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Uma outra vaidade

Em ' O peso do Passado', Nicole Kidman está visceral como uma policial consumida pela vingança

Por Isabela Boscov Atualizado em 18 jan 2019, 10h57 - Publicado em 18 jan 2019, 07h00

Com a câmera fixa em seu rosto, em grande close-up, Nicole Kidman abre os olhos azuis, que lacrimejam com a agressão da luz do Sol — e, em volta deles, veem-se rugas e manchas que uma franja mal cortada e repleta de fios brancos não esconde. Não se pode acusar a diretora Karyn Kusama de sutileza: desde a maquiagem excessiva que envelhece Nicole muito mais que os outros personagens até esse despertar dentro de um carro, sob um viaduto nos arrabaldes de Los Angeles, depois de uma noite de rebordosa, O Peso do Passado (Destroyer, Estados Unidos, 2018), já em cartaz no país, quer sinalizar que aqui se tem uma atriz (uma estrela, na verdade) sacrificando a vaidade no altar de sua arte. Justiça seja feita: Nicole entrega um desempenho visceral no papel de uma detetive que já perdeu tudo na vida, exceto o ódio que a sustenta. Não se devem debitar à conta dela as tintas carregadas do filme, mas sim uma certa crença de que nada pode ser mais heroico, para uma mulher, do que abrir mão da aparência. No cinema americano, esse é um outro tipo de vaidade, que se manifesta desde o desleixo proposital (Frances McDormand é especialista nele) até a feiura cuidadosamente planejada — e que às vezes ultrapassa as necessidades da caracterização para tornar-se um objeto em si mesmo, como aqui.

Muito mais interessante é a determinação com que Nicole investiga a escuridão da policial Erin Bell, cujo empenho em vingar-se de um certo Silas (Toby Kebbell) faz com que ela se sujeite a qualquer sordidez. Silas foi alvo de uma investigação da qual Erin e seu parceiro do FBI, Chris (Sebastian Stan, excelente), participaram anos antes; a coisa terminou mal. No presente, só o álcool restou a Erin: de Chris, não se sabe; o casamento dela com outro homem faliu; e sua filha adolescente saiu de controle e namora um sujeito tão repelente quanto aqueles com quem Erin conviveu enquanto estava infiltrada no bando de Silas.

Karyn Kusama, que despontou em 2000 com Boa de Briga e recentemente teve um sucesso independente com O Convite, reconstrói a história de Erin das pontas para o meio, numa estrutura clássica do noir, que ela maneja com desenvoltura. Há menos mistério na trama, porém, do que a diretora quer fazer crer com o ritmo pausado com que esclarece os eventos, ou com o uso ostensivo da fotografia, que alterna interiores decrépitos com a luz chapada dos exteriores. Karyn, enfim, pesa a mão, e subtrai o que seu filme tem de mais substantivo: a performance de sua atriz principal.

Publicado em VEJA de 23 de janeiro de 2019, edição nº 2618

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