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Após eleições conturbadas, Trudeau enfrenta piores desafios no Canadá

Primeiro-ministro terá que negociar apoio para aprovar cada medida proposta pelo seu governo, além de conviver com país fragmentado e oposição fortalecida

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 24 out 2019, 14h53 - Publicado em 24 out 2019, 14h37

Após uma eleição acirrada, repleta de ataques e escândalos que colocaram à prova a imagem de bom moço de Justin Trudeau, o político de 47 anos ganhou uma chance de recomeçar em mais um mandato como primeiro-ministro do Canadá. Porém, para além do sentimento de alívio que tomou a campanha do premiê, há o reconhecimento de que o próximo governo será diferente, e que o premiê terá que enfrentar um país muito mais fragmentado politicamente e uma oposição fortalecida.

O Partido Liberal, de Trudeau, conquistou 157 cadeiras das 308 que compõem a Câmara dos Comuns. O total não é suficiente para governar e o premiê precisará do apoio de partidos minoritários para aprovar todas as suas propostas legislativas. A alternativa é mais atrativa do que um governo de coalizão, que não tem tradição no Canadá, mas está longe de ser a ideal.

Ainda que os liberais recebam o amparo do social-democrata Novo Partido Democrático (NDP), que obteve 24 assentos, precisarão negociar o apoio a cada votação. “É muito mais difícil conduzir um governo de minoria e Trudeau sofrerá muito mais para aprovar qualquer legislação”, diz Peter Loewen, analista político e professor da Universidade de Toronto.

O Partido Conservador, principal oposição ao seu governo, também passará a representar uma força maior no Parlamento. A legenda comandada por Andrew Scheer conquistou 24 cadeiras a mais do que nas eleições de 2015 e deve pressionar para mudanças mais radicais na distribuição do orçamento e corte de impostos.

Trudeau, que retomou o liberalismo no Canadá após quase 10 anos de governo do Partido Conservador, é visto por muitos como um dos poucos líderes progressistas que ainda sobrevivem na Era Trump. Apoiou a imigração em um momento em que os Estados Unidos e outros países do mundo estão fechando as fronteiras e legalizou o uso recreativo da maconha em todo o país.

Filho do ex-primeiro-ministro Pierre Trudeau, foi eleito para surpresa de todo o mundo em 2015, com seu discurso de “nova política” voltada para as mulheres, refugiados e mudança climática. Mas seus esforços para encontrar um equilíbrio entre a proteção do meio ambiente e a economia foram criticados tanto pela direita quanto pela esquerda – ele criou um imposto sobre as emissões de carbono, mas reativou o projeto de expansão de um oleoduto para transportar o petróleo produzido na província de Alberta.

O abandono de uma de suas maiores promessas de campanha, a de promover uma reforma eleitoral no atual sistema eleitoral do país, também custou os votos de alguns eleitores mais progressistas.

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Porém, mais do que meio ambiente, legalização da maconha, impostos ou saúde, os candidatos se valeram de pesadas trocas de insultos e de velhos escândalos para alavancar suas plataformas durante a campanha nas últimas seis semanas. Talvez, o despudor atípico para os canadenses tenha sido a única unanimidade nessa corrida, que serviu como um referendo sobre o governo de Trudeau.

DECEPÇÃO – Trudeau em campanha e com o rosto pintado em 2001: insulto racista (Ryan Remiorz/The Canadian Press/AP;/Reuters)

Acusado de racismo após ter fotos fantasiado e com o rosto pintado para escurecer a pele vazadas na imprensa, o primeiro-ministro repreendeu os conservadores por conduzirem “uma das campanhas mais sujas e indecentes” da história do Canadá. E essa não foi a única tática usada pelos adversários para manchar a imagem de ‘bom moço’ do atual premiê, que também foi censurado por pressionar a ministra da Justiça a abrandar a condenação da maior construtora do país por propinas e desvio de dinheiro, aceitar uma viagem de férias com sua família para a ilha privada de um bilionário filantropista e usar vestes típicas durante uma viagem à Índia em 2018 quando todos os seus anfitriões usavam ternos.

Mas a retórica agressiva não foi suficiente. Andrew Scheer falhou em capitalizar votos e não tornou suas propostas tão atrativas para os eleitores como esperado. Não ajudou o fato do líder da oposição ter sido obrigado a admitir durante a campanha que tem também nacionalidade americana –  a dupla cidadania não o desqualifica para concorrer à primeiro-ministro, mas a falta de honestidade de Scheer em revelar a verdade desde o início gerou grande insegurança em torno de sua figura.

Trudeau também contou com o amparo de última hora de um antigo aliado ao sul quando sua campanha parecia perder mais apoio. A cinco dias da eleição, o ex-presidente americano Barack Obama declarou seu apoio sem precedentes a Trudeau: “O mundo precisa de sua liderança progressista nesse momento”, disse. O gesto foi visto pelo mundo como um último recurso, quando as pesquisas estavam tão empatadas que qualquer resultado seria possível. Deu certo, ou pelo menos não prejudicou os últimos esforços do canadense antes da votação.

“Trudeau sofreu muitos abalos, muitos golpes auto-infligidos inclusive, e mesmo assim conseguiu terminar a eleição com uma vantagem significativa de 14 assentos”, diz Sanjay Jeram, da Universidade Simon Fraser. “Os liberais ficaram até surpresos com esse resultado e por terem conseguido ganhar em províncias onde as pesquisas indicavam resultados desfavoráveis”.

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Ainda assim, os conservadores viram seu poder crescer. Na realidade, o partido de Scheer saiu vitorioso na contagem de votos absolutos: foram 6,15 milhões contra 5,91 milhões do Partido Liberal.

Segundo o sistema eleitoral distrital canadense, os cidadãos de cada um dos 338 círculos eleitorais do país elegem um único deputado para a Casa dos Comuns. Isso significa que apenas os votos obtidos pelo candidato vencedor contam, levando em algumas ocasiões a uma discrepância entre o ganhador pelo total de votos e pelo número de assentos no Parlamento.

Trudeau ganhou nos maiores centros urbanos, como Ottawa e Toronto, mas foi derrotado de forma avassaladora nas províncias de Alberta e Saskatchewan. Após ser anunciado como vencedor, o premiê reconheceu que “é sempre possível fazer melhor” e prometeu ouvir com mais atenção os clamores dos eleitores conservadores concentrados nesses locais, assim como dos moradores de Quebec, que votaram em peso no partido separatista da região.

O ‘menino de ouro’ da política canadense pode ter ganhado mais uma chance de convencer mundo de que tem o suficiente para conduzir a décima economia do mundo com seu governo liberal, mas recebeu um grande aviso de seu adversário: “Sr. Trudeau, quando seu governo cair, os conservadores estarão prontos para assumir e nós venceremos”, disse Andrew Scheer em seu discurso de derrota.

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