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A crise alimentar na Índia

Má gestão, má supervisão, e corrupção desenfreada prejudicam capacidade do país de atender à demanda alimentar da população

Por Asit K. Biswas e Cecilia Tortajada
21 ago 2014, 19h21

De acordo com estimativas atuais, a população total da Índia atingirá 1,45 bilhão em 2028, equiparando-se à China, e 1,7 bilhão em 2050, o equivalente à atual população combinada da China e dos Estados Unidos. Uma vez que a Índia já luta para alimentar sua população, a atual crise alimentar poderá piorar nas próximas décadas.

De acordo com o Índice Global da Fome (GHI) de 2013, a Índia está em 63º lugar, entre os 78 países onde existe mais fome, significativamente pior que os vizinhos Sri Lanka (43º), Nepal (49º), Paquistão (57º) e Bangladesh (58º). Apesar da melhoria considerável da Índia durante o último quarto de século – a sua classificação no GHI subiu de 32,6 em 1990 para 21,3 em 2013 – a Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas acredita que 17% dos indianos ainda estão muito desnutridos para terem uma vida produtiva. Na verdade, um quarto das pessoas desnutridas no mundo vive na Índia, mais do que em toda a África Subsaariana.

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Mais angustiante, um terço das crianças desnutridas no mundo vive na Índia. De acordo com a Unicef, 47% das crianças indianas estão abaixo do peso e 46% das crianças com menos de três anos são pequenas demais para a sua idade. Na verdade, quase metade de toda a mortalidade infantil pode ser atribuída à subnutrição – uma conjuntura a que o antigo primeiro-ministro Manmohan Singh chamou de “vergonha nacional”.

O que explica a insegurança alimentar crônica da Índia? A produção agrícola bateu novos recordes nos últimos anos, tendo aumentado a produção de 208 milhões de toneladas em 2005-2006 para uma estimativa de 263 milhões de toneladas em 2013-2014. A Índia precisa de 225-230 milhões de toneladas de alimentos por ano, portanto, mesmo considerando o recente aumento populacional, é claro que a produção de alimentos não é a questão principal.

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O fator mais significativo – que os legisladores ignoram há muito tempo – é que uma alta proporção de alimentos produzidos na Índia nunca chega aos consumidores. Sharad Pawar, ex-ministro da agricultura, observou que são desperdiçados alimentos no valor de 8,3 bilhões de dólares, ou quase 40% do valor total da produção anual.

Isto não reflete o panorama completo: a carne, por exemplo, é responsável por 4% do desperdício de alimentos, mas abrange 20% dos custos, enquanto 70% da produção de frutos e hortaliças são desperdiçadas, contabilizando 40% do custo total. A Índia pode ser o maior produtor mundial de leite e cultivar a segunda maior quantidade de frutas e legumes (depois da China), mas também é o país que mais desperdiça alimentos no mundo. Como resultado, frutas e vegetais custam o dobro do preço que poderiam ter, e o leite custa mais de 50% do que deveria.

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Não são apenas os alimentos perecíveis que são desperdiçados. Estima-se que 21 milhões de toneladas de trigo – o equivalente a toda a colheita anual da Austrália – apodrecem ou são comidos por insetos, devido ao armazenamento inadequado e à má gestão da empresa estatal Food Corporation of India (FCI). A inflação no preço dos alimentos tem sido, desde 2008-2009, sempre superior a 10% (exceto em 2010-2011, quando foi “apenas” de 6,2%); os mais pobres, cujos gastos com alimentos representam normalmente 31% do orçamento familiar, foram os que mais sofreram.

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Há várias razões para que se percam tantos alimentos perecíveis, incluindo a ausência de cadeias de distribuição modernas, a existência de poucos centros de armazenamento a baixas temperaturas e caminhões-frigorífico, instalações de transporte mal equipadas, o fornecimento errático de eletricidade, e a falta de incentivos para investir no setor. O Instituto Indiano de Gestão em Calcutá estima que as instalações de armazenamento frigorífico só estão disponíveis para apenas 10% dos produtos alimentares perecíveis, deixando cerca de 370 milhões de toneladas de produtos perecíveis em risco.

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A FCI foi criada em 1964, principalmente para implementar sistemas de apoio a preços, facilitar a distribuição a nível nacional e manter reservas de produtos de base como o trigo ou o arroz. Mas a má gestão, a má supervisão, e a corrupção desenfreada fizeram com que a FCI, que absorve 1% do PIB, seja agora parte do problema. O ex-ministro da Alimentação K. V. Thomas a chamou de “elefante branco” que precisa ser renovado “de cima a baixo”. Mas o governo tem, em vez disso, tentado acabar com a escassez aumentando a produção, sem considerar que até metade dos alimentos produzidos poderão ser perdidos.

A Índia não terá terra arável, irrigação, ou energia suficientes para fornecer alimentos nutritivos aos futuros 1,7 bilhões de habitantes do país se um volume de 35-40% da produção alimentar for deixado para apodrecer. O novo governo de Narendra Modi, portanto, deve considerar formas alternativas para resolver a crise de alimentos da Índia.

Asit K. Biswas é professor visitante de políticas públicas na Escola Lee Kuan Yew, em Cingapura, e cofundador do Centro de Administração de Água no Terceiro Mundo.

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Cecilia Tortajada é presidente e cofundadora do Centro de Administração de Água no Terceiro Mundo.

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate 2014

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