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A boa vida dos nazistas na América após a guerra

Autor do livro 'Nazistas Entre Nós', o pesquisador e jornalista Marcos Guterman explica como a justiça foi branda com monstros do Holocausto

Por Daniela Flor Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 15 ago 2016, 08h43 - Publicado em 15 ago 2016, 07h16

A sociedade moderna chegava a seu ponto moral mais baixo há pouco mais de 80 anos, quando a Alemanha nazista, chefiada por Adolf Hitler, pôs em prática o projeto de uma “purificação racial”. Responsáveis pelo assassinato seis milhões de judeus e outras minorias na Europa, os algozes do nazismo destruíram vidas, famílias e histórias. O que aconteceu com esses vilões após o fim do regime, porém, pouco se assemelha ao terror pelo qual passaram suas vítimas: vários oficiais nazistas se integraram à sociedade e recriaram vidas pacatas no Brasil, nos Estados Unidos e em outros cantos mundo.

No livro Nazistas Entre Nós – que chega às livrarias na próxima semana pela Editora Contexto -, o historiador e jornalista de O Estado de S. Paulo, Marcos Guterman, disseca a trajetória de seis desses carrascos. Klaus Barbie, Josef Mengele, Albert Speer, Franz Stangl, Gustav Wagner e Adolf Eichmann foram figuras da linha de frente do massacre de judeus que não tiveram dificuldades em se tornarem cidadãos comuns após a guerra. Alguns viveram tranquilos por algum tempo, outros, seguiram impunes pelo resto da vida.

“Houve uma injustiça flagrante na história”, afirma Guterman. “É insignificante o número de pessoas que os alemães e os austríacos levaram a julgamento em relação ao número de pessoas que participaram do massacre”. Em entrevista ao site de VEJA, o autor explicou como o passado de agentes ativos do nazismo foi deixado para trás e o perigo de que a história se repita.

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Como foi possível que esses algozes nazistas vivessem como pessoas normais e se integrassem na sociedade?
Foi uma combinação de leniência, antissemitismo e desconhecimento do que aconteceu. Além disso, havia a percepção de que a guerra tinha ficado para trás. Em termos de governo, a atenção do mundo ocidental depois da II Guerra se voltou para a luta contra o comunismo, a Guerra Fria. Já na sociedade civil criou-se a ideia de que o nazismo era algo distante, lá de Hitler, e de que as pessoas que ajudaram mais proximamente foram condenadas em Nuremberg. A responsabilidade se esvaia e a vida seguia. Tudo isso permitiu que pessoas que deveriam ser confrontadas pela Justiça recebessem exatamente o contrário, a liberdade.

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Um grande número de oficiais nazistas escapou e foi parar nos Estados Unidos e na América Latina. Como isso aconteceu?
Fugir dos campos de prisioneiros dos aliados depois da guerra era muito fácil, às vezes era só pegar as malas e ir embora. Então, foram para os Estados Unidos aqueles que interessavam ao governo americano, para serem funcionários na Guerra Fria, pela experiência que tinham em combater o comunismo. Já para América Latina vieram aqueles que queriam construir suas vidas sem serem incomodados. Era um lugar bem longe da Europa, que tinha comunidades alemães fortes e, assim, se criou uma rede.

Três histórias contadas no livro, de Josef Mengele, Franz Stangl e Gustav Wagner, são de nazistas que vieram para o Brasil. Por que o país foi o destino deles?
Ao contrário dos Estados Unidos, e até um pouco da Argentina, no Brasil não houve qualquer participação do governo em trazer essas pessoas. Os nazistas vieram porque era fácil entrar aqui. Alguns usaram nomes falsos, mas outros, como Franz Stangl, comandante de Treblinka [campo de concentração na Polônia], entraram com seus documentos originais e vistos. O filho de Josef Mengele, médico nazista de Auschwitz [o maior campo de concentração do nazismo, também na Polônia] e conhecido por suas experiências sádicas, veio para o Brasil visitar o pai com um documento falso, mas voltou com o passaporte verdadeiro e ninguém desconfiou. Os controles eram frouxos, o que mostra que eles não foram procurados de fato. Se fossem, teriam sido encontrados.

Como a sociedade trata hoje o que aconteceu no Holocausto? Ainda há o esquecimento de foi algo recente, real e com muitos culpados?
Sim, com o passar dos anos, esse tipo de episódio tende a ficar ainda mais na memória, cada vez mais distante e difícil de entender. A lição que fica é: a sociedade tende ao esquecimento como uma forma de autodefesa, para esconder seus próprios defeitos. E o esquecimento é a possibilidade de cometer o mesmo erro no futuro. Não que vá existir outro Holocausto, mas as pessoas começam a aceitar como um fato da vida, ao invés de ver como algo absurdo, que determinado grupo de pessoas seja segregado da sociedade ou perca a cidadania.

O mundo vive um momento de acirramento de segregações diversas. Nesse contexto, qual é o perigo de esquecer o nazismo e seus responsáveis?
Donald Trump é um caso claro do perigo de esquecermos a história. Se você ouve Trump falar, ele é um político cuja retórica é idêntica à de Hitler. Não se importa de dizer mentiras e inverdades, desde que façam algum sentido. Era nisso que Hitler apostava do ponto de vista político e, assim, ganhava adeptos que eram convidados a não pensar. Quando você não pensa, vai para as extremidades ideológicas. Se ainda temos esse tipo de líder surgindo é porque não aprendemos. Hitler foi tratado da mesma maneira que Trump, como um cara histriônico, que se chegasse ao poder não ia dar em nada.

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