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Câmara dos Deputados da Argentina aprova legalização do aborto

Após 20 horas de discussões, o Câmara aprovou projeto de lei legalizando o aborto por 129 a 125; proposta segue agora para o Senado argentino

Por Luciana Rosa, de Buenos Aires
14 jun 2018, 11h23

A Câmara dos Deputados da Argentina aprovou nesta quinta-feira (14) a legalização do aborto, após 20 horas de discussão, divulgou a imprensa do país. Foram 129 votos a favor, contra 125 contra e uma abstenção.

O placar variou durante todo o período da votação. Durante esta madrugada esforços foram feitos para convencer ao menos dois deputados a mudarem seus votos e aprovarem a lei. Por volta das 8h da manhã desta quinta-feira, o deputado peronista Sergio Zillioto confirmou que seu voto mais os de dois colegas indecisos dariam margem para a vitória da legalização.

Desde quarta-feira (13) pela manhã a votação polarizava o país: de um lado um mar de lenços verdes, inspirados pelos lenços símbolo do movimento Mães da Praça de Maio, que defendem o direito à assistência médica às milhares de mulheres que abortam no país todos os anos. Do outro lado da praça, em frente ao Congresso, aqueles que optaram por defender “as duas vidas” e que entendem que a legalização do aborto seja um atentado contra os direitos humanos.

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“Nós viemos aqui porque os abortos existem, queira ou não queira. Não é uma questão moral, é preciso legalizar para que as mulheres deixem de abortar em condições indignas. Para que possam ter apoio após o aborto, tanto psicológico, como médico, que possam recorrer a um hospital sem que a julguem”, justifica a estudante Mora Calderón de apenas 19 anos. Nem mesmo o frio de 7 graus amedrontou as milhares de mulheres que circularam pela Praça do Congresso durante a jornada de horas. “O aborto já acontece, é algo que existe”, pontua Florencia Perez ao explicar porque veio da cidade de La Plata para participar da vigília. “Aqui não estamos falando de aborto sim ou aborto não. É uma questão de discutir se as pessoas tem o poder de decidir sobre o seu corpo”, completa sua companheira de militância Rocio Morroni .

Surgimento do projeto de Lei

O movimento pró-aborto já vinha ganhando maior visibilidade desde as marchas contra a violência masculina do movimento Ni Una Menos, em 2015. Contudo, um discurso do presidente Maurício Macri ao abrir o ano legislativo em fevereiro, no qual disse que ainda que seja “Pró-vida”, ele não se oporia à inclusão do tema na agenda dos legisladores, foi o empurrão que faltava para a votação ser realizada.

O projeto de lei de interrupção voluntária da gravidez chegou ao Congresso em março deste ano pelas mãos do movimento Campanha pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito, encabeçado pelas deputadas Victoria Donda (Libres del Sur), Brenda Austin (Unión Civica Radical), Mónica Macha (do Kirchnerista, Frente para la Victória) e Romina del Pla (Frente de Izquierda). A proposta apresentada pretende convencer os legisladores de que, para além das crenças pessoais de cada um, é dever do Estado garantir o acesso ao atendimento adequado àquelas mulheres que optem pela interrupção da gravidez  até a 14ª semana de gestação, e que lhes seja garantida a assistência por equipes de saúde preparadas a prestar o serviço, tanto na rede pública quanto na privada.

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Tiveram início, então, dois meses de moções públicas, das quais participaram um sem fim de personagens da sociedade civil argentina escolhidos pelos legisladores para defender suas posições. O país deixou de lado, pelo menos duas vezes por semana, discussões sobre futebol e mesmo a iminente recessão decorrente da alta do dólar, para colocar o foco no direito da mulher em decidir sobre seu próprio corpo e questões de base filosófica, como o momento exato do início da vida humana.

O governo foi acusado de colocar o aborto em pauta para tentar desviar o foco da crise econômica. Porém, esta é a primeira vez que um projeto de lei sobre o assunto chega tão longe e alcança, segundo pesquisas recentes, um nível de aprovação de cerca de 52% da opinião pública.

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A história, no entanto, não se encerra hoje. Mesmo com a aprovação da Câmara, a lei ainda terá de passar por votação no Senado, onde o panorama é mais complexo: apenas 18 dos 72 senadores se dizem favoráveis à proposta.

O argumento dos que defendem a interrupção voluntária da gravidez se baseia no direito de entre 370 e 522 mil mulheres –segundo dados do Ministério da Saúde local– que abortam anualmente na Argentina. Para elas o Estado tem a obrigação de garantir “educação sexual para decidir, anticoncepcionais para não abortar e aborto legal para não morrer” com o objetivo de diminuir as taxas de mulheres hospitalizadas por complicações em decorrência de abortos clandestinos: em 2017 foram cerca de 10 mil, com 63 mortes contabilizadas.

 

Ativistas pró-escolha reagem fora do Congresso argentino em Buenos Aires, em 14 de junho de 2018, pouco depois de os legisladores aprovarem um projeto de lei para legalizar o aborto. (Eitan Abramovich/AFP)

Um dos ponto levantados por legisladores favoráveis à lei é que a maioria dessas mulheres provém das classes economicamente mais desfavorecidas e não contam com os recursos necessários para pagar pelo acompanhamento de uma clínica clandestina de aborto como as jovens de classe média e alta.

Por outro lado, aqueles contrários à aprovação da lei, como a vice-presidente, Gabriela Michetti, alegam serem a favor de que se mantenham as duas vidas, tanto a da gestante, quanto a do feto em formação. A solução para as mulheres que não desejam ser mães seria colocar seus futuros bebês para adoção.

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Apesar de não ser permitido, o código penal argentino não prevê punição ao aborto desde 1921 caso a gravidez represente “um perigo de vida para a mãe e esse perigo não possa ser evitado por outros meios” e quando ela é resultante de “estupro ou atentado ao pudor cometido contra uma mulher ‘idiota ou demente’”.

Caso a lei seja aprovada pelo Senado e sancionada por Macri, a Argentina será um dos poucos países da América Latina a descriminalizar a prática, ao lado de Cuba, onde a interrupção da gravidez é legal desde 1968 até a oitava semana de gestação, e do Uruguai que aprovou lei em 2012 legalizando a interrupção da gestação até a 12ª semana.

 

(Carolina Marins contribuiu de São Paulo com a reportagem)

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