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Bancando a egípcia

Em 2018, fingimos não ver as máquinas de mentiras

Por Fernando Grostein Andrade
Atualizado em 28 dez 2018, 07h00 - Publicado em 28 dez 2018, 07h00

O ano de 2018 foi o do sábio: o sábio que nada sabia. Neste ano, os fatos deixaram de importar. O grotesco venceu a sofisticação. Mas sejamos justos — não foi apenas um sábio, e sim uma legião deles. Não só a verdade deixou de ser relevante, como também qualquer análise que se predispusesse a enxergar mais de uma verdade. Sem saberem nada, os sábios espalharam sua sabedoria com mamadeiras fálicas, invocaram Deus para acender fogueiras e queimar obras de arte, artistas, professores e as conquistas civilizatórias do pós-guerra. Mas foi também o ano da esfinge egípcia, aquela que se faz de morta, finge que não viu as máquinas de mentiras. E, claro, os sábios surfaram nessa onda. Vestindo a roupa do futuro civilizatório, rifaram mensagens privadas por grana, ao som de juras de confessionário.

“É de graça e sempre será” é o slogan do Facebook. Mas, como revelou o jornal The New York Times, o que estava realmente grátis eram os usuários. Como diria Britney Spears, “Oops!… I did it again” (Desculpe, fiz de novo). O gigante das redes sociais vazou dados sigilosos dos seus cadastrados sem consentimento, e para um clube de empresas que vão da Netflix à Microsoft. O objetivo: lucrar ainda mais; afinal, não está fácil para ninguém e todo mundo precisava ralar pelo bônus de Natal. Não estou falando do episódio em que milhões de fotos privadas foram vazadas do Facebook nem daquele outro, em que se pagou a empresas para mentir e arruinar a credibilidade de quem ousasse fazer críticas. A revelação de agora é inédita, investigada pelo bom jornalismo profissional.

Em 2018, nossas esfinges egípcias tropicais também fizeram que não viram. As esfinges à esquerda fizeram que não viram os resultados catastróficos dos sábios da contabilidade criativa avançada. Bradavam contra os juros e os banqueiros, fingiam não ver que o dinheiro público não é saco sem fundo. As esfinges à direita olharam para o justo sonho da óbvia racionalidade financeira, em que se gasta menos do que se tem para uma construção sólida da prosperidade, mas fingiram não ver motoristas com sacos de dinheiro, o início da farra de aniquilação das florestas (papo de gente chata, né?), o racismo (afinal os negros vieram nadando da África ao Brasil por livre e espontânea vontade), a destruição dos povos que moram por aqui há muitas centenas de anos (os incomodados que se retirem).

Veio a ascensão dos mais bizarros congressistas de que se tem notícia. Venceu a visão de que nosso povo é educado o suficiente para portar armas mas não é educado o suficiente para escolher se vai fumar um baseado ou não (não existe registro de morte no mundo por uso de maconha, ao passo que existem milhões e milhões de mortes pelo tabaco). O cinismo venceu. Venceu a ordem de atirar para matar. O pêndulo da mediocridade veio, mas ele é apenas um… pêndulo. Como ensina a história, os fatos, a justiça, o iluminismo sempre vencem. Ainda que distantes, bons ventos se aproximam e vão varrer os sábios que nada sabem, as esfinges e os cínicos. Todos vão se cozinhar no próprio caldo, o que renderá aos que hoje se sentem esmagados boas risadas. Preparem a pipoca, o futuro vem aí.

Publicado em VEJA de 2 de janeiro de 2019, edição nº 2615

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