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Astros da arquitetura criam projetos para integrar áreas pobres às cidades

Profissionais agitam a paisagem das metrópoles com ideias como a sede do BID em Buenos Aires, uma ponte (literalmente) entre favela e bairro nobre

Por Ricardo Ferraz Atualizado em 24 ago 2020, 11h30 - Publicado em 21 ago 2020, 06h00

Nas grandes cidades do chamado mundo em desenvolvimento, edifícios modernos e imponentes convivem com ruelas de esgoto a céu aberto e habitações precárias há tanto tempo, e com tanta naturalidade, que pouca gente presta atenção. Em alguns pontos do planeta, porém, esse estado de coisas está sendo transformado pelo olhar treinado de profissionais empenhados em buscar soluções que aproximem as populações das metrópoles. Das pranchetas de arquitetos talentosos e premiados saem projetos de construções arrojadas e bonitas, com o propósito específico de modificar a paisagem ao mesmo tempo que diminuem as diferenças sociais. “A arquitetura tem o poder de transformar problemas em objetivos. Esse é o primeiro passo para transportar quem vive no estado paralelo para o estado de direito”, acredita o arquiteto chileno Alejandro Aravena, um dos expoentes da nova leva de agitadores da paisagem urbana.

Aravena, vencedor do respeitadíssimo Prêmio Pritzker, assina um dos mais simbólicos exemplares dessa vertente arquitetônica: o projeto que ganhou a licitação para a nova sede do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) na Argentina. Em vez de alugar um dos novos prédios espelhados da área renovada de Puerto Madero, em Buenos Aires, endereço de boa parte das instituições financeiras portenhas, o BID estará instalado, quando o desenho sair do papel, em um “edifício-ponte” projetado para preencher o vão sobre a linha de trem e a autopista que separam o sofisticado bairro da Recoleta da Villa 31, a maior favela da capital.

Previsto para se tornar um marco arquitetônico da região, o novo BID terá um pé na borda externa do conglomerado de casebres inacabados da Villa 31 e outro no Parque Thays, um dos principais cartões-postais de Buenos Aires, ao lado da Faculdade de Direito e de um centro de convenções. No teto do edifício-ponte, um parque suspenso de 6 000 metros quadrados, com acesso por escadas rolantes, permitirá a livre circulação dos 40 000 moradores da favela, que assim poderão economizar, a pé, uma hora de locomoção em transporte público. “A maioria trabalha nos bairros nobres da cidade. As condições precárias e o tempo perdido nos deslocamentos, entre outros fatores, acabam criando tensão social. Se essas pessoas tiverem melhor qualidade de vida, as tensões conseguirão ser mais bem administradas”, diz Aravena.

SOBRE AS ÁGUAS - Modelo para palafitas na África: beleza e baixo custo – (NLÉ/Divulgação)

Com toda a documentação aprovada, a sede do banco ainda não tem data certa para começar a ser posta de pé — aguarda a eleição do novo presidente da instituição, atropelada pela pandemia. Não é a primeira incursão de Aravena em projetos dessa natureza. É dele também a criação das chamadas “casas pela metade”, um tipo de habitação popular de baixo custo já erguido e habitado em Iquique, no Chile, e em Monterey, no México: as unidades são entregues prontas para morar, mas com a estrutura preparada para receber “puxadinhos” quando o dono tiver condições de arcar com a reforma. O detonador desse movimento, há duas décadas, foi a intervenção da prefeitura de Medellín, na Colômbia, nas comunas, como são chamadas as favelas encravadas nos morros em volta da cidade, com obras assinadas, entre outros, pelo colombiano Giancarlo Mazzanti, ganhador do Prêmio Mundial de Arquitetura Sustentável.

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Além de erguer bibliotecas, escolas e centros esportivos e comunitários, a instalação de um teleférico (e, posteriormente, de escadas rolantes) foi fundamental para a integração com o resto da cidade, uma melhoria capaz de apagar a má fama do quartel-general do megatraficante Pablo Escobar. Replicado em várias metrópoles, o teleférico como meio de locomoção teve sua versão no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, e a experiência de Medellín serviu de inspiração para o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora — antes de ambos, UPPs e gôndolas, perecerem sob os escombros do monumental esquema de corrupção estadual. Mais recentemente, uma equipe de designers contratada pela prefeitura local integrou antigos reservatórios de água à área urbana construindo parques e quadras. Um deles, que fincou um campo de futebol sobre a tampa de uma enorme caixa-d’água enterrada no solo, recebeu o prêmio Holcim de construções sustentáveis, um dos mais importantes do mundo.

Também envolvido com soluções para amenizar a desigualdade urbana, o nigeriano Kunlé Adeyemi ganhou, em 2016, o Leão de Prata da Bienal de Arquitetura de Veneza com uma construção triangular, barata, arejada e confortável, que ele propõe que substitua as precárias casas sobre palafitas em Lagos e outros pontos da África. “Uma boa edificação oferece dignidade, propósito e lugar aos moradores”, diz Adeyemi. Em um desses bairros sobre as águas, onde a derrubada das casas originais para reurbanização foi motivo de conflito, o arquiteto projetou um edifício longo e baixo, misto de rádio comunitária, centro cultural e porto para as canoas que servem de transporte a quem vive em palafitas. Ali, também, a arquitetura, ao viabilizar uma ligação do mundo molhado para o seco, está aproximando comunidades e aterrando um degrau das diferenças sociais.

Publicado em VEJA de 26 de agosto de 2020, edição nº 2701

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