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‘Walter White era um sociopata. Saul Goodman, não. Pelo menos até aqui’

Em entrevista ao site de VEJA, Vince Gilligan e Peter Gould, criadores da icônica série ‘Breaking Bad’, falam de seu novo projeto, ‘Better Call Saul’, derivado da história do professor de química que entra para o tráfico de metanfetamina. Nova série traz o advogado ficha suja de White como personagem principal e estreia nesta segunda-feira, na Netflix

Por Mariane Morisawa, de Los Angeles
8 fev 2015, 09h35

O roteirista, diretor e produtor americano Vince Gilligan já tinha uma série conhecida, Arquivo X (1993-2002), quando se lançou em um projeto que entraria para a história da televisão. Ao longo de cinco anos, de 2008 a 2013, Breaking Bad narrou a transformação do Walter White (Bryan Cranston), de pacato professor de química de escola em poderoso nome do tráfico de metanfetamina, amealhou estatuetas diversas em Emmys consecutivos e se consolidou como uma das melhores séries de TV já feitas. Agora, Gilligan se prepara para estrear um projeto que nasce sob a sombra de Breaking Bad: a série Better Call Saul, sobre Saul Goodman (Bob Odenkirk), o advogado de ética duvidosa que livrava White de seus perrengues. “Uma das melhores frases para descrevê-lo é: ele não é um advogado criminal, ele é um advogado criminoso”, diz Gilligan em entrevista ao site de VEJA, em Los Angeles.

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No foi sem surpresa, portanto, que os fãs do seriado receberam a notícia de que o próximo projeto de Vince Gilligan seria um spin-off – uma atração derivada – baseado em Goodman, um fanfarrão que resvala na comédia e tem um quê de covarde e simpático que o poderoso Walter White não tem. “Só fui percebendo com o tempo, mas Walter White é um sociopata”, diz Gilligan em entrevista ao site de VEJA, em Los Angeles. “E por enquanto Jimmy McGill não nos parece um sociopata. Pessoalmente acho mais fácil torcer por ele. Ele é o perdedor e quer fazer a coisa certa.”

Better Call Saul, criado por Gilligan em parceria com Peter Gould, que também escreveu e produziu Breaking Bad, se passa seis anos antes da história de Walter White, quando o advogado de parcos escrúpulos tenta sair do buraco e virar um profissional de sucesso. “A pergunta que queremos responder é: ‘Como uma pessoa relativamente normal torna-se Saul Goodman?'”, conta Gould.

Goodman, na verdade, nasceu Jimmy McGill – ele adotou um pseudônimo para parecer judeu e atrair mais clientes. E é como Jimmy McGill que surge no novo seriado, cujo primeiro episódio estará disponível na Netflix já nesta segunda-feira, às 5 da manhã (horário de Brasília), horas após a exibição nos Estados Unidos. O segundo desembarca na plataforma de streaming na terça, no mesmo horário, também pouco depois de ir ao ar no canal americano AMC, o mesmo de Breaking Bad, Mad Men e Walking Dead. O terceiro episódio e os demais vão seguir o esquema do segundo: estarão à disposição do público toda terça, às 5 horas (Brasília). Ao todo, são dez capítulos, e a série já foi renovada para a segunda temporada, que deve ter 13.

Gilligan e Gould já adiantaram que Walter White e Jesse Pinkman (Aaron Paul), parceiro de White na produção de metanfetamina e protagonista número 2 de Breaking Bad, não vão dar as caras nesta primeira temporada, mas outros, como o ex-policial Mike (Jonathan Banks), reaparecem. Better Call Saul tem muitas diferenças em relação a Breaking Bad, tanto em termos visuais, apesar de ser rodada ne mesma Albuquerque, quanto no tom, um pouco mais cômico. A tentativa de achar uma “personalidade” própria para o programa não diminui os riscos que ele Vince Gilligan e Peter Gould conversaram com o site da Veja sobre os riscos de fazer um spin-off de uma série tão amada:

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Vocês começaram a falar deste spin-off, de brincadeira, ainda no set de Breaking Bad. Mas quando ele realmente se tornou o projeto que vocês iriam tocar depois de Breaking Bad?

Vince Gilligan – Na verdade, foi durante os oito últimos episódios de Breaking Bad. Tivemos quase um ano para fazer esses capítulos. E, nesses meses finais, naturalmente a minha mente se voltou para aquele que seria o meu trabalho seguinte. Falando por mim mesmo, eu amo a equipe, adoro rodar em Albuquerque e amei a experiência de Breaking Bad. As pessoas acham que eu queria terminar a série, pois ela teve um ponto final, mas a verdade é que não queria. E também não queria que se arrastasse e acabasse mal. Gostávamos muito da ideia de fazer um spin-off com esse personagem, amamos o personagem. E amamos o ator que o interpreta.

Mas, ao decidir fazer um spin-off de uma série que foi considerada uma das melhores da história, o senhor não tem medo de ser mais cobrado?

Peter Gould – Com certeza! Eu tinha muitas hesitações! Achava que tinha algo de interessante ali, estava empolgado, mas também preocupado porque queria fazer alguma coisa que demandasse um esforço semelhante a Breaking Bad. Porque não dá para se ter certeza do sucesso, mas dá para saber que você colocou a mesma quantidade de esforço e reflexão e cuidado em um projeto. E ainda é uma preocupação. Mas a verdade é que qualquer coisa que Vince fizesse seria comparada a Breaking Bad, fosse spin-off ou não. E acho que vai ser assim para todos nós que trabalhamos na série. Suspeito que todos vamos ser roteiristas e produtores de Breaking Bad até o dia de nossas mortes. E é bom ser conhecido por causa desse trabalho. Mas, claro, você quer continuar criando. Sucesso é lindo, mas criativamente torna a vida mais difícil do que a falta dele. Pela cobrança, você pode acabar ser repetindo. E, se você não tem sucesso, pensa assim: “Desta vez, vou mostrar para eles!”. Tentamos pensar assim: o que nos empolga agora? E aí decidimos o que fazer.

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Gilligan – As coisas que dão medo são aquelas que valem mais a pena de fazer. É a melhor maneira de definir. Havia muitas razões para não fazer este seriado. Muita gente vai comparar e achar pior do que Breaking Bad. Mas esta não é uma razão para não fazer. Amamos Better Call Saul. Temos muito orgulho do trabalho feito pelo elenco e do seriado em si. Esperamos que o público concorde com a gente e ame este personagem tanto quanto nós, mas só o tempo vai dizer. Sabemos que nós amamos, e isso basta.

Em algumas entrevistas, vocês disseram que Better Call Saul seria 75% comédia e 25% drama. Mas isso mudou, não?

Gilligan – Verdade! Essas porcentagens mudaram. E percebemos que as frações variam conforme o episódio. Em geral, Better Call Saul é mais engraçado que Breaking Bad. Mas essas proporções mudam de episódio para episódio, às vezes de cena a cena. Algumas cenas são de gargalhar, outras são bem sérias. Algumas são existenciais. Há questões de vida e morte, não tão frequentes quanto em Breaking Bad. Também existe uma tristeza na essência de Jimmy McGill. Ele não está onde gostaria de estar. Quer mais da vida do que frequentemente consegue, e as pessoas podem se identificar com isso, porque nós conhecemos esses sentimentos em nossas próprias vidas.

O senhor já se sentiu assim?

Gilligan – Em geral, acho que sou uma pessoa bem melancólica. Sou sentimental. Penso muito sobre o passado. Não gosto de envelhecer. Penso em quando era criança, no Estado de Virginia, em muitas coisas que aconteceram no passado. E, quando realmente reflito, percebo que a vida não era melhor naquela época. Na verdade, a vida está bem boa agora. Mas tendo a olhar para trás. Não sei se Jimmy McGill é assim, acho que ele olha mais para a frente, mas ele é um irlandês sentimental. Tem nostalgia pelo lugar de onde veio, Cicero, Illinois, perto de Chicago. Ele se identifica muito com sua cidade natal, como vamos ver durante o seriado.

Pela sua descrição, parece similar com Breaking Bad em termos de tom.

Gilligan – Diria que Better Call Saul é mais cômico. Breaking Bad, no fim das contas, era sobre um cara com câncer. E, só fui percebendo com o tempo, Walter White é um sociopata. E por enquanto Jimmy McGill não nos parece um sociopata. Pessoalmente acho mais fácil torcer por ele. Ele é o perdedor e quer fazer a coisa certa. É um cara bom com uma vida dura, tentando prosperar em sua área de atuação. Sempre me vejo torcendo por esse cara. Pelo menos por enquanto.

O fato de o seriado ser mais cômico deixou o senhor mais relaxado de escrever?

Gould – Gostaria muito de ser capaz de relaxar. Muita gente pergunta se nós conseguimos nos divertir mais com o trabalho, mas tanto eu quanto Vince somos neuróticos e ansiosos. Espero que isso nos motive a sermos melhores, mas provavelmente tem uma maneira mais relaxada de fazer isso. Não tem nada de relaxado. Fora que Jimmy tem muita energia, ele fala muito, pensa rápido.

Gilligan – Não existem cenas em que Jimmy se senta e diz coisas sem sentido. Cada momento do dia de Jimmy é tomado por tentar chegar aonde quer, defender seus clientes, sair de confusões. O seriado não tem um personagem tranquilo. E a sala dos roteiristas não é nem um pouco mais tranquila do que a de Breaking Bad. Jimmy leva sua vida e sua carreira com muita seriedade. Ele não é o Dude em O Grande Lebowski, que fica sossegado, ouvindo sons de baleias. Amo aquele personagem, mas Jimmy não é assim.

Quais os desafios específicos de fazer uma série de origem?

Gould – É bem difícil, é como resolver um quebra-cabeças complicado ou um cubo mágico. Nós assistimos de novo a todos os episódios de Breaking Bad para ver o que cada um tinha sobre Saul, o que ele falava sobre seu passado, por exemplo. Sempre dá para trapacear e dizer que ele estava mentindo naquele momento, mas é muito mais divertido tomar como verdade. Isso nos dá muitos obstáculos para ultrapassar.

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Como lidava quando o senhor ouvia coisas como “o melhor seriado da história”, ou “Vince Gilligan é genial”?

Gilligan – Primeiro de tudo, é maravilhoso. Quando eu era criança e disse que queria fazer filmes, sempre quis sucesso, ser o Steven Spielberg ou George Lucas. Mas nunca imaginei que iria criar algo que as pessoas no mundo inteiro iam amar tanto. E a verdade é que é assustador pensar demais nisso. Quando ouço as coisas maravilhosas que dizem sobre Breaking Bad, é quase como quando fazem cócegas. Não necessariamente é desagradável se uma pessoa muito atraente está fazendo cócegas em você, mas em dado momento não dá mais para respirar. É estímulo emocional demais. Fico feliz, mas não posso ficar pensando demais nisso. É melhor baixar a cabeça e pensar no trabalho.

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