DOHA – Não poderia haver final de Copa do Mundo mais espetacular. Argentina e França brigam pelo tricampeonato mundial. Os franceses buscam o segundo título consecutivo – o que os igualaria a Itália (1934 e 1938) e Brasil (1958-1962). O treinador dos Les Bleus, Didier Deschamps, se erguer a taça, se iguala ao italiano Vittorio Pozzo (1934-1938). Deschamps, que também ergueu o troféu como jogador (1998), ficaria atrás apenas de Mario Jorge Lobo Zagallo, que participou de quatro conquistas (as duas primeiras como ponta da seleção, a terceira como técnico no México e a quarta como auxiliar de Carlos Alberto Parreira em 1994).
Para quem gosta de dimensionar o esporte e a vida comparando momentos históricos: é a mais sensacional final de Copa do Mundo desde a de 1970, no México, entre Brasil e Itália – o placar sabemos de cor. Naquele ano, a amarelinha e a azzurra disputavam o tri, como agora fazem tricolores e albicelestes. Tem mais, e aqui, enfim, chegamos ao ápice de uma partida para grudar na memória coletiva: de um lado estará Lionel Messi, aos 35 anos; do outro, Kylian Mbappé, de 23. E então, um jogo coletivo, de onze para cada lado, acabou se transformando em duelo dos dois maiores jogadores da atualidade. Ou melhor: de dois jogadores a caminho de ingressarem definitivamente no andar mais alto do olimpo dos deuses do futebol.
Direto ao ponto, e atire a primeira pedra quem não concordar. Com o título, Messi ficará maior do que Maradona e abaixo apenas de Pelé. Com o título, Mbappé dará as mãos a Pelé nessa mesma idade – com o futuro pavimentado para se tornar, daqui a alguns anos o novo rei do futebol, com menos gols, é claro. Eis a grandeza do que se verá no estádio Lusail a partir de meio-dia deste domingo, 18 de dezembro, horário do Brasil. Desde que o camisa 10 do Santos e da seleção pendurou as chuteiras, em 1977, houve busca permanente pelo novo Pelé. Maradona passou perto. Ronaldinho Gaúcho, ao menos durante um ano, caminhava para o posto. Neymar sonhou com isso – mas apenas sonhou, e nunca chegará lá. As comparações com o maior de todos foi sempre desdenhada, pelo absurdo. Agora não. Ainda que soe um tantinho exagerado, é assunto que já não é tratado como heresia completa. Messi e Mbappé autorizam o paralelismo – ou ao menos a discussão, e ela é bem boa.
Não por acaso, argentinos e franceses têm lidado com o tema, embora Messi ainda precise encostar e ultrapassar Pelé. Os jornais dos dois países usam a régua de Pelé para medir seus dois cracaços.
O camisa 10 da Argentina, que joga como quem assobia, e há vinte anos nos deleita com suas exibições no Barcelona e agora no PSG, demole recordes como um gigante. No Catar, contra a Croácia, ele fez seu jogo de número 25 em Mundiais — igualando a marca do alemão Lothar Matthäus. Com 26, alcançado hoje será o líder isolado. Ele tem onze gols marcados, cinco dos quais agora, e deixou para trás o centroavante Gabriel Batistuta entre os artilheiros da Argentina em Copa, autor de dez tentos. Nunca se viu – nem mesmo Pelé, em tempo antes das redes sociais, antes do marketing bilionário – um jogador de futebol tão amado quando Messi.
Em Doha, ele está em todas as partes – no corpo dos próprios argentinos (mais de 40 000 estimados para a final), dos cataris, dos sauditas, de meninas e meninos, no mercado central, nos painéis luminosos, em canecas, em broches. Messi, Messi, Messi… Um cinema ao ar livre de um bairro de Doha erguido há pouco tempo, o Msheireb, colado à região do mercado central, exibia na noite de sexta-feira um filme curdo sobre os sonhos de um menino sem uma das pernas cujo título diz tudo: O Messi de Bagdá. Tê-lo campeão do mundo será alegria para muito além das fronteiras da Argentina. E no caso dele, para não se perder o rumo da prosa, cabe pô-lo de outro modo na balança com Pelé. A atuação de Messi no Catar lembra a de Pelé no México, aos 29 anos. Como já não era a pantera veloz da juventude, o rei jogou muito mais pensando do que correndo – como aquele passe açucarado para Carlos Alberto contra a Itália, a tentativa de gol do meio de campo contra a Checoslováquia, o drible sem bola no goleiro uruguaio Mazurkievicz (além de quatro gols, é claro).
O Pelé de Mbappé é outro, como quis mostrar a capa do jornal esportivo L‘Équipe, aos instalar os dois lado a lado, em gesto idêntico. O brasileiro foi o único com menos de 20 anos a ser decisivo em um torneio vitorioso, o de 1958, e manter o título na edição seguinte — ainda que, em 1962, tenha se contundido na segunda partida, dando lugar ao possesso Amarildo. Mbappé pode repetir a façanha, com sobras. O francês fez treze partidas de Copa até os 23 anos, sua idade atual. Marcou nove gols. Pelé, até os 23, fez seis partidas e sete gols.
Tudo somado, cabe prendermos a respiração. Estima-se que mais de 1 bilhão de pessoas vá acompanhar a final pela televisão – os outros 7 bilhões, coitados, não sabem o que estarão perdendo.
No Brasil, a final terá transmissão em TV aberta da Globo e fechada do SporTV, e também em dois canais de streaming, o Globoplay e a live do influenciador digital Casimiro, na Twitch e no Youtube, todos gratuitos. E se você quiser ter um olho na imagem em movimento e outro na descrição por escrito, minuto a minuto, acompanhe aqui na VEJA.
Ambas as seleções têm dúvidas na escalação. No caso da Argentina, Lionel Scaloni pode optar pela manutenção de um esquema com três zagueiros ou então sacar Lisandro Martínez para a volta de um dos craques do time, o meia-atacante Ángel Di María. Do lado francês, Olivier Giroud, que se recupera de um quadro gripal, pode ser substituído por Marcus Thuram.
Prováveis escalações:
Argentina: Martínez; Molina, Romero, Otamendi, Lisandro Martínez (Dí María), Acuña; De Paul, Enzo Fernández, Mac Allister; Messi e Álvarez.
França: Lloris; Koundé, Upamecano, Varane e Theo Hernández; Tchouaméni, Rabiot e Griezmann; Mbappé, Dembélé e Giroud (Thuram).