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Wim Wenders diz que documentários abrem um novo capítulo do 3D

Diretor, que usou a trimendisionalidade em 'Pina', que estreia nesta sexta, critica seu uso indiscriminado e afirma: 'A tecnologia não pode ser uma atração. Ela tem que deixar o centro do palco'

Por Carlos Helí de Almeida
24 mar 2012, 15h56

“O documentário é um capítulo novo para o 3D, do ponto de vista da aplicação da tecnologia. A tridimensionalidade é extremamente eficiente e bonita quando usada em filmes de animação, por exemplo. Mas a aplicação em blockbusters de ação e fantasia ainda me parece ter um efeito duvidoso, porque embora a técnica abra mundos maravilhosos para o espectador, em muitos casos ela não permite que estes mundos sejam o centro da atenção”

Em 2010, Wim Wenders exibiu na Bienal de Arquitetura de Veneza o documentário em curta-metragem If Buildings Could Talk (se prédios pudessem falar, em tradução livre), no qual usou a tecnologia da estereoscopia, o popular 3D, para transportar o espectador para dentro do Rolex Learning Center, na Suíça. O mesmo princípio é adotado pelo diretor alemão em Pina, documentário sobre a coreografa alemã Pina Bausch (1940-2009), um dos nomes fundamentais da dança contemporânea, que chega aos cinemas brasileiros nesta sexta-feira, dia 23, depois de colher aplausos em festivais do mundo inteiro e concorrer ao Oscar da categoria.

Com a ajuda da nova tecnologia, o diretor de Asas do Desejo faz com que o público se sinta entre os bailarinos da companhia da artista, a Tanztheater. Mais do que uma cinebiografia de Pina, o filme preserva em imagens grande parte de sua obra. Wenders já havia filmado quatro espetáculos criados pela coreógrafa, como A Sagração da Primavera e Café Müller, quando Pina morreu de repente, aos 68 anos de idade, em 2009. “Num primeiro momento, o filme não fazia sentido sem Pina. Mas seus bailarinos me convenceram de que eles, que durante anos serviram como instrumentos de Pina, carregavam a essência de seu trabalho”, contou Wenders ao site de VEJA, durante o Festival de Berlim, onde o documentário ganhou pré-estreia mundial.

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Desde quando o senhor pensava em fazer um filme sobre Pina?

Acho que desde que a conheci, há mais de 25 anos. Ao longo desse tempo, a ideia passou por diferentes fases. Ela nasceu de meu entusiasmo e, muito lentamente, foi conquistando o interesse de Pina. Quando finalmente ela sentiu a urgência de um filme sobre o seu trabalho e decidimos concretizá-lo, reconheci que não estava à altura das expectativas dela. Chegamos a gravar algumas coisas, mas ela não estava feliz com o resultado. E eu não tinha as ferramentas apropriadas, não conseguia cruzar a barreira que existia entre a câmera e os bailarinos. Porque a arte de Pina tem uma mágica real, todos que a conheciam sentiam isso. Agora que ela queria fazer o filme, eu não sabia como. Ela perguntava: “Quando podemos fazer?”. Eu encolhia os ombros e não conseguia dizer quando.

Em que momento a situação mudou?

A solução veio de um lugar que não esperava, a tecnologia. Numa tarde ensolarada do Festival de Cannes de 2007, fui assistir à sessão especial do documentário sobre um concerto do U2 em 3D. Sentei no meu lugar, botei os óculos especiais e, na primeira cena do filme, descobri o que estava buscando: o espaço. Quase não vi o filme, fiquei prestando atenção no uso da tecnologia, que não era tão maravilhosa assim no caso do U2. Assim que a sessão terminou, ainda dentro do cinema, liguei para Pina e disse que tinha encontrado o que estávamos procurando para o nosso filme. Mas ainda havia problemas a resolver, como filmar os movimentos rápidos em 3D. Fiz um teste de câmera com minha assistente como modelo e fiquei horrorizado: ela virou uma deusa indiana com quatro braços! Levamos mais dois anos para dominar a técnica, encontrar pessoas que entendessem qual o papel dela no filme e, quando estávamos nos preparando para rodar, Pina morreu. Por um momento, desisti de tudo.

O que o incentivou a continuar o projeto?

Os próprios bailarinos da Pina. Eles vieram me dizer que eu tinha tomado a decisão errada. Eles estavam ali à disposição, já tinham ensaiado a coreografia Café Müller para o filme. “Quando você acha que voltaríamos a nos encontrar de novo?”, eles me perguntavam. Argumentavam: “Lembre-se do moto de Pina: estamos perdidos se não dançamos”. E ela havia dançado até o dia em que morreu. Então começamos tudo de novo, mas desta vez sem um conceito, já que a primeira versão tinha o dedo de Pina. O vazio deixado por ela foi preenchido pelo corpo de vozes da companhia de Pina, os bailarinos. De certa forma, estava realizando o sonho de Pina, que queria preservar em imagem as peças que criara ao longo da carreira. O teatro dançado não é como uma peça de Shakespeare, só existe quando é dançado.

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Mesmo com o documentário, Pina, a mulher, continua um mistério. Por quê?

Pina era mulher misteriosa, tímida. Em público, não gostava de falar de si mesma. Mas era uma mulher muito calorosa e gentil. Ríamos muito. Nos ensaios, vê-se que ela se diverte com os bailarinos. Mas, para o mundo exterior, ela era esse mistério. O filme que queríamos fazer juntos não era uma biografia de Pina, e isso estava claro para nós desde o início. Prometi a ela que não iria tentar explicar quem era Pina ou o seu trabalho. Ela já tinha tentado explicar a sua obra a vida inteira e nunca gostou. Quando um jornalista perguntava qual era o significado desta ou daquela coreografia, Pina acendia um cigarro, começava a falar, mas parava no meio da primeira frase e desistia de continuar. Era como se ela estivesse traindo o trabalho que fazia. Em resumo, fizemos um filme para Pina e não um filme com Pina.

O que descobriu sobre Pina?

Descobri muito sobre ela durante a feitura e a edição. Durante as filmagens, Pina era uma presença forte, embora já não estive entre nós. Havia prometido a ela que encontraria uma solução para o filme, uma forma de fazer com que a tecnologia funcionasse em favor da sua arte. Não pude provar isso, porque ela nunca chegou a ver sequer o material que gravei com a companhia de dança enquanto ela estava viva. Mas era como se ela estivesse olhando sobre o meu ombro em cada tomada, como que cobrando uma promessa. Os bailarinos sentiram algo parecido. Eles estavam acostumados com as críticas de Pina mas agora, que ela não estava mais lá, eles se demonstraram mais críticos ainda em relação ao próprio trabalho. Estávamos, portanto, repetindo o sistema de Pina, o frequente autoquestionamento, e isso me fez entender melhor o trabalho dela.

O senhor acha que documentários como Pina representam um novo capítulo do 3D?

É um capítulo novo, com certeza, mas do ponto de vista da aplicação da tecnologia. A tridimensionalidade é extremamente eficiente e bonita quando usada em filmes de animação, por exemplo. Mas a aplicação em blockbusters de ação e fantasia ainda me parece ter um efeito duvidoso, porque embora a técnica abra mundos maravilhosos para o espectador, em muitos casos ela não permite que estes mundos sejam o centro da atenção – o foco está na tecnologia e não no que ela realmente é capaz de fazer. Tinha esperanças de que o 3D fosse aplicado ao documentário. Ele também abre um novo capítulo na história da linguagem documental.

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O 3D é compatível com qualquer tipo de arte?

Acredito que sim. Estou pensando em fazer um documentário sobre arquitetura usando 3D, por exemplo. Mas, tenho que reconhecer, é uma técnica com grande afinidade com a dança. O 3D e a dança nasceram um para o outro! Ele pode mostrar o melhor da dança e vice-versa. O que sinto falta em algumas aplicações do 3D é o uso inapropriado do infinito espacial. Soa desnecessário, um pouco artificial. A tecnologia não pode ser uma atração; ela tem que superar esse apelo, deixar o centro do palco.

Foi difícil fazer um filme sobre Pina ainda em luto pela perda da coreógrafa?

Pina nunca se deixou abater por esse tipo de sentimento. Ela era uma pessoa pra cima, mesmo nas horas mais dolorosas e obscuras. Até mesmo diante de grandes perdas. Quando Rolf Borzik, um de seus colaboradores mais próximos e companheiro por quase 10 anos, morreu, em 1980, Pina continuou trabalhando e criou uma das peças mais leves e engraçadas de seu repertório. Para ela, a dança era uma resposta para tudo, tinha um poder de cura. Por isso não caberia o peso do luto em nosso filme, ela não precisaria ser triste. Pina certamente não gostaria que fosse assim. Pelo contrário, ela gostaria que o filme fosse alegre, porque a arte dela era assim.

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