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Os cumprimentos e contatos físicos não serão como antes

Trata-se de um sacrifício para sociedades cordiais. O jeito é se adaptar ao abraço seguro

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jul 2020, 12h32 - Publicado em 3 jul 2020, 06h00

Ficar sem o abraço das netas de 20 e 8 anos por quase três meses tornou a vida da artista plástica Eni Lazzari, 68 anos, mais triste e amarga. Inspirada por vídeos postados nas redes sociais, ela confeccionou uma capa de plástico com furos para os braços para matar a saudade do carinho. “Não aguentava mais de saudade. No momento em que toquei minha neta mais nova, caí no choro”, conta a avó, que também costurou uma capa para a filha se sentir mais próxima das amigas. Desde que as regras para evitar o contágio do novo coronavírus impuseram a privação universal do afeto de um abraço ou de um simples aperto de mão, pessoas como Eni sonham com o momento em que poderão de novo tocar e ser espontâneas com a família e os mais próximos. Isso ainda demora, mas, à medida que a quarentena vai sendo relaxada, a sociedade encontra outras formas de contato físico — cautelosas e rápidas, mas melhor, bem melhor do que nada.

Um aceno ou um beijo enviado de longe continuam sendo as manifestações mais aconselháveis. Mas, entre integrantes de um grupo de confiança, já é possível um abraço rápido entre adultos, ambos de máscara e cada um olhando para um lado. Antes, passar álcool em gel nas mãos e, de preferência, vestir roupas limpas. “Prender a respiração no momento do abraço é uma proteção a mais, já que mesmo com a máscara há vazamento da circulação de ar”, diz o microbiologista brasileiro Rafael Duarte, que trata de pacientes com Covid-19 no Hospital São Sebastião, no Porto, em Portugal.

Dá trabalho, sim, mas ele é compensado pelo prazer de, enfim, enlaçar com os braços alguém querido. Em relação a crianças, o afeto seguro pode se manifestar ou com o adulto envolvendo o pequeno com os braços pelas costas dele ou com o muito conhecido gesto infantil de “abraçar o joelho” de gente grande — neste caso, infelizmente, sem o ato contínuo de erguer no colo e encher de beijos. Beijos, aliás, estão fora de cogitação, um sacrifício para uma população que cumprimenta até desconhecido com dois ou três no rosto. Da mesma forma, apertos de mão entraram para o índex da pandemia até segunda ordem. Um e outro facilitam tremendamente a transmissão do vírus por gotículas orais e pelo transporte de contágio adquirido em superfícies não higienizadas.

ASSIM NÃO PODE - Adeus, olho no olho: chance de contágio do infame vírus. (Stone/Getty Images)

Além da pura e simples carência afetiva, a ausência de contato físico pode, a longo prazo, afetar o equilíbrio emocional. Apertos de mão ou com a mão no braço do outro, um dos mais antigos cumprimentos, surgiram como forma de as pessoas mostrarem que não estavam armadas. Beijos na bochecha, um aprimoramento dos originais beijos na boca, viraram marca dos primeiros cristãos, no Império Romano. A palavra abraço, esse gesto ocidental, tem origem latina, amplexus, que significa entrelaçar em volta; já o inglês hug vem de hugga, “confortar” na antiga língua nórdica. São manifestações que ajudam a reduzir o estresse por sua capacidade de acalmar o sistema nervoso simpático, conjunto de neurônios ativado em momentos de tensão, causando alteração de batimentos cardíacos, alta de pressão, suor e outros efeitos. “A ausência do toque físico também estimula sentimentos de desprestígio e de inferioridade. Daí a importância da afetividade e do cumprimento”, diz o psicólogo Cloves Amorim, da PUC-PR.

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Para definir o que pode e o que não pode em matéria de convívio social durante a pandemia, VEJA consultou especialistas de diversas áreas sobre a chamada etiqueta preventiva, uma cartilha de práticas seguras para interações sociais. De forma geral, recomenda-se que, em ambientes fechados, pessoas que não convivem diariamente evitem ficar mais do que quinze minutos próximas umas das outras. “A distância e a duração do encontro são dois fatores críticos, pois, quanto mais perto e mais tempo se passa com alguém, maiores as chances de contaminação”, afirma Ben Cowling, epidemiologista da Universidade de Hong Kong. Infecções também podem ocorrer por meio do toque em objetos ou superfícies contaminadas e posterior contato com os olhos, boca ou nariz. No início do surto, tentou-se achar alternativas para o aperto de mão — mas, convenhamos, toques de cotovelos ou de solas de sapatos despertam mais risada do que cordialidade. “Em um encontro de negócios podem causar constrangimento. E, em qualquer circunstância, passam uma sensação de leveza que não combina com o momento”, argumenta Claudia Matarazzo, especialista em etiqueta e comportamento.

O nome do jogo, agora, é zelo. A taxa de contágio — quantas pessoas em média um indivíduo doente pode infectar — está em 1,05 no Brasil. Ou seja: cada 100 pessoas contaminadas transmitem o vírus para outras 105. Mas essa taxa já foi muito pior, chegou a quase 3. “Enquanto ela continuar acima de 1, é preciso ter cautela”, diz o epidemiologista Bruno Scarpellini, da PUC-­Rio. Quando enfim tudo passar, nada será como antes, resume Claudia Matarazzo. Em encontros, o anfitrião deverá esclarecer quantas pessoas irão e quais cuidados está tomando. Os petiscos não podem ser comunitários — cada um ganha sua porção. Se o convidado chegar com um presente, nada de abrir na hora. Ponha na cozinha, higienize e deixe para ver depois. “Vamos retomar nossos hábitos, mas o distanciamento social será, de agora em diante, sempre a opção mais prudente”, diz Paul Hunter, epidemiologista da Universidade de East Anglia, na Inglaterra. Neste mundo de não me toques, vale ensaiar as milenares saudações orientais, como a leve inclinação dos japoneses e as mãos postas sobre o peito dos indianos. Namastê.

Publicado em VEJA de 8 de julho de 2020, edição nº 2694

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