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África do Sul: os efeitos de duas décadas de cotas raciais

A política sul-africana inclui moradia, cota educacional, benefícios assistenciais e prioridade no mercado de trabalho e de negócios para os negros

Por Vanessa da Rocha, da Cidade do Cabo
26 jun 2017, 14h43

A implementação de cotas raciais para amenizar as desigualdades sociais, econômicas e educacionais geralmente é alvo de polêmica. Em diversos países onde as políticas de afirmação foram implementadas, o tema divide as opiniões entre os que defendem que o sistema é injusto porque anula a meritocracia e os que acham que é uma tentativa justa de dar oportunidades a todos. No Brasil, o debate aconteceu nos anos 2000, quando as universidades começaram a adotar a medida. Já na África do Sul, a discussão é muito maior: começou em 1994, quando Nelson Mandela foi eleito, e se estende até hoje.

A política de afirmação sul-africana é a mais ampla e ambiciosa do mundo. São medidas que envolvem concessão de moradia, cota educacional, benefícios assistenciais e prioridade no mercado de trabalho e de negócios para os negros. Elas foram elaboradas e implementadas pelo maior partido do país, o ANC (African National Congress ou Congresso Nacional Econômico, em português) que está no poder desde o fim do apartheid.

A linha de governo tem sido baseada na chamada “transformação socioeconômica radical” que consiste em transferir renda aos negros. No epicentro da discussão sobre as políticas afirmativas está a lei BEE (Black Economic Empowerment ou Fortalecimento Econômico Negro, em português). A legislação, entre outras medidas, prevê que os empresários contratem no mínimo 75% de funcionários que não são brancos. Os negros, pardos e indianos devem ser priorizados. Essa medida foi implementada em 2003 e é a dor de cabeça dos brancos sem qualificação que acabaram ficando no final da fila para conseguir oportunidades.

O que deu errado

A ideia inicial era equilibrar a aberração da desigualdade criada pelo regime de segregação racial e que ainda faz a minoria branca desfilar em carrões, ostentando luxo por cidades compostas por favelas e pobreza. Mas existe muita discussão se as políticas, de fato, promovem o desenvolvimento com igualdade no país. O foco das críticas tem sido a suspeita de que a maioria dos negros, os principais beneficiários da medida, não estão realmente colhendo os frutos.  “A BEE ajudou uma elite negra relativamente pequena: a mais favorecida dentro do grupo previamente desfavorecido”, diz a diretora de pesquisa do Instituto de Relações Raciais da África do Sul,  Anthea Jeffery.

Isto foi confirmado por duas recentes sondagens que mostram que apenas cerca de 14% dos negros se beneficiam da BEE, enquanto 86% não. Pior ainda, a maioria dos negros foi prejudicada pela BEE, que tem ajudado a deter o investimento, reduzir a taxa de crescimento (para 0,3% do PIB em 2016) e aumentar o desemprego, de acordo com Jeffery. O mesmo funciona para o setor de negócios. Havia expectativa que mais negros empreendessem, mas o que se percebeu foi um movimento contrário. Com tantos brancos perdendo posições no mercado de trabalho, os que tinham capital para investir abriram negócios e estão na dianteira do empresariado sul-africano.

Outro ponto fraco é a carência de mão de obra qualificada, mais uma herança cruel do apartheid que renegou a educação para milhões de segregados. Na última avaliação do Fórum Econômico Mundial, a África do Sul aparece na posição 120 no quesito que avalia a qualidade da educação. De acordo com o relatório, as matrículas no ensino secundário não são suficientes para criar as habilidades necessárias para uma economia competitiva.

O projeto que previa a capacitação dos negros dentro da BEE teve baixa adesão e o governo não soube mudar a estratégia, apenas abandonou a medida.

A legislação é apontada como um entrave para os negócios do país por desencorajar investimentos estrangeiros em função da burocracia. As empresas são orientadas a seguir uma série de normas dos códigos de atuação da lei BEE. Existe um sistema de pontuação conforme o cumprimento dos requisitos e as companhias que demonstram baixo desempenho na fiscalização não podem fechar negócios com órgãos públicos. O governo também possui cotas para fechar contratos com empresas administradas por negros, mesmo que ofereçam serviços mais caros. 

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Com tantos obstáculos que essa legislação tem colocado para a economia sul-africana, cada vez mais especialistas tem sugerido a substituição da medida. “Qualquer estratégia afirmativa deveria priorizar a educação e a especialização,” publicou  o sociólogo Neville Alexander em um dos seus últimos estudos sobre o tema. O Instituto de Relações Raciais da África do Sul tem estimulado o debate sobre o EED (Economic Empowerment for the disadvantaged, “fortalecimento Econômico para os desfavorecidos, em português) que é um sistema que foca nos que estão em desvantagem financeira, independente da cor da pele. Membros da cúpula do governo já reconheceram as falhas na execução das políticas afirmativas, mas não há nenhum projeto para substituir ou remodelar o sistema.

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