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África dá lição de igualdade de gênero na política para o Brasil

No Dia da Mulher, especial mostra Ruanda, Bolívia e Islândia com bons resultados no equilíbrio de gênero na política; Brasil tem longo caminho pela frente

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 mar 2018, 13h40 - Publicado em 8 mar 2018, 06h59

No Dia da Mulher, quando todos os olhos se voltam para a igualdade de gênerosdados da União Interparlamentar mostram que somente 23,4% dos deputados, senadores e parlamentares em todo o mundo são mulheres. Apesar de baixo, o número cresceu ao longo dos anos –em 2013 eram apenas 11,3%–, mas ainda está muito longe do ideal.

Os países nórdicos lideram o ranking como a região com as melhores taxas de participação feminina na política, são 41,4% de mulheres parlamentares. Ruanda, um pequeno país no nordeste da África é, contudo, o país que possui a maior participação feminina em sua Câmara de Deputados e Senado: 61,3% dos assentos são ocupados por legisladoras. Outros países africanos como Senegal, Namíbia e Moçambique também apresentam taxas bastante surpreendentes.

Na América do Sul, se destacam Bolívia, Argentina e Equador. O Brasil aparece no fim da lista da região e na 155a posição mundial para representação parlamentar feminina: são apenas 10,7% no Congresso nacional.

Segundo a professora e especialista da Universidade de Delaware, Gretchen Bauer, o segredo para os bons resultados de Ruanda, Bolívia e outros países africanos e latino-americanos é o uso de cotas eleitorais de gênero. “Na África, sempre que há um número alto de mulheres no Parlamento, assim como na América Latina, significa que existe algum tipo de cota vigente”, diz.

Ruanda

Após a guerra civil e o genocídio de mais de 1 milhão de pessoas por extremistas étnicos hutus no início da década de 90, Ruanda perdeu grande parte de seus homens devido aos assassinatos, prisões e fugas. Antes de 1994, as ruandesas só ocupavam entre 10 e 15% dos assentos no Parlamento. Mas por necessidade e desejo de reconstruir seu país, lideranças femininas surgiram em diversas áreas.

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Já no final da década de 90, o governo passou a aprovar leis inovadoras para o padrão do país, principalmente relacionadas aos direitos das mulheres. Com uma legislação eleitoral que determina dois tipos de cotas de gênero diferentes, Ruanda alcançou um feito histórico: elegeu mais deputadas do que deputados nas últimas eleições parlamentares de 2013.

As leis determinam que, necessariamente, cada província deve eleger 2 legisladoras. Além disso, mesmo nos assentos não reservados, há uma cota de 30%. Ou seja, como o país possuí um sistema de lista fechada, cada partido deve nomear uma candidata a cada três homens. Em 2008, Ruanda já tinha sua primeira mulher presidente da Câmara: Rose Mukantabana.

 

 

O modelo de cotas é implantado em muitas outras nações africanas que possuem um sistema político de lista fechada. A igualdade no Legislativo, contudo, não significa necessariamente o fim da discriminação e do machismo. Em Ruanda, por exemplo, os dados mais recentes indicam que apenas 37% das mulheres completaram os primeiros anos do ensino secundário. Porém, ainda é difícil medir o impacto da representação política feminina na qualidade de vida das cidadãs, já que as mudanças aconteceram apenas recentemente.

Talvez, o maior impacto da igualdade na política esteja ligado ao que os especialistas chamam representação simbólica. “Cientistas políticos relacionam a presença de mulheres no Legislativo com uma variedade de efeitos simbólicos, tal como o aumento do engajamento político entre as eleitoras”, diz Jennifer Piscopo, professora da Occidental College e pesquisadora do tema. Um novo entendimento sobre a capacidade feminina para a liderança também é um resultado positivo.

 

América do Sul

Cotas também explicam os bons resultados de países como Bolívia, Equador e Argentina. Os dois primeiros implementaram um sistema com paridade de gêneros, ou seja, 50% dos nomes na lista fechadas dos partidos devem ser obrigatoriamente de mulheres, enquanto o modelo argentino exige 30% de candidaturas femininas.

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Na Bolívia, atualmente a Câmara de Deputados é presidida por Gabriela Montaño. Mas as cotas de gênero atuam apenas na esfera legislativa do país. Embora o presidente Evo Morales tenha nomeado um gabinete parlamentar igualitário em 2010, desde janeiro deste ano há somente quatro ministras em um governo com 20 pastas. A situação se repete em outros casos: não há uma única governadora no país e, nos 339 municípios do país, apenas 28 prefeitas.

A deputada Sonia Brito, do partido Movimento ao Socialismo (MAS, de Morales), afirma que a participação das mulheres nos movimentos sociais, principalmente as indígenas e camponesas, foi muito importante para a conquista de alguns direitos sociais no país. Porém, reconhece que a sociedade boliviana ainda é patriarcal e injusta.

Conta que, mesmo dentro da Câmara e do Senado, há casos de homens invalidando deputadas da própria bancada. “Ainda vivemos em um sistema com marcas de patriarcais e machistas e temos muitos deputados, senadores e outras autoridades que reproduzem essas relações de poder”, diz.

Em 2012, uma conselheira da prefeitura de uma cidade próxima a La Paz foi assassinada após meses de assédio e violência. Logo depois, o governo boliviano aprovou uma lei pioneira para regular esse tipo de violência contra mulheres que ocupam cargos públicos.

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Cargos executivos

Quando Michelle Bachelet deixar seu cargo no Chile no próximo domingo, a América Latina não terá mais nenhuma presidente mulher. Em 2014, a região tinha quatro: Laura Chinchilla na Costa Rica, Cristina Kirchner na Argentina e Dilma Rousseff no Brasil, além da própria Bachelet.

As leis de cotas criaram oportunidades para que muitas mulheres avançassem na política na América Latina, mas não transformaram completamente o consenso geral sobre quem deve liderar um país. Porém, segundo especialistas, a representação parlamentar pode ser um caminho para chegar lá.

“À medida que a presença das mulheres no Congresso chega a 40 ou 50%, torna-se cada vez mais difícil excluí-las das posições maiores e mais importantes. Os padrões estão mudando e devem continuar a mudar”, diz a pesquisadora Jennifer Piscopo.

Países nórdicos

Os países escandinavos são conhecidos como pioneiros em avanços na área da igualdade de gênero. Islândia e Suécia estão no topo da lista de representação parlamentar feminina. Com exceção da Finlândia, todas as outras nações nórdicas não determinam obrigatoriedade de cotas em eleições legislativas, porém os próprios partidos aplicam cotas voluntárias para atrair a candidatura de mulheres.

Em todos os países, contudo, leis que incentivam a educação, equidade do mercado de trabalho, direitos reprodutivos e combate à violência de gênero são implantadas há anos, gerando um efeito positivo também na representação política.

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O método prevê que o próprio desenvolvimento socioeconômico das nações leve a uma maior presença feminina em cargos públicos. Essa lógica, porém, leva tempo. O governo dos Estados Unidos escolheu não implantar cotas e deixar com que o aumento da igualdade em todo o país leve naturalmente à paridade de gênero na política. Atualmente, contudo, os americanos possuem apenas 19,4% congressistas no Senado e Câmara dos Representantes. Os resultados devem demorar a aparecer.

Brasil

Apesar das brasileiras estarem conquistando importantes direitos nas áreas da educação, saúde e economia formal, elas ainda são muito mal representadas na política. Nas últimas eleições municipais, em 2016, apenas 31,89% dos candidatos eram mulheres.

Entretanto, desde 2009, a Lei das Eleições estabelece que cada partido ou coligação deve preencher no mínimo 30% de suas candidaturas com mulheres. Ou seja, mesmo após sete anos da criação das cotas, o número de candidatas alcançou pouco mais que o mínimo exigido.

Para muitos especialistas, existem duas grandes razões para explicar essa realidade. A primeira é o sistema político brasileiro, considerado menos “amigável” para as mulheres. “O sistema de lista aberta e representação proporcional do Brasil incentiva a competição intrapartidária, prejudicando os partidos e encorajando indivíduos com capital político pessoal e dinheiro”, explica Kristin Wylie, professora da Universidade James Madison que estuda o caso brasileiro.

A segunda razão está na própria falta de suporte dos partidos políticos, que tende a desencorajar candidaturas femininas. Após o decreto da obrigatoriedade da cota de 30%, surgiu também outra questão: as chamadas “candidatas laranja”. Em 2016, 14.417 mulheres inscritas na eleição não receberam sequer um voto. Após a apuração do caso, descobriu-se que muitas delas nem sabiam que estavam concorrendo.

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“A fraqueza e o caráter dominante dos homens na maioria dos partidos explicam a sub-representação numérica das mulheres”, diz Kristin. Além disso, a grande maioria das brasileiras gasta mais de 25 horas por semana no trabalho doméstico não remunerado, e a política representaria apenas mais um turno de trabalho.

O Brasil possui outras formas de incentivo à participação feminina documentados em lei: a obrigatoriedade de que cada partido político dedique 10% de sua propaganda partidária gratuita e 5% do total do valor recebido em financiamento para a promoção da representação da mulher na política. Porém, nenhuma das medidas parece ter surtido grande efeito.

“O Brasil precisa aprender a apoiar suas candidatas e legisladoras, porque a política melhora quando o conjunto completo da sociedade está representado”, diz Jennifer Piscopo.

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