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Morre João Havelange, o cartola que fez da bola um negócio

Ex-dirigente foi o homem forte dos tempos de ouro da seleção e fez da Fifa uma multinacional bilionária do esporte. Morreu no Rio de Janeiro, aos 100 anos

Por Silvio Nascimento Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 16 ago 2016, 13h03 - Publicado em 16 ago 2016, 08h41

O ex-atleta e ex-cartola João Havelange, uma das figuras mais poderosas e influentes da história do esporte, morreu nesta terça-feira, no Rio de Janeiro, em decorrência de uma infecção respiratória. Ele tinha 100 anos e estava internado desde o dia 02 de julho no Hospital Samaritano. Presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) durante a fase mais vitoriosa do futebol do país, também foi integrante do Comitê Olímpico Internacional (COI) por mais de quatro décadas – renunciou em dezembro de 2011 alegando problemas de saúde, mas pressionado por uma investigação de corrupção.

O auge de seu poder, contudo, ocorreu no período em que foi presidente da Fifa, entre 1974 e 1998. Havelange mudou radicalmente a entidade que controla a modalidade mais popular do planeta, estendendo seu alcance, ampliando sua influência e transformando uma estrutura semiamadora numa máquina de fazer dinheiro, abastecida por contratos publicitários e pela comercialização de direitos de transmissão de TV. Se craques brasileiros como Pelé e Garrincha revolucionaram o futebol dentro de campo, Havelange alterou os rumos do esporte nos bastidores.

Ao deixar a presidência da Fifa nas mãos do sucessor, o suíço Joseph Blatter, seu principal auxiliar por 18 anos, o futebol profissional já era um dos negócios mais rentáveis do planeta. O impacto de sua gestão foi tão profundo que, em 1999, foi apontado pelo COI como um dos três principais dirigentes esportivos do século XX, ao lado do barão Pierre de Coubertin, pai dos Jogos Olímpicos da era moderna, e do catalão Juan Antonio Samaranch, que comandou o comitê olímpico por duas décadas. Havelange mantinha havia catorze anos o título de presidente de honra da Fifa.

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Nascido no Rio de Janeiro, Jean-Marie Faustin Goedefroid de Havelange era filho de um belga que fez fortuna com o comércio de revólveres – negócio que jamais seduziu o herdeiro, que dizia ter aversão às armas de fogo. Aluno do Liceu Francês e da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, formou-se advogado, mas desde cedo preferia os esportes às salas de aula. Era um atleta nato: praticava natação, pólo aquático e futebol, entre outras modalidades. Havelange jogou nas categorias de base do Fluminense, seu time do coração, e disputou sua primeira Olimpíada em 1936, em Berlim, como nadador. Voltaria a participar dos Jogos quase duas décadas depois, em Helsinque-1952, como integrante da equipe brasileira de pólo aquático. No intervalo entre as duas Olimpíadas, iniciou sua trajetória de dirigente esportivo, presidindo as federações de natação de São Paulo e do Rio. Conciliava a atividade de cartola com a carreira de executivo da Viação Cometa, empresa de transporte rodoviário. Ainda em 1952, foi eleito vice-presidente da CBD – que, além do futebol, controlava diversas modalidades esportivas.

Quatro anos depois, transformou-se no principal dirigente esportivo brasileiro: foi chefe da delegação brasileira na Olimpíada de Melbourne e assumiu a presidência da CBD, cargo que ocupou até 1974. Nesse período, o Brasil conquistou suas três primeiras Copas do Mundo – a primeira, em 1958, apenas dois anos depois da posse de Havelange na CBD. Naquela campanha, a grande novidade foi a profissionalização da delegação brasileira no Mundial. Foi a primeira vez que o Brasil disputou uma Copa com uma equipe de especialistas para auxiliar a preparação dos jogadores. A seleção seria campeã novamente no Chile, em 1962, e no México, em 1970, quando conquistou a posse definitiva da taça Jules Rimet.

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Dinheiro e denúncias – Os triunfos da seleção brasileira nas Copas deram notoriedade a Havelange, que pulou do comando da CBD para a cadeira de presidente da Fifa, em 1974, substituindo o inglês Stanley Rous. Sétimo dirigente a presidir a federação, foi o primeiro não-europeu na função. Além de capitanear a realização de seis Mundiais de grande sucesso, o brasileiro levou a cabo um ambicioso processo de expansão da Fifa. Havelange rodou o mundo, carimbou o passaporte em 186 países, fez a China retornar ao rol de filiados depois de 25 anos de rompimento e levou a federação superar a ONU em número de países-membros. Conseguiu adesões numerosas na África e na Ásia – e as federações novatas na Fifa passaram a garantir os votos necessários para suas sucessivas reeleições. Ao mesmo tempo em que patrocinava essa campanha de propagação da modalidade pelo globo, costurava uma reforma estrutural na entidade – na esteira da popularidade internacional do futebol, a federação ficou cada vez mais profissional e rentável.

Se antes a Fifa funcionava como um órgão esportivo convencional, sob as rédeas de Havelange ela virou um grande negócio, graças, principalmente, à Copa do Mundo. Havelange assumiu com o caixa vazio; ao se despedir, a Fifa tinha patrimônio estimado em 4 bilhões de dólares. Junto com o dinheiro, vieram as controvérsias e suspeitas – Havelange foi envolvido em denúncias de corrupção, acusações que nunca culminaram em condenações judiciais. Os críticos e inimigos diziam que o cartola usava os gordos contratos publicitários da Fifa para comprar votos para sua permanência no cargo. Uma de suas mais polêmicas ligações foi com Horst Dassler, herdeiro da fabricante de materiais esportivos Adidas (patrocinadora da Fifa há décadas) e dono da empresa de marketing esportivo ISL (que era a detentora dos direitos de TV das Copas e Olimpíadas). Amigo de Dassler, Havelange teria beneficiado o aliado nos contratos da Fifa; em troca, o chefão da ISL teria ajudado a manter Havelange no poder, abastecendo chefes de federações nacionais com subornos.

O brasileiro sempre desmentiu a existência do esquema, mas renunciou ao seu cargo no COI em dezembro de 2011 – poucos dias antes de o comitê de ética do COI anunciar o resultado de uma investigação sobre pagamento de propinas pela ISL. Havelange era suspeito de ter recebido 1 milhão de dólares da agência de Dassler. Com a renúncia, o caso foi arquivado antes que o ex-dirigente fosse suspenso ou expulso. Sua influência no COI, no entanto, era inegável. Foi protagonista na costura da campanha vitoriosa do Rio de Janeiro à sede da Olimpíada de 2016 – e festejou a escolha de sua cidade, em Copenhague, em 2009, ao lado de Pelé, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do ex-genro Ricardo Teixeira e do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, uma espécie de aprendiz e seguidor de Havelange. Além de Nuzman, seu outro grande afilhado na política esportiva foi Teixeira, um operador do mercado financeiro que se casou com sua filha Lúcia e foi transformado em dirigente justamente pelas mãos de Havelange.

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Ele pavimentou o caminho para a eleição de Teixeira à presidência da CBF – e, assim como no caso de Nuzman, viu o afilhado político trazer um megaevento esportivo ao Brasil, a Copa do Mundo. Havelange e Teixeira, entretanto, se distanciaram em decorrência do divórcio turbulento do então presidente da CBF e Lúcia, em 1997. O ex-genro sonhava com a presidência da Fifa, cuja sucessão aconteceria no ano seguinte. Havelange encaminhou a candidatura de Blatter, seu secretário-geral na entidade. Nos anos seguintes, Havelange e Ricardo Teixeira voltariam a se relacionar no círculo familiar, ainda que sem a mesma proximidade. Blatter, ainda presidente da Fifa, acabou virando adversário dos dois (credita-se ao suíço o vazamento dos papéis mais comprometedores do escândalo da ISL). Nos últimos anos, estava afastado dos bastidores do esporte, sob cuidados médicos, distante dos holofotes. Numa das principais homenagens que recebeu em vida, viu seu nome batizar o estádio olímpico construído para o Pan de 2007.

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