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Tupãzinho coloca os seus ‘carrinhos’ na história do Corinthians

Por Da Redação
4 nov 2011, 18h25

Tupãzinho atendeu o seu telefone celular, para conceder esta entrevista à GE.Net, enquanto dirigia nas ruas de Campo Grande (MS). ‘Vou chegar em casa em 10 minutos, e a gente conversa melhor!’, avisou o ex-jogador, com o seu sotaque caipira característico. Ele aprendeu a ser cuidadoso ao volante enquanto defendia o Corinthians na década de 1990. Um dia depois de marcar o gol do título do Campeonato Brasileiro, por exemplo, já estava atrás de um funileiro para consertar o seu carro batido.

O Escort de Tupãzinho era realmente digno de atenção – havia sido comprado com muito esforço, graças às premiações pagas pelo Corinthians durante a competição. O jogador recebia Cr$ 120 mil mensais de salários, três vezes menos do que os destaques do seu time. Por isso, acordou cedo para consertar o único patrimônio pessoal naquele dia 17 de dezembro. ‘Não podia deixar o meu carro daquele jeito!’, justificou, 20 anos mais tarde. O meia-atacante saiu de casa às 7h50 para ir à oficina, ainda rouco por causa da festa pela conquista do título brasileiro. Os jornalistas não imaginavam que o herói fosse deixar o seu apartamento próximo ao Parque São Jorge, com aluguéis pagos pelo Corinthians, tão cedo. Acabaram driblados por Tupãzinho.

No final do dia, quando finalmente se encontrou com a imprensa, Tupãzinho ainda lamentava por não ter achado à venda uma peça pedida pelo funileiro. ‘Poxa, eu precisava dar um jeito no meu carrinho’, reclamava. O assunto logo ficou para trás. Não era para menos. Na véspera, outro ‘carrinho’ havia sido muito mais importante para a vida do atleta. Aos oito minutos do segundo tempo da partida contra o São Paulo, válida pela decisão do Brasileiro, Tupãzinho se esticara no gramado para marcar o gol da vitória por 1 a 0. Conforme descreveu o jornal A Gazeta Esportiva: ‘O lance surgiu de um toque de bola rápido e envolvente, que teve Tupãzinho e Fabinho como seus autores magistrais. Tupã recebeu na direita, tocou para Fabinho, que chutou. No rebote e em meio a um punhado de pernas, Tupãzinho deu o golpe de misericórdia que reforçou a fama de pé-frio de Telê Santana’.

Depois do gol, entre lágrimas e risos, Tupãzinho foi carregado pela torcida e por seus companheiros no gramado do Morumbi. E demorou três horas e meia além do previsto para deixar o estádio do São Paulo. Ele e o amigo Fabinho acabaram sorteados para realizar exame antidoping e voltaram mais tarde para a concentração, no Hotel Samoa. Assim que chegou, no entanto, o herói da vitória corintiana ligou para os pais em Tupã (SP), sua cidade natal, e para a noiva Isilenne. ‘Eles começaram a chorar de emoção. Eu também não resisti. Meu pai me pediu para seguir humilde, mas nem precisava’, contou, na época.O Escort batido, portanto, foi uma preocupação adiada por Tupãzinho naquela noite de comemoração. O curioso é que o carro já havia gerado polêmica na concentração. Na semana que antecedeu a final contra o São Paulo, um ladrão arrombara o automóvel para roubar alguns pares de tênis do jogador Jairo. No dia do jogo, alguém reconheceu o larápio em frente ao Hotel Samoa. E o pior: com um dos pares de tênis nos pés. Valdomiro, o suposto bandido, defendeu-se: ‘Não estourei o carro! Comprei esse tênis de um menor de idade, na quadra da escola de samba Vai-Vai, por Cr$ 5 mil!’. Com o salário que recebia, Tupãzinho tinha condições de adquirir apenas 24 calçados iguais àqueles por mês.

Estas e outras histórias foram lembradas por Tupãzinho quando ele já havia chegado à sua casa, em segurança. De mudança para Tupã, o Talismã da Fiel manteve a promessa de seguir humilde, feita ao pai, e falou com bom humor sobre o seu presente como empresário e o passado no Corinthians.

Tupãzinho: Pronto! Já estou em casa. Podemos conversar. Quer dizer que você vai fazer uma matéria sobre o nosso título de 1990?

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Gazeta Esportiva.Net: Exatamente. O que aquela conquista representou para você?

Tupãzinho: Tudo. Foi aquele título que me deu reconhecimento, que me tornou um ídolo do Corinthians. Fiquei marcado, não é? Ser campeão brasileiro não é para qualquer um, ainda mais fazendo o gol do título. Mas parece que eu só fiz aquele gol [risos].

GE.Net: O fato de as pessoas lembrarem mais daquele gol do que de outros te incomoda?

Tupãzinho: Não, não. Tranquilo. Isso é normal. E eu não sou mais importante do que ninguém por ter feito o gol. O Corinthians venceu os dois jogos do São Paulo na decisão daquele título. No primeiro, o Wílson Mano colocou a bola para dentro e também fez história.

GE.Net: Mas é impossível o último gol não ficar mais marcado. Você esperava que essa glória sobrasse para você?

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Tupãzinho: De maneira nenhuma. As coisas aconteceram muito naturalmente, sabe? Não sonhei com nada nem aguardava alguma coisa assim. Eu só queria ser campeão. Aquele gol até era para ter sido do Fabinho. Quer dizer, poderia ter sido do Fabinho. Eu acreditei na jogada desde o início, quando saí com a bola dominada, e já estava esperando pelo gol quando saiu a caneta no Antônio Carlos. Aí, o Fabinho errou o chute. A bola sobrou para mim.GE.Net: E, então, você deu um carrinho e foi comemorar com a torcida. O que passou pela sua cabeça na hora?

Tupãzinho: Não dá nem para pensar direito em um momento como esse. Eu não acreditava que tinha marcado aquele gol. Foi uma alegria imensa. Deus sabe o quanto é difícil sair do interior para vencer em um grande clube. Ainda mais marcando um gol daquele jeito: de carrinho, sofrido como são os corintianos. Mas é bom lembrar que o meu gol saiu aos oito minutos de jogo, e não no final, e que eu era titular. Muita gente acha que eu era reserva.

GE.Net: Por causa do apelido de Talismã? Essa sina de entrar no segundo tempo para decidir os jogos no final não te agradava?

Tupãzinho: Não, tudo bem. Eu lidava bem com isso. Sabe por quê? Estava sempre participando dos jogos, e o pessoal acabou adotando o Talismã. Isso pegou. Foi uma honra. Até hoje, os torcedores me chamam assim.

GE.Net: Vamos falar sobre o início da campanha do Corinthians no Campeonato Brasileiro de 1990: o time estava desacreditado, com o técnico Zé Maria balançando no cargo…

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Tupãzinho: Foi assim mesmo. Um começo difícil. O nosso time tinha sido montado para não cair. O seu Vicente Matheus queria muito o título, afinal era uma verdadeira obsessão ganhar o Brasileiro, mas a gente sabia que ainda faltava bastante coisa para brigar por isso. Ninguém acreditava na conquista.

GE.Net: Quando vocês passaram a acreditar?

Tupãzinho: O nosso elenco até era bom, no final das contas. Ficou melhor com a chegada do Nelsinho Baptista. Ele foi fundamental, pois exigiu funcionalismo por parte da direção e dedicação dos jogadores. Depois que perdemos para o Internacional no Pacaembu, no último jogo da primeira fase, a gente se uniu e deslanchou no mata-mata. Formamos um time razoável, que jogava fechadinho, com o Neto ajudando a recompor o meio-campo. A gente não goleava ninguém, mas conseguia ganhar de 1 a 0.

GE.Net: Os dois jogos das finais com o São Paulo terminaram com esse placar.

Tupãzinho: É, para você ver. Foi uma final legal, em que apresentamos muita disposição. Jogamos do jeito que o corintiano gosta: com raça. Este era o diferencial do nosso time.GE.Net: Como foi enfrentar o São Paulo, um rival, na decisão? Você não tinha ido fazer testes lá antes de chegar ao Corinthians?

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Tupãzinho: Eles tinham um time melhor do que o nosso. Na época em que eu tentei ir para o São Paulo, também era complicado. Era o tempo do Expressinho. Saí do São Bento e fiquei uns 25 dias no São Paulo, naquele Morumbi frio. Estava vindo do interior. Era uma dureza. No Corinthians, ao contrário, tudo fluiu naturalmente.

GE.Net: Depois da final, não fluiu tão naturalmente assim [risos]. Você não ficou muito tempo no Morumbi, realizando exame antidoping?

Tupãzinho: É verdade. Pegaram o Fabinho e eu para os exames, a dupla que tinha participado do lance do gol. Queriam ver se tiravam o título da gente desse jeito, na marra [risos]. Demoramos a conseguir fazer xixi. Foi um sufoco. Depois, na saída do Morumbi, fomos comer um lanche e muitos torcedores fizeram festa com a gente. O restante do time já tinha voltado para o hotel.

GE.Net: No dia da final, aconteceu outro episódio curioso: o ladrão que havia roubado os tênis do Jairo [falecido em acidente automobilístico, em 2007] no seu carro foi encontrado em frente à concentração do Corinthians. Lembra disso?

Tupãzinho: Nossa Senhora, eu nem me lembrava! É verdade! O Jairo deixou a janela do carro aberta, e o cara conseguiu arrombar. E não é que acharam o ladrão?

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GE.Net: Em frente à concentração do Corinthians, no Hotel Samoa.

Tupãzinho: Vai ver que o ladrão era corintiano [risos]. Só pode, para estar ali no dia da final. Mas ele devolveu o tênis na recepção. O Jairo foi até lá para buscar. Tínhamos uns três pares de tênis no carro, porque a nossa patrocinadora havia dado de presente. O cara só trouxe um de volta.

GE.Net: No dia seguinte à final, você demorou a ser encontrado pelos jornalistas porque tinha ido ao funileiro para arrumar o carro, logo cedo. Não era um xodó exagerado com o seu Escort?

Tupãzinho: Eu havia batido o carro [risos]. A gente corria um pouco naquela época. Depois, eu tive até uma moto CBR e acelerava nela escondido. Loucura, não é? Mas a gente era moleque. Não dá para imaginar isso na São Paulo de hoje.

GE.Net: O dinheiro para consertar o carro batido te fazia falta?

Tupãzinho: O futebol mudou muito, né? Hoje, os jogadores têm patrocínios, ganham bem. Na minha época, o Corinthians pagava mal. Eu não tinha nem salário. Praticamente, todo o meu dinheiro vinha de bichos, que eram descontados dos salários [risos]. Mas sem problemas. Sou campeão brasileiro. Lembro do que o seu Vicente Matheus falou para mim: ‘Esse golzinho vai ficar marcado na tua vida para sempre’. E ficou, mesmo. Na minha e na do Mano, que fez o gol da primeira final.GE.Net: Até hoje, muita gente te para nas ruas para falar do gol?

Tupãzinho: Bastante! É claro que nem todo mundo se lembra de mim, pois o tempo passa. Algumas pessoas desconfiam por causa da diferença física. Engordei um pouco, o cabelo mudou [Tupãzinho usava madeixas compridas nos tempos de Corinthians, como os cantores sertanejos que tietava]. Mas, mesmo assim, sempre tem alguém me chamando de Talismã e agradecendo pelo que fiz no Corinthians. Isso é muito legal. Passei bastante tempo no clube. Construí a minha vida lá.

GE.Net: E agora, como está a sua vida? Ainda possui uma fábrica de fraldas em Campo Grande?

Tupãzinho: Vendi a fábrica há pouco mais de um mês. Estou de mudança, sabe? Vou voltar para Tupã. Já me ofereceram um cargo diretivo lá. Quem sabe não é o meu primeiro passo para retornar ao futebol?

GE.Net: Você sente saudades do esporte?

Tupãzinho: Você nem imagina o quanto me faz falta. Algum tempo atrás, sofri de uma verdadeira depressão. Era coisa de querer me matar. Mas está tudo bem agora. Até porque o futebol também cansa. Tem os dois lados. A minha família ficou do meu lado sempre [o ex-jogador é casado com Isilenne e tem Pedro e Giovanna como filhos], e isso é o mais importante.

GE.Net: Aconteceu algo mais sério nesse período depressivo?

Tupãzinho: Não, pois sempre tive o apoio de todo mundo. Agora, ainda vou voltar a trabalhar com esporte em Tupã, ficando mais perto dos meus parentes. É o que eu gosto de fazer. Está no sangue. Quem sabe não é um caminho para ser treinador?

GE.Net: Você joga peladas de vez em quando?

Tupãzinho: Às vezes. Há algum tempo, eu frequentava o time de masters do Corinthians. Era bom por ser algo sem compromisso, mas não dá mais para correr como antigamente.

GE.Net: E o seu filho? Gosta de jogar futebol?

Tupãzinho: Adora. Ele tem 13 anos e joga de meia-atacante, como eu. É magrinho também. Parece muito comigo.GE.Net: Ele vai ser jogador do Corinthians?

Tupãzinho: É o maior sonho dele. Ele é corintiano desses doentes, loucos, de chorar quando o time perde. Herdou do pai.

GE.Net: Para vocês dois, então, o dia do aniversário de 20 anos do título brasileiro de 1990 será diferente, especial?

Tupãzinho: E como! Vou mostrar para ele os vídeos do nosso título. Precisamos comemorar. Sempre me lembro da data: 16 de dezembro. Sou corintiano, poxa! De coração. Sempre fui. E o mais legal no Corinthians é que a torcida sabe valorizar aquele jogador que se entrega para o time, mesmo não tendo tanta qualidade. Eu sempre procurei me doar pelo clube. Da minha parte, nunca faltou entrega.

Leia a reportagem e outras entrevistas sobre os 20 anos do título brasileiro:

Neto e a sua ‘gente humilde’ celebram 20 anos da nacionalização corintiana

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