Caro, pé-frio e inseguro: Itaquerão vira um fardo do Corinthians
Acidentes, naming rights, eliminações, Lava Jato...como o sonho da casa própria (de mais de R$ 1 bilhão) se tornou um pesadelo para o Corinthians
“A Arena Corinthians foi um presente para Lula”, teria dito o patriarca da Odebrecht durante recente investigação da Operação Lava Jato. O possível mimo ao ex-presidente, fanático torcedor alvinegro, no entanto, já se transformou em um legítimo presente de grego para o Corinthians. O estádio é lindo, moderno e, ao longo de seus primeiros dois anos esteve quase sempre cheio. Mas quando a bola deixa de rolar e as contas chegam, o velho sonho da casa própria dos corintianos se transforma no pior dos pesadelos da diretoria do Corinthians. O estádio foi entregue a tempo de abrir a Copa do Mundo de 2014, mas acidentes foram registrados, parcerias foram desfeitas, os tais ‘naming rights’ viraram lenda e o Itaquerão passou cada vez mais a frequentar as páginas policiais. A última má notícia foi o risco de um deslizamento de terra ocorrer no estacionamento do estádio e invadir a avenida Radial Leste.
Relembre todos os percalços dos dois anos e meio da casa alvinegra:
Custos altíssimos
Os valores e as contas relacionadas ao estádio do Corinthians envolvem altas cifras e nebulosas transações que o clube se comprometeu a pagar. Orçado inicialmente em 820 milhões de reais em 2011 – previa um financiamento de 400 milhões de reais junto ao BNDES e outros 420 milhões em créditos cedidos pela Prefeitura de São Paulo, os chamados Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CIDs) – o Itaquerão pode chegar a custar cerca de 1,64 bilhão de reais até 2028, prazo final para a quitação da dívida. Até o meio do ano, nem 10% do montante total havia sido pago pelo clube. A venda dos CIDs não deslanchou: até o início de 2016, o Corinthians recebeu apenas cerca de 20 milhões de reais do total de crédito cedido pela Prefeitura.
Acidente, mortes e interdição pré-Copa
O primeiro grande abalo sofrido no Itaquerão aconteceu em 27 de novembro de 2013, a cinco semanas do prazo previsto para a entrega do estádio. Um guindaste tombou e derrubou parte da cobertura metálica do estádio, danificando especialmente o painel de led da entrada. Laudos posteriores concluíram que um afundamento do solo ao redor do estádio causou o acidente, que matou dois operários – Fábio Luiz Pereira, de 42 anos, e Ronaldo Oliveira dos Santos, de 44 – e atrasou bastante as obras, causando pânico nos organizadores da Copa do Mundo. As obras foram interditadas por alguns dias, e uma terceira morte foi registrada, quando o operário Fabio Hamilton da Cruz, de 23 anos, caiu durante a montagem das arquibancadas provisórias.
Frustração na abertura
Prevista para dezembro de 2013, a inauguração do Itaquerão aconteceu em 1º de maio, com uma partida entre operários da construtora. A estreia oficial foi uma grande festa, mas terminou frustada pelo mau tempo e, sobretudo, pelo resultado. Em 18 de maio de 2014, sob chuva, os cerca de 36.000 torcedores acompanharam a derrota por 1 a 0 para o Figueirense, pelo Brasileirão. O primeiro gol da arena foi marcado pelo meia Giovanni Augusto que, coincidentemente, hoje veste a camisa do Corinthians. Em junho, mesmo aos trancos e barrancos e com obras inacabadas, o Itaquerão recebeu a abertura da Copa do Mundo, na vitória por 3 a 1 do Brasil sobre a Croácia.
A novela ‘naming rights’
A venda do direito de batizar o estádio deveria ajudar a quitar a dívida bilionária do projeto, mas até agora só trouxe dor de cabeça. Andrés Sanchez, ex-presidente do Corinthians, atual deputado federal (PT-SP) e grande idealizador da obra na zona leste, garantiu desde o início das obras que encontraria um grande parceiro. Falou-se até em 400 milhões de reais da Ambev. No entanto, até hoje os ‘naming rights’ não saíram do papel. Recentemente, Andrés afirmou que as negociações esbarram em uma questão política: as investigações da Lava Jato em cima de contratos da Odebretch, que estariam afetando o humor das empresas e investidores. O Corinthians já admite negociar por uma quantia bastante inferior àquela sonhada no início do projeto.
Corinthians x Prefeitura
No início de 2015, o Corinthians começou a admitir as dificuldades para pagar as dívidas do estádio. Enquanto buscava os tão sonhados “naming rights”, o clube cobrava da Prefeitura de São Paulo a liberação dos Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CIDs). O presidente Roberto de Andrade revelou “dificuldades para compreender a parceria”, assinada ainda na gestão de Gilberto Kassab, e pediu explicações ao prefeito Fernando Haddad (PT). O clube reclamou especificamente dos altos juros e passou a enfrentar dificuldades financeiras – passou a atrasar salários dos atletas e teve que vender nomes de peso do elenco como Paolo Guerrero e Emerson Sheik. Mesmo com todas as dificuldades, foi campeão brasileiro, o que, de certa forma, encobriu os problemas nos bastidores.
Corinthians x Odebrecht
No dia 1º de outubro de 2015, o que deveria ser uma celebração revelou o mal-estar entre o clube e a construtora do estádio. A Odebrecht anunciou que suas atividades nas obras do Itaquerão estavam encerradas. O fato pegou os dirigentes do clube de surpresa, pois diversas obras previstas no plano original não foram executadas – como o memorial de troféus no prédio oeste, o paisagismo e o projeto visual no entorno do estádio, e a instalação completa do painel de LED na fachada leste. A construtora alegou que as obras já haviam atingido o valor máximo acordado de 985 milhões de reais e que, por isso, os trabalhos estavam encerrados. No mesmo período, as torcidas organizadas do clube cobravam da diretoria a abertura das contas do estádio.
Maldição do mata-mata
Jogar em casa é, sem dúvidas, um trunfo para o Corinthians, que em dois anos e meio só perdeu seis vezes em Itaquera – para Figueirense, Palmeiras (duas vezes), Guaraní, Santos e Fluminense. No entanto, mesmo com o ótimo retrospecto, o time acumula traumas em seus domínios: foram cinco dolorosas eliminações em mata-matas. A primeira foi no clássico contra o Palmeiras na semifinal do Paulistão de 2015, perdendo nos pênaltis. Um mês depois, a equipe caiu nas oitavas da Libertadores para o modesto Guaraní ,do Paraguai, e ainda em 2015 o Corinthians seria eliminado novamente no Itaquerão pelo Santos, nas oitavas da Copa do Brasil. Em 2016, o “carma” não mudou: novamente na semifinal do Campeonato Paulista, os alvinegros foram derrotados pelo surpreendente Audax nos pênaltis. A última das desilusões em casa foi nas oitavas da Libertadores, em maio, quando o Corinthians não conseguiu a classificação diante do Nacional, do Uruguai.
Desabamento
Por sorte, o que poderia ter sido uma tragédia não passou de um susto. Em fevereiro deste ano, uma parte do teto no nível 5 do setor oeste do Itaquerão desabou, num momento em que não havia ninguém no local. Nesta terça-feira, o jornal Folha de São Paulo divulgou imagens assustadoras do ocorrido: uma grande parte do forro de gesso e madeira desprendeu-se da laje de concreto e poderia ter causado graves danos se tivesse ocorrido em um dia de jogo.
Até o arquiteto
Em outubro deste ano, já com o elenco campeão brasileiro desfeito e até as arquibancadas do estádio bem mais vazias do que de costume, o Corinthians viu até o arquiteto do estádio cobrar o clube na Justiça. O jornal Folha de S. Paulo informou que Anibal Coutinho recorreu aos tribunais para cobrar uma dívida de 11,1 milhões de reais com o clube. O processo se refere a um empréstimo feito por Coutinho para ajudar a quitar salários atrasados, 13º e férias dos jogadores do Corinthians no ano passado, em dívida que envolve diretamente a Odebrecht.
‘Nova Mariana’?
Nesta terça-feira, a Folha revelou que uma auditoria interna do Corinthians investiga o risco de haver um deslizamento de terra na área externa da arena. Segundo Juca Kfouri, o autor da matéria, há risco de que um vazamento de água no estacionamento do estádio cause um enorme deslizamento de terra que atingiria a Radial Leste, uma das principais vias na zona leste da capital paulista. O jornalista relatou que os frequentadores do estádio correm risco de vida e contou ter ouvido de um dos responsáveis pela obra que pode haver uma “nova Mariana”, em referência ao acidente na barragem construída pela mineradora Samarco na cidade mineira, em 2015. O clube disse desconhecer os riscos e disse que qualquer irregularidade é de responsabilidade da Odebrecht.