da exigência de um Estado próprio. Nessa situação, só uma enorme reserva de boa vontade mútua poderia dar início a um processo de paz. E essa reserva inexiste no momento.

Cerca de 4 300 foguetes foram disparados de Gaza nos dez dias de conflito, mas 90% acabaram interceptados no ar pelo poderoso sistema antimísseis Domo de Ferro. A tecnologia e os modernos bunkers em todas as cidades do país reduzem de forma significativa as baixas israelenses. A carioca Judite Orensztajn, 76, e o marido, Oscar, 86, abrigaram-se no mamad de sua casa em Givatayim, subúrbio de Tel Aviv, durante os ataques, mas ele não conseguiu fechar as pesadas folhas de ferro da janela antes de um foguete atingir seu prédio. “Eu estava sentada do lado da janela quando ouvimos o estrondo. A onda de choque me fez voar da cadeira e cair no chão. Estou tomando comprimidos para dormir e ainda pulo com qualquer barulho mais alto”, conta Judite — que, apesar dos pesares, afirma que se sente mais segura em Israel do que no Rio de Janeiro.

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NA LINHA DE TIRO - Os brasileiros Judite e Oscar Orensztajn, que moram em um subúrbio de Tel Aviv: susto na explosão próximo à janela mal fechada do abrigo. “A onda de choque me fez voar da cadeira”, conta ela -
NA LINHA DE TIRO – Os brasileiros Judite e Oscar Orensztajn, que moram em um subúrbio de Tel Aviv: susto na explosão próximo à janela mal fechada do abrigo. “A onda de choque me fez voar da cadeira”, conta ela – (Daniela Kresch/.)

A artilharia israelense, por sua vez, atingiu 820 alvos em Gaza ao longo de duas semanas. Lá, a maioria dos civis fica exposta aos ataques, sem ter para onde fugir quando soam as sirenes de emergência. “Negociamos com o governo de Israel para retirar duas famílias brasileiras de doze pessoas de lá, que desejavam ir para a Jordânia”, diz o embaixador Garcia de Freitas. Entre os alvos de maior repercussão dos últimos bombardeios está o al-Jalaa, um edifício de doze andares no centro da Cidade de Gaza que abrigava sucursais da agência de notícias Associated Press e da rede de televisão Al Jazeera, do Catar. Segundo o comando militar israelense, um dos andares sediava uma base do Hamas e o ataque foi avisado uma hora antes (veja a coluna de Vilma Gryzinski). “Nosso único objetivo foi destruir unidades que colocavam nossa população em perigo e operavam no local”, afirmou o porta-voz militar, major Roni Kaplan. A intensificação do conflito também provocou uma crise humanitária em Gaza: segundo a ONU, mais de 52 000 palestinos tiveram de deixar suas casas e faltavam alimentos, água potável e remédios.

A violência desta vez teve um impacto inesperado nas cidades em que cidadãos árabes e judeus vivem há décadas. Assim que os ataques começaram, suas ruas foram tomadas por atos hostis de radicais dos dois lados destruindo lojas, incendiando carros e espancando motoristas. Em Lod, antes uma vitrine da convivência árabe-israelense, a prefeitura precisou decretar estado de emergência. Perto do Nakba, data que lembra a dispersão dos habitantes da Palestina em seguida à criação de Israel, em 1948, os árabes­-israelenses — que compõem 21% da população — promoveram uma vasta greve geral e atos de protesto com bandeiras contra o bombardeio em Gaza, a violência e a discriminação de que se acham alvos e a ameaça de despejo de seis famílias muçulmanas em Jerusalém, um dos pontos de atrito que desencadearam o conflito. “Manifestações como essas são sem precedente e representam um novo problema para o governo israelense”, avalia Ian Black, analista do Centro de Oriente Médio da London School of Economics. Ao fim de duas semanas de ataques, Israel e o Hamas, sob forte pressão de países vizinhos, da ONU, da União Europeia e do presidente Joe Biden — aliado desde sempre do Estado judeu, que demorou a aderir —, acordaram suspender as hostilidades. Com um acordo de paz permanente fora de cogitação, o cessar-fogo é o desfecho possível para o confronto. Até a próxima provocação.

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Publicado em VEJA de 26 de maio de 2021, edição nº 2739

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