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Os obstáculos por trás do muro de Donald Trump

Com custos exorbitantes e barreiras da natureza, o plano de cercar os Estados Unidos está mais distante do que parece

por Daniela Flor Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Alexandre Hoshino, André Fuentes Atualizado em 3 jul 2017, 15h40 - Publicado em
17 fev 2017
17h53

UMA LINHA IMAGINÁRIA DE 3.145 QUILÔMETROS separa o sul dos Estados Unidos do vizinho México. Desde a campanha, Donald Trump, magnata do setor de construção, promete um “grande muro” entre as nações, que seria a chave para conter a população de ilegais, estimada em 10,9 milhões de pessoas, segundo o Centro de Estudos de Migração.

Apesar de não ter provas da necessidade de uma barreira física, ou plano para levantá-la, o republicano assinou um decreto em 25 de janeiro que determina a “construção imediata” de um muro fronteiriço, voltado para prevenir “imigração ilegal, tráfico de drogas e pessoas e atos de terrorismo”. Há mais dúvidas do que certezas sobre a maior promessa da administração de Trump: será seu governo capaz de colocar em prática uma ideia extravagante, que pode ou não ter resultados?

Qual é o plano?

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(Arte/VEJA.com)

AS POUCAS INFORMAÇÕES SOBRE A BARREIRA AMERICANA vêm de discursos vagos do presidente. “Eu vou construir um grande muro e ninguém constrói muros melhor do que eu, acredite em mim. Eu vou construí-lo de forma barata e vou fazer o México pagar”, declarou em junho de 2015, ao anunciar sua pré-candidatura.

Nos meses que antecederam sua eleição, o magnata mudou de opinião sobre o muro de acordo com o seu humor, sugerindo alturas que partiram dos 11 metros e foram até os 17. A proposta mais repetida, porém, se manteve em cerca de 12 metros de altura, além de uma extensão subterrânea para evitar túneis. Sua ordem executiva não oferece detalhes da construção, só determina que a criação de “um muro ou outra barreira física similarmente segura, contínua e intransponível” e dá 180 dias para que o governo realize um estudo sobre a fronteira.

O magnata também deseja que toda a fronteira esteja protegida, mas admite que barreiras naturais, como o Rio Grande, podem facilitar seu trabalho. Segundo ele, é necessário cerca de 1.600 km de muro, substituindo e aumentando as cercas para pedestres e carros que já existem em um terço da divisa.

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Um possível design citado por Trump se baseia no muro da Cisjordânia, em Israel, que o republicano usa como “exemplo da eficiência”. Durante evento de campanha, o então candidato afirmou que “placas de concreto” funcionariam para seu objetivo e deixariam o muro “lindo”. “Quero que seja bonito, porque talvez um dia o chamem de ‘O Muro de Trump’ (The Trump Wall)”, comentou.

Um estudo realizado empresa de pesquisa Bernstein, com apoio de engenheiros, confirma que o modelo israelense é o mais viável, pois determinadas áreas tem temperaturas altas demais para o concreto maciço, além de ser durável e barato em comparação a outros materiais. É necessário também o uso de aço para construir a estrutura que segura as placas.

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Como é hoje?

AO CONTRÁRIO DO QUE O REPUBLICANO ALEGA, seu plano está longe de ser eficaz, quiçá original – e exemplos do passado dão boas razões para questionar sua real eficiência. Atualmente, 1.042 km da fronteira EUA-México já têm algum tipo de barreira para evitar a entrada de ilegais, que começaram a ser construídas ainda nos anos 1990. O trabalho foi intensificado em 2006, com o Ato da Cerca de Segurança assinado por George W. Bush.

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(Arte/VEJA)

Na fronteira, há áreas com cercas altas, que afunilam a passagem de pedestres e facilitam o trabalho de guardas, mas não se encaixam nos padrões do que Trump planeja. Em outras regiões, foram colocados obstáculos baixos para impedir carros, onde imigrantes poderiam se esconder e entrar com mais facilidade. Desde 2001, o trabalho de erguer cercas custou mais de 7 bilhões de dólares (21 bilhões de reais) aos Estados Unidos, segundo o Escritório de Prestação de Contas do governo, sem sequer ocupar áreas com terrenos hostis.

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De acordo com Josiah Heyman, professor de estudos de fronteira na Universidade do Texas em El Paso, é consenso entre especialistas que barreiras “têm efeitos limitados” em prevenir a imigração ilegal – a dúvida é se vale investir para obter resultados restritos. “Muros também aumentam o valor dos contrabandistas, que controlam o acesso a escadas, túneis e outros métodos de imigração, como documentos ilegais”, explica.

Ignorado por Trump, há um número que não pode ser evitado por chapas de concreto: 527.127 pessoas se tornaram ilegais em 2015 ao permanecerem no país após o vencimento de seus vistos, de acordo com o Departamento de Segurança de Fronteiras americano. Aqueles que chegaram legalmente representam entre 33 e 50% do total de estrangeiros que estão sem autorização nos Estados Unidos, segundo o instituto Pew Research Center.

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Afinal, é viável?

“O MURO PODE, SIM, SER CONSTRUÍDO, COM TEMPO, DINHEIRO E ESFORÇO EXTREMOS. Quando atingido, terá pouco ou nenhum efeito real”, avalia Heyman. A questão financeira é o primeiro e principal obstáculo: enquanto o presidente aposta em um custo, especialistas da área e membros de seu próprio partido preveem uma conta maior.

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(Arte/VEJA.com)

Além da construção, manter o muro pode exigir um orçamento de 750 milhões de dólares anuais, de acordo com o Conselho Americano de Imigração, um think thank especializado. O governo de Barack Obama gastou 274 milhões de dólares em 2015 com a manutenção da cerca existente.

Barreiras naturais também estarão no caminho do “presidente construtor”: fluxos de rios, pedras e áreas montanhosas devem atrapalhar os planos, especialmente a parte subterrânea do muro. Outro fator de tempo e custo é a desapropriação de terras, uma vez que dois terços da fronteira pertencem a governos estaduais ou são propriedades privadas, especialmente fazendas no Texas.

Longas batalhas judiciais são inevitáveis caso cidadãos se recusem a vender os terrenos e a legislação americana preza a defesa da propriedade privada. Em 2006, a administração do então presidente Bush enfrentou – e perdeu – muitos casos na justiça. Pecuaristas e agricultores donos de fazendas binacionais, com terras nos EUA e no México, não queriam ter suas propriedades divididas por uma cerca.

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Quem paga a conta?

AO CONTRÁRIO DO QUE TRUMP DESEJA, o governo do México não parece disposto a “investir” na construção. Se aumentar em 20% os impostos em produtos mexicanos, como comentou que faria, o valor recairá sobre os consumidores americanos. Além de pagarem mais caro por bens vindos do país vizinho, seriam afetados pelo encarecimento na fabricação de automóveis, por exemplo.

Companhias americanas costumam manter parte de seus processos industriais, como montagem de carros, no México. Assim, cerca de 40% de um produto que vem do México tem origem americana, segundo o Departamento de Comércio. Seis milhões de empregos nos Estados Unidos também dependem dos acordos econômicos com a nação do presidente Enrique Peña Nieto.

Se Trump desejar arcar com problemas logísticos e custos, o que parece estar determinado a fazer, e garantir 100% de eficiência, algo improvável, o presidente evitará até 400.000 novos imigrantes por ano. É importante lembrar que a população de ilegais está estável desde 2010, com leves quedas ao passar dos anos.

Em 2016, 337.177 pessoas foram detidas ao tentarem alcançar território americano através de fronteiras terrestres ou marítimas, sendo 55% delas mexicanas. A estimativa do governo é que 80% das imigrações ilegais por terra ou água tenham sejam impedidas por agentes de segurança, por isso, muros adicionais serviriam para conter, em perfeitas condições (algo impossível de se garantir), apenas os 20% restantes. O muro seria um investimento gigantesco de dinheiro público, com uma manutenção anual dispendiosa para resultados práticos pífios e questionáveis.

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