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Ataques sônicos: a ciência por trás das armas acústicas

De canhões sonoros a dispositivos que imitem sons imperceptíveis ao ouvido humano, o caso de Cuba acende a discussão sobre o uso do som como arma

Por Gustavo Silva Atualizado em 3 nov 2017, 17h27 - Publicado em 3 nov 2017, 17h14

Em dezembro de 2014, a polícia de Nova York utilizou um dispositivo acústico para dispersar manifestantes em um protesto pela decisão de um júri popular em não julgar um policial branco responsável pela morte do jovem negro Eric Garner. Seis pessoas que estavam próximas ao canhão sonoro processaram as autoridades pelo uso do equipamento, uma arma não letal que provocou manifestações físicas como tontura, fortes dores de cabeça, pressões faciais e zumbido intenso nos ouvidos. Os sintomas se assemelham àqueles relatados por diplomatas americanos em Cuba que teriam sido alvo de misteriosos ataques sônicos a partir de novembro de 2016.

O uso de um canhão sonoro como o utilizado pela polícia nova-iorquina contra os funcionários americanos, contudo, é extremamente improvável – a potência e a falta de discrição do aparelho não condizem com o mistério que ronda o caso. “O som é uma onda de energia, que não consegue penetrar magicamente através de paredes”, disse a VEJA Jorg Muhlhans, especialista em acústica da Universidade de Viena. Cético quanto ao uso de dispositivos infra ou ultrassônicos nos episódios em Havana, o professor destaca que “o som é provavelmente a forma menos eficaz de causar dano às pessoas” e que “nunca ouviu falar de um único estudo” que documente lesões cerebrais causadas por ondas sonoras, um dos traços apontados pelas vítimas dos supostos ataques.

O governo cubano, por sua vez, foi categórico em seu ceticismo sobre os alegados ataques sônicos. “Impossível. Estamos falando de ficção científica”, disse o tenente coronel Jose Alazo, um dos especialistas da unidade de investigação criminal do ministério de Interior cubano, de acordo com a agência de notícias Reuters. Seu companheiro na pasta, o tenente coronel Juan Carlos Molina, afirmou em um especial de TV exibido pela rede estatal sob o título ‘Supostos Ataques Sônicos’ que Washington deu a Havana acesso a três registros gravados pelas vítimas dos ataques cuja “a frequência e o som”, analisados por sua equipe, são muito similares ao ruído de grilos e cigarras presentes na costa norte de Cuba.  A agência Associated Press divulgou uma gravação do que seria o som ouvido por alguns dos oficiais americanos, que pode ser conferido no vídeo abaixo.

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Oficialmente, o governo dos Estados Unidos não confirmou nem desmentiu a possibilidade de as vítimas terem sido alvos de ataques sônicos. Contudo, membros do governo americano ouvidos pela rede CNN apontam que sofisticados dispositivos sônicos poderiam estar por trás dos supostos ataques, mas trabalham com a hipótese de que esses aparelhos seriam infra ou ultrassônicos, ou seja, emitiriam sons imperceptíveis ao ouvido humano.

Investigação

Havana alega que mobilizou mais 2.000 agentes de seguranças e especialistas, que vão desde criminologistas a matemáticos, para investigar os acidentes desde fevereiro, quando o país foi comunicado em fevereiro pelo governo americano dos supostos ataques. Oficiais do FBI também auxiliam nas investigações. O governo cubano disse que apenas 14 casos foram oficialmente reportados por Washington, número bem inferior aos 24 divulgados à imprensa pelo governo americano. “Será impossível concluir a investigação sem mais cooperação”, disse Ramírez sobre os detalhes do caso, mantidos às escuras pelos Estados Unidos.

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Há quem acredite que toda ideia de armas e ataques sônicos seja uma cortina de fumaça para encobrir propósitos mais nebulosos. “Tanto como candidato quanto presidente, Trump tem explorado o medo de ameaças ocultas vagamente definidas como uma justificativa para fazer e implementar políticas”, escreveram em editorial publicado no jornal New York Times Lisa Diedrich, professora de estudos sobre mulher, gênero e sexualidade, e Benjamin Tausig, professor assistente de etnomusicologia, ambos da Universidade Stony Brook.

O chefe da Casa Branca fez a revisão das relações estabelecidas com Cuba por seu antecessor, Barack Obama, uma de suas bandeiras eleitorais. Em junho, Trump anunciou o fim do acordo de reaproximação com Cuba. Na esteira da divulgação dos supostos ataques sônicos, Washington retirou 60% de sua equipe diplomática da embaixada em Havana e, dias depois, anunciou a expulsão de quinze diplomatas cubanos da capital americana. “Eu realmente acredito que Cuba é responsável”, disse Trump sobre os ataques, os quais foram descritos apenas como “incomuns”.

Efeitos

“Pessoalmente, acredito que ‘o que você não consegue escutar, pode te ferir’”, disse a VEJA Steven L. Garret, professor aposentado de Acústica da Universidade Estadual da Pensilvânia. Pesquisas dos efeitos de ondas infra e ultrassônicas sobre o corpo humano despertam mais questões do que esclarecimentos, muito devido às implicações éticas e de seus potenciais efeitos. Um dos mitos mais recorrentes relacionado ao infrassom tem até nome próprio: ‘nota marrom’, uma baixa frequência inaudível que seria capaz de provocar o descontrole intestinal.

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Garret conta que quando ficou exposto diretamente a um dispositivo capaz de emitir sons em frequências acima de 40.000 Hz – a percepção auditiva humana é limitada a entender sons que se localizam entre frequências de 20 Hz e 20.000 Hz -, ele e outros pesquisadores desenvolveram sintomas similares aos descritos pelos diplomatas americanos em Cuba, como náusea e tontura. “Agora, usamos fones com abafadores no experimento”, disse, adicionando que “não há muitos estudos sistemáticos para determinar se o ultrassom pode provocar danos fisiológicos em humanos”.

As consequências da exposição às ondas inaudíveis, contudo, tem mais a ver com o período e potência sonora do que apenas à frequência em si. Especialista em acústica da Universidade Técnica de Dortmund, na Alemanha, o físico Jurgen Altmann explica que “o sistema auditivo humano é mais sensível às faixas entre 1.000Hz e 4.000 Hz”, mas os danos provocados por dispositivo sonoros são frutos “principalmente de uma combinação de volume e duração”.

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Volume

A legislação trabalhista brasileira considera que a exposição a ruídos sem proteção deve ser limitada em oito horas por dias para sons na faixa dos 85 decibéis (dB).  Em locais com volumes de 90 dB, o trabalhador pode permanecer na área por no máximo quatro horas. Sem as devidas proteções, não é permitido que alguém seja exposto a mais de sete minutos de sons a 115 dB.

“Qualquer som acima dos 120 dB é perigoso e, acima de 140 dB, até mesmo uma fração de segundo de exposição pode causar danos permanentes à audição”, diz Altmann. “Contudo, devido às leis da acústica sobre a propagação de ondas, é difícil criar armas que funcionem à distância”, explica o pesquisador, que cita estudos conduzidos pelo Laboratório da Força Aérea Americana atestando que “armas acústicas não apresentam utilidade militar”.

Quer saber qual é a sensação de (não) ouvir frequências infrassônicas? Basta dirigir um carro em alta velocidade com as janelas abertas, ou abrir e fechar rapidamente a porta de uma sala com as janelas fechadas, o que produz uma rápida variação de pressão atmosférica em uma frequência entre 0.5 e 2 Hz. As versões mais primitivas de sonares e radares utilizados na II Guerra Mundial, assim como aparelhos da indústria médica destinados a exames diversos, fazem uso de ondas sonoras para o mapeamento de imagens. De limpadores de joias a repelentes eletrônicos de animais e insetos, há uma série de máquinas ultrassônicas disponíveis no mercado.

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Uso policial

Um desses dispositivos é o Mosquito, criação de um engenheiro espacial britânico capaz de emitir ondas sonoras ultrassônicas em alto volume. A ideia por trás do aparelho tem como base um pressuposto biológico: com a idade, a capacidade humana de captar as frequências mais altas de som diminui. Por isso, o ruído estridente do Mosquito afeta quase que exclusivamente pessoas com até 25 anos, e é usado há mais de 10 anos por lojistas e estabelecimentos em vários países para a dispersão de jovens e evitar conflitos e furtos.

O som em altas frequências (e altíssimos volumes) é também a força motriz por trás do LRAD, equipamento cuja sigla em inglês significa ‘dispositivo acústico de longo alcance’. Por longo alcance, entenda uma distância de até 5.500 metros na qual é possível escutar ruídos estridentes que chegam a 150 dB. O canhão sônico, que possui equivalentes espelhados pelo mundo (em Israel, o exército emprega uma versão batizada de ‘O Grito’), é utilizado por forças militares e policiais em mais de 70 países, incluindo o Brasil, em situações de controle de desordem pública e para afugentar piratas de embarcações ou possíveis agentes terroristas.

 

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