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Candidato da extrema esquerda enfrenta herdeira de Fujimori no Peru

Polarização no país atingiu seu nível máximo nas últimas semanas, com as pesquisas de opinião indicando um empate técnico entre os dois concorrentes

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 6 jun 2021, 08h00

Os peruanos vão às urnas neste domingo, 6, para escolher seu novo presidente entre dois candidatos que representam extremos ideológicos da política nacional: a esquerda de Pedro Castillo e a direita de Keiko Fujimori. A polarização no país atingiu seu nível máximo nas últimas semanas, com as pesquisas de opinião indicando um empate técnico entre os dois concorrentes.

Pouco motivados e decepcionados com os escândalos de corrupção e irregularidades que afastaram seis presidentes peruanos desde 1985 e levaram à duas trocas de governo no ano passado, os cidadãos devem votar neste segundo turno para evitar o “mal maior” entre posições opostas cujo capital político é muito limitado. O voto em Fujimori é contra Castillo e o que ele representa, e vice-versa.

Além disso, as campanhas dos dois candidatos foram marcadas por erros, falta de jeito e irresponsabilidade que nada fizeram para melhorar a opinião pública em relação àqueles que podem ser o próximo líder do país. E os seguidores de ambos veem seu competidor como um perigo para a democracia.

Pedro Castillo, um professor rural religioso e conservador, alheio à política tradicional peruana, concorre com propostas radicais – às vezes perigosas ou inaplicáveis. Uma de suas principais promessas é a elaboração de uma nova Constituição que dê ao Estado maior papel como regulador do mercado.

Já Keiko Fujimori representa a volta do governo de seu pai, Alberto Fujimori, que colocou o país em uma fossa de práticas corruptas das quais ainda não saiu. O político, hoje com 82 anos, cumpre pena de 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade e por uma gigantesca rede de corrupção. A própria candidata também é alvo de um pedido de 30 anos de prisão por parte do Ministério Público e promete conceder um indulto ao seu pai se for eleita.

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“A última palavra será dos eleitores indecisos, muitos dos quais tomarão sua decisão ainda neste domingo”, diz Daniel Zovatto, diretor para América Latina na IDEA Internacional. “Nesse contexto de empate técnico e alto nível de polarização, crescem as especulações sobre o ‘manejo’ dos votos. As redes sociais estão em polvorosa, o que não é propício para diminuir as tensões pós-eleitorais”. 

Forasteiro radical

Ninguém esperava que Pedro Castillo, de 51 anos, de origem humilde e camponesa, estaria a um passo de se tornar presidente com seu peculiar chapéu, um lápis e um discurso que se choca frontalmente com o status quo político e os dogmas do livre mercado que têm governado o Peru com firmeza nos últimos 30 anos.

Líder do sindicato dos professores, seu primeiro grande contato com a política peruana foi como organizador de uma greve geral no setor que, em 2017, pressionou o governo de Pedro Pablo Kuczynsky. Foram as redes de professores rurais, um coletivo humilde que exerce grande influência nas comunidades, que promoveram a sua candidatura no boca a boca. As rondas camponesas, a milícia rural que vigia onde o Estado não chega e da qual foi membro na juventude, também o apoiaram.

LIMA, PERU - MARCH 30: Peruvian presidential candidate for the Perú Libre Party Pedro Castillo speaks during the second televised debate round organized by the National Electoral Jury on March 30, 2021 in Lima, Peru. Candidates participate in three different groups of six, from Monday to Wednesday. (Photo by Sebastian Castañeda - Pool/Getty Images)
Pedro Castillo, professor de extrema-esquerda e candidato às eleições presidenciais no Peru vai disputar segundo turno com Keiko Fujimori – 30/03/2021 (Sebastian Castañeda/Getty Images)

A extrema desorganização na campanha, a ausência de quadros técnicos para ocupar um governo e de um plano de governo concreto até metade da campanha, além das notórias dificuldades de tirar de Castillo o rótulo de “comunista radical”, tornaram a disputa com Keiko muito equilibrada.

Apesar de Castillo prometer por escrito que não violará qualquer preceito constitucional, para muitos peruanos persistem dúvidas sobre as críticas que feitas pelo candidato a instituições como o Tribunal Constitucional, a Defensoria do Povo e a própria separação de poderes.

O que Castillo realmente traz como bandeira, com o lema “Sem mais pobres em um país rico”, é a revogação da Constituição em vigor desde 1993, criada por Alberto Fujimori e abertamente neoliberal, e a criação de outra na qual o Estado teria um lugar maior como prestador de serviços e motor da economia.

A mudança constitucional é legalmente possível, mas extraordinariamente complicada de se conseguir. Castillo ainda não esclareceu como planeja alcançar o feito, apenas disse que “o povo” o fará.

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Fujimori x Fujimori

Apesar do enorme apoio financeiro e midiático e da sua experiência política muito maior, Keiko Fujimori não está tão perto de neutralizar seu rival. O fato é que milhões de peruanos a abominam por verem nela um sinônimo de corrupção, abuso de poder, vingança, imobilidade e violações de liberdades e direitos humanos protagonizados por seu pai.

Em poucos lugares seria viável que uma candidata acusada de crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro – pelos quais o Ministério Público pediu contra ela 30 anos de prisão – e que está à beira de um julgamento que só será evitado caso vença as eleições esteja perto de ganhar um pleito democrático. Menos ainda se essa candidata tivesse passado mais de um ano na prisão (em períodos entre outubro de 2018 a maio de 2020) em meio ao temor da Justiça de que interferisse em suas redes políticas nas investigações abertas contra ela.

Ter tido responsabilidade direta na crise institucional e política que o Peru viveu nos últimos cinco anos como resultado do trabalho desestabilizador e obstrucionista que o partido Força Popular fez no Congresso sob sua forte liderança também não é uma boa carta de apresentação. Além disso, não ajuda que quase ninguém, de acordo com as pesquisas, acredite na palavra dela.

Keiko Fujimori, filha do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, durante audiência em Lima - 31/10/2018
Keiko Fujimori, filha do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, durante audiência em Lima – 31/10/2018 (Peruvian Judiciary/AFP)

No entanto, Keiko, em meio à situação particular em que se encontra o país, assolado pela Covid-19, imerso em uma crise econômica e com uma população exausta e inflamada pelos fracassos de sua classe política, tem chance de conquistar a população que “salvar” o modelo econômico e social estabelecido pelo pai dela diante da ameaça de Castillo.

Nesta cruzada, a política contou com o apoio explícito de personalidades como Mario Vargas Llosa, que rapidamente passou de inimigo ferrenho a apoiador público, além de vários astros do futebol, aliados “contra o comunismo” e pela “liberdade”.

País dos presidentes processados

Quem vencer neste domingo ocupará uma cadeira presidencial na qual todos os que se sentaram desde 1985 acabaram sendo processados ou presos, com exceção dos presidentes interinos Valentín Paniagua (2000-2001) e Francisco Sagasti (2020-2021). O mais conhecido entre esses ex-presidentes é justamente Fujimori (1990-2000).

Desde 2016, outros quatro presidentes foram processados dentro da versão peruana da operação Lava Jato e que também envolve a construtora brasileira Odebrecht e o pagamento de propinas a autoridades. Os ex-presidentes Alejandro Toledo (2001-2006), Alan García (1985-1990 e 2006-2011), Ollanta Humala (2011-2016) e Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018) foram alvos da Justiça.

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Toledo é acusado de ter recebido cerca de 34 milhões de dólares em propinas da Odebrecht por meio de uma rede de empresas em paraísos fiscais através da qual adquiriu imóveis milionários. Alan García suicidou-se com um tiro na cabeça em 2019 quando estava prestes a ser preso pela polícia.

Outro mandatário atingido por um escândalo de corrupção foi Martín Vizcarra (2018-2020), que foi eleito como vice de Kuczynski e chegou ao cargo depois do afastamento do ex-presidente. Vizcarra, porém, foi vítima de um processo de impeachment movido pelo Congresso depois que uma série de supostas propinas recebidas por ele quando era governador da região de Moquegua (2011-2014) veio à tona. Ele foi destituído por “incapacidade moral permanente” em novembro do ano passado.

Manuel Merino, que era presidente do Congresso, foi empossado presidente em 10 de novembro, mas cinco dias depois renunciou em meio a uma série de protestos contra a deposição de Vizcarra. Merino também está sendo processado, mas com acusações de homicídio e danos corporais graves nas mortes de Into Sotelo e Bryan Pintado, dois jovens manifestantes baleados pela polícia durante a repressão às manifestações.

Atualmente quem ocupa o cargo é Francisco Sagasti, que foi eleito para substituir Merino como presidente do Congresso. Novo na política, foi eleito pela primeira vez para um cargo público em 2020. Antes disso atuou como engenheiro industrial, pesquisador, professor universitário e escritor.

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(Com EFE)

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