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Festa para a televisão

As grandes emissoras, como a americana NBC e a Globo, fazem da Olimpíada do Rio um palco para o desfile de novas tecnologias

Por Leslie Leitão e Thiago Prado
8 ago 2016, 12h40

A notícia se espalhou com boa dose de antiamericanismo, como se os fuzileiros navais sob o comando de Barack Obama tivessem subtraído a cerimônia de abertura em seu momento mais emblemático, o do desfile das delegações. A emissora NBC pedira aos dirigentes do Comitê Olímpico Internacional (COI) que alterassem a posição dos Estados Unidos na ordem de entrada no Maracanã. Tradicionalmente, a ordem é alfabética. No caso do Brasil, em português. Os Estados Unidos, portanto, foram alocados no 64º lugar da passeata, entre os Estados Federados da Micronésia (63º) e a Estônia (65º). Os diretores da NBC queriam que o porta-bandeira Michael Phelps e sua trupe entrassem mais para o fim (o truque: definir a ordem de entrada em inglês, e a grafia “United States” os poria entre os últimos). A emissora apostava que conseguiria manter a audiência por mais tempo, em um bloco aborrecido da cerimônia inaugural. A resposta do COI: não. Vitória! E os Estados Unidos não compraram os Jogos!

Convém lembrar, contudo, que uma Olimpíada, qualquer Olimpíada, é um imenso negócio. Somados os Jogos de Inverno de Sochi, na Rússia, e os do Rio, estima-se que o COI tenha faturado cerca de 4,14 bilhões de dólares com a venda de direitos de transmissão. O valor equivale a 74% de tudo o que a entidade arrecadou durante os dois eventos. Com o torneio movido a dinheiro, é natural que a emissora que mais paga tenha lá seus privilégios. A NBC deu ao COI 4,4 bilhões de dólares pela Olimpíada do Rio, pela de Tóquio (2020) e por outras duas Olimpíadas de inverno. O acordo, até 2032, já foi renovado por mais 7,6 bilhões de dólares.

No embalo dessa troca, os donos dos direitos de transmissão conseguiram empurrar muitas provas para o fim da noite, início da madrugada, de modo a ser exibidas em horário nobre da TV nos Estados Unidos nas costas leste (uma hora a menos) e oeste (quatro horas a menos). As finais de natação começarão às 22 horas. O nadador brasileiro Cesar Cielo, antes de perder a classificação para o Rio, foi claro: “A gente tem de jogar o jogo do dinheiro, não tem jeito”. Houve muita negociação. A NBC sentou-se à mesa com outras emissoras que detêm os direitos de transmissão e escolheu as melhores provas para horários de pico na programação. O COI diz que a decisão final é técnica, mas a verdade é que os detentores dos direitos têm voz tonitruante.

A Olimpíada é, resuma-se, um megaevento de televisão. A NBC (6 755 horas de transmissão, com 4 000 profissionais) é a grande âncora, cuja rival mais evidente é a Globo (4 000 horas no ar e 2 000 profissionais). De algum modo, em duas pontas do Rio, os estúdios das duas emissoras já viraram símbolos da cidade olímpica. A NBC transmite de um edifício no Leme, debruçado para o horizonte de fazer cair o queixo de qualquer estrangeiro (a instalação é modesta, mas a vista para o Atlântico e a Avenida Atlântica é espetacular). A Globo, associada a sua coirmã esportiva, o SporTV, ergueu um prédio moderno e vistoso no coração do Parque Olímpico, na Barra da Tijuca, já transformado em moldura para selfies das 120 000 pessoas que circularão diariamente por ali. “Nunca vi uma estrutura desse tamanho em Olimpíadas”, diz a egípcia naturalizada brasileira Michele Naili, gerente-geral do IBC/MPC, os centros de televisão e mídia impressa dos Jogos do Rio.

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A NBC e a Globo trabalham com tecnologia de ponta e novidades para muito além dos gols, pontos e recordes exibidos em telas tradicionais. A emissora americana distribuirá, por meio de smartphones, imagens em realidade virtual, feitas em 360 graus. Na Globo, vários recursos serão usados para tornar mais dinâmicos os comentários. Um deles permite que ex-atletas “entrem” na quadra ou no campo e expliquem em detalhe as movimentações, por meio de computação gráfica. “Em uma Olimpíada, que mistura esportes muito populares com outros pouco conhecidos, precisamos fazer com que todos entendam as regras de qualquer modalidade”, diz Renato Ribeiro, diretor de esporte da emissora. “Por isso, desenvolvemos no nosso centro de tecnologia recursos para levar informação de maneira clara, visual, gráfica.”

Uma das novidades dos Jogos do Rio em comparação com os de Londres é a profusão do smartphone como uma das grandes plataformas de acesso a conteúdos audiovisuais. Um aplicativo foi criado pela Globo para facilitar a vida daqueles que vão assistir a competições no parque olímpico — basta apontar a câmera do celular para o local da disputa e será possível conhecer todo o calendário de eventos daquele dia. A Globo decidiu criar um segundo canal na internet, no sistema chamado Globo Play, para transmitir competições. O SporTV fará ainda mais: além dos dezesseis canais disponíveis na TV, outros quarenta estarão abertos na internet para que o espectador não perca um lance sequer. “Mesmo com a economia brasileira em recessão, levaremos essa experiência completa para o telespectador”, diz Alberto Pecegueiro, diretor-geral da Globosat. “O futuro da transmissão de TV é oferecer à audiência o acesso a dados durante as competições.”

No último meio século, houve uma espetacular evolução das tecnologias de transmissão por TV no esporte. Os Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, foram pioneiros na assinatura de um contrato pelos direitos de imagem de uma Olimpíada. O comitê organizador recebeu da americana CBS algo próximo a 600 000 dólares. O valor permitia a gravação de uma hora e quinze minutos por dia. Havia cinquenta profissionais envolvidos, a maioria deles lotada em Nova York. Não existia transmissão via satélite, algo que só seria inaugurado na Olimpíada de Tóquio, em 1964. Os filmes eram embarcados na hora do almoço em voos comerciais de duração de nove horas e meia da Itália para os Estados Unidos. Como o fuso horário era de cinco horas à frente em Roma, os americanos viam nos jornais televisivos da noite as provas acontecidas pela manhã.

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A televisão, que começara a invadir os lares americanos, representava uma oportunidade de alimentar o crescimento da Olimpíada, um evento ainda mambembe. Mas podia ser também um problema. Na final dos 100 metros nado livre, o favorito para o ouro era o brasileiro Manoel dos Santos. Ele terminou com o bronze. O primeiro e o segundo lugares ficaram com o americano Lance Larson e o australiano John Devitt, que tocaram na borda da piscina ao mesmo tempo. A cronometragem eletrônica ainda engatinhava, e a decisão tinha de ser dada também com o apoio do singelo olhar dos seis juízes. Metade deles disse que o vitorioso tinha sido Larson; a outra metade apostou em Devitt. A vitória, finalmente, ficou com Devitt. Horas depois, as imagens gravadas pela CBS mostravam o contrário: Larson na frente.

As autoridades olímpicas decidiram ignorá-las, alegando que as novas tecnologias precisavam ser adotadas com calma e que, na verdade, falseavam a realidade. Tratavam a televisão como uma ficção, o avesso do documental, como um filme de Fellini, que naquele 1960 lançara A Doce Vida, um clássico do diretor e sua ruptura com o neorrealismo. A televisão, ora, era só para a boa vida — nunca para corrigir erros. Hoje, ela não só ajuda a definir resultados, tornando o real ainda mais real, como determina o horário das competições. Não é algo necessariamente ruim, é apenas um dado de nosso tempo, em especial dos Jogos cariocas, que deverão ser os mais vistos da história: nada menos do que 5 bilhões de pessoas em 220 países. Graças à TV.

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