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“Queria ter feito muito mais”, diz Luisa Strina, pioneira do mercado das artes brasileiro

Aos 80 anos, a empresária celebra os 50 anos de sua galeria e reflete sobre a trajetória de sucesso que conectou artistas locais ao mundo

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 30 nov 2024, 16h15

Luisa Strina é uma das figuras mais influentes da arte brasileira e internacional. Ela começou sua trajetória na década de 1970 como representante independente de amigos e professores artistas. Em 1974, fundou a Galeria Luisa Strina, em São Paulo, inovando ao adotar um modelo inspirado no mercado americano, com seu nome na fachada — algo inédito no Brasil. Desde então, a galeria se tornou uma referência e a mais antiga do país no segmento de arte contemporânea.

Strina foi visionária ao introduzir artistas brasileiros como Cildo Meireles e Tunga ao mercado internacional, enquanto promovia obras de expoentes estrangeiros como Roy Lichtenstein e Andy Warhol no Brasil. Em 1992, consolidou seu pioneirismo ao ser a primeira latino-americana convidada a participar da Art Basel, uma das feiras de arte mais prestigiosas do mundo.

Reconhecida globalmente, Luisa Strina figurou por sete anos entre as 100 pessoas mais influentes do mundo das artes segundo a ArtReview, e foi fotografada por Annie Leibovitz para a Vanity Fair ao lado de galeristas icônicas como Marian Goodman. Sua abordagem ousada e compromisso com a arte a transformaram em uma verdadeira agente cultural, conectando artistas emergentes e consagrados com colecionadores e instituições globais.

Aos 80 anos de idade, celebrando os 50 anos da galeria, Strina conversou com VEJA sobre a relação longeva com a arte, a ausência de mulheres no mercado artístico e os próximos passos. Perguntada se valeu a pena viver em torno da arte, ela diz: “Não sei se valeu a pena, mas eu me diverti muito”, com os olhos marejados. 

São 50 anos de galeria, 80 anos trabalhando e vivendo de arte. Como começou essa relação?

Começou muito criança. Minha primeira imagem não é uma pessoa, é uma escultura de um peixe que tinha na casa da minha avó. Essa é uma das primeiras coisas que lembro. Eu sempre fui ligada em olhar as coisas, olhar o bonito. Eu gostava muito de livros de arte. Naquela época tinha pouquíssima publicação sobre arte no Brasil, então eu via muita coisa em revista e livros, principalmente arte da europeia, que é o que chegava por aqui.

Tinha alguém na família que pudesse ter despertado esse interesse? Alguma relação próxima? 

Não, não tinha artista nenhum. Foi lendo as revistas que eu fui me encantando. Foi um interesse muito natural, quase um chamado. Na escola mesmo, eu gostava muito de desenhar, de pintar, eram as minhas aulas favoritas. E eu fui desenvolvendo, fui estudando mais. Naquela época não tinha faculdade de arte. Então, eu fiz cursos livres de pintura e desenho.

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E você queria ser pintora? 

Queria, mas eu logo vi que não era para mim. Eu só copiava, eu não fazia nada criativo, apesar da insistência. Acabou que abri a galeria em 1974, era uma forma de fazer arte sem ser artista.  

E como começou isso de ser galerista? 

Eu acabei amiga de vários professores de arte. E nessa proximidade, comecei a vender alguns trabalhos deles. Fiz exposição no MAC, em algumas galerias aqui de São Paulo com obras desses pessoal. Então, um tempo depois, o [Luiz Paulo] Baravelli, um desses artistas que eu trabalhava, me incentivou a abrir uma galeria de arte onde antes funcionava o estúdio dele e assim eu comecei. 

E como foi começar a promover a arte contemporânea em plena Ditadura Militar?

Esse não era o tipo de arte que o governo queria promover. Para falar a verdade, não havia interesse em promover nenhum tipo de arte naquele momento. Às vezes tinha ameaça de fechar alguma exposição. As exposições do Nelson Leirner, por exemplo, eram conturbadas. Eu fiz uma dele chamada “Uma Linha dura… não dura” [que aconteceu em 1978], que era uma clara referência ao regime. Essa foi, talvez, a exposição mais difícil que eu fiz quando se trata da relação com a polícia e com a ditadura.

Existia mercado para a arte contemporânea nesse período? 

Não tinha campo. O mercado e as galerias ainda estavam interessados em Portinari, em Di Cavalcanti, por exemplo. Por outro lado, tinha vários artistas jovens produzindo e eu queria mostrar os artistas da minha geração. Então, formou-se quase um clube, uma coisa de nicho mesmo. Mas eu queria mostrar essa coisa diferente que estava ali. Antigamente, as galerias vendiam uma mistureba de artistas, de tudo quanto é estilo, tudo junto. Eu fiz uma escolha de trabalhar com artistas contemporâneos apenas, e essa foi a diferença naquele contexto.

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Você acha que a função do galerista mudou desde que você começou em 1974? 

Sim. Quando eu abri a galeria eu não tinha nem telefone. Eu trabalhei mais de um ano sem as pessoas poderem me ligar. Quando elas queriam ver ou oferecer trabalhos elas tinham que vir até a galeria. E as pessoas vinham. Hoje em dia elas não vêm, compra-se tudo pela internet. Mas antes, tinha que ter um contato com a obra. Você ia até a galeria, via e se gostava, comprava. E assim, criava-se relações, havia um movimento de compradores, artistas e apreciadores que passavam horas nas galerias, conversavam, trocavam, descontraiam, era um clima para relaxar. Hoje é tudo muito mais corrido, mas a gente teve que se entregar e integrar esse novo modo.

 

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Luisa Strina: a empresária abriu sua galeria em 1984 e se tornou símbolo da arte contemporânea no Brasil (Galeria Luisa Strina/Reprodução)

 

Mas a essência do trabalho continua a mesma? 

Eu continuo buscando a melhor obra para oferecer para os meus clientes. Isso continua igual. Inclusive, muitos clientes antigos já se foram ou passaram o bastão para frente. Mas vem os filhos, os netos, que continuam aqui comigo. 

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Muitos reclamam da ausência de artistas mulheres em museus, coletâneas de história da arte e no mercado da arte, em geral. Como você vê isso? 

Eu acho que nós temos muitas mulheres, sim. Eu nunca me senti sozinha ou pioneira nesse campo. Na verdade, meu objetivo sempre foi trabalhar com excelência, e excelência não tem sexo. Houve tempos, claro, que tinha mais homens que mulheres, mas nós sempre estivemos por aqui. Hoje, inclusive, eu acho que tem até mais mulheres do que homens. 

Você esteve por trás de nomes como Cildo Meireles, Tunga e tantos outros que se tornaram representativos depois. Hoje você acha que a arte contemporânea é tão interessante quanto quando você começou? 

Que pergunta capciosa essa! É como toda leva de artistas, alguns vão, alguns ficam. 

E você teve um bom dedo para escolher os que ficam. 

São muitos fatores envolvidos. Alguns ficam, mas são poucos. Não são todos os artistas que mudam a arte, que mudam o mundo, que trazem coisas novas. Essa é uma peneira que só vem com o tempo. Só o tempo é capaz de dizer a importância de um artista. 

O que você leva em conta antes de escolher um artista para representar?

Essa é uma pergunta muito difícil. Não quero algo que eu já tenha visto. Isso não me interessa. O que me interessa é o que me deixa intrigada. Obras que me incentivam a pensar sobre elas e não me dão respostas óbvias. 

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E como surpreende quem já viu de tudo? 

Eu não vi de tudo. E essa é a parte legal: eu não vi nada ainda. Não vi nada!

O que você queria quando abriu a galeria em 1974? 

Eu queria valorizar a arte brasileira e torná-la conhecida fora do Brasil. 

50 anos depois, a missão está cumprida? 

Eu diria que está um pouquinho. Eu acho que fiz coisas legais, mas queria ter feito muito mais. O que mais eu ainda não sei. 

Fazendo um balanço de tudo. Valeu a pena? 

Não sei se valeu a pena, mas eu me diverti muito.

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