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Um contra todos

Dois filmes refletem sobre o horror que o neonazista Anders Breivik impôs à Noruega em 2011, com o massacre de 77 pessoas — na maioria adolescentes

Por Isabela Boscov Atualizado em 23 nov 2018, 08h34 - Publicado em 23 nov 2018, 07h00

Durante 72 minutos, Anders Behring Breivik atirou contra todo e qualquer alvo que visualizasse. Duas horas antes, detonara um veículo com explosivos no distrito governamental de Oslo, deixando oito mortos; na Ilha de Utøya, a 40 quilômetros da capital norueguesa, dedicou-se a — em suas próprias palavras — exterminar, tiro a tiro, a geração seguinte de liberais de seu país. Teve um êxito tenebroso: dos 69 mortos, 59 eram menores de 21 anos. Entre os dois ataques, Breivik matou 77 pessoas e feriu outras 320. No julgamento, diante de sobreviventes e familiares das vítimas, fez a saudação nazista. Sozinho, em 2011, Breivik quadruplicou a taxa de homicídios da Noruega, país pouco familiarizado com a violência — o que pode ter contribuído para a resposta demorada e inadequada ao ataque em Utøya, conforme concluíram as próprias autoridades. Em outro tipo de reação, entretanto, a Noruega não falhou. Primeiro, no escrúpulo com que garantiu ao assassino não só o rigor da lei como também a proteção dela, num processo de lisura impecável. Mais ao ponto ainda, desde os jovens sob fogo no acampamento de verão do Partido Trabalhista até o primei­ro-ministro, os noruegueses demonstraram a solidez justamente dos valores que Breivik visava a destruir, a começar pela solidariedade. Esse é o ponto para o qual convergem dois filmes muito diversos: Utøya (Utøya 22 Juli, Noruega, 2018), que estreia no país nesta quinta-feira, e 22 de Julho (22 July, Noruega/Islândia/Estados Unidos, 2018), produzido para a Netflix.

Dirigido pelo inglês Paul Greengrass, conhecido por três filmes da série Bourne e por seus assombrosos exames de episódios reais em que atritos ideológicos e sociopolíticos eclodem em violência — Domingo Sangrento, Voo United 93 e Capitão Phillips —, 22 de Julho é o que proporciona a visão mais abrangente. Desde o preparo da bomba de Oslo até a sentença final, Greengrass segue Breivik e tenta perscrutar seu ultradireitismo, feito de uma mistura mal assentada de rancor, alijamento e ignorância. Numa interpretação inquietante do ator Anders Danielsen Lie, o terrorista norueguês ostenta sua empáfia sem conseguir ocultar, sob ela, o sentimento terrível de insignificância que o move.

CULPA - Kaja busca a irmã em Utøya: que o pior momento não tenha sido o último (//Divulgação)

Em paralelo, Greengrass acompanha Viljar Hanssen (Jonas Strand Gravli), de 17 anos. Um dos jovens mais queridos entre os quase 400 que estavam na ilha, ele conseguiu manter um pequeno grupo unido e proteger seu irmão menor até ser alvejado vezes seguidas — uma delas na cabeça. Ficou à morte e enfrentou um árduo caminho até a recuperação. Com sua típica atenção para o detalhe, capacidade de análise e recusa a sentimentalismos, Greengrass faz o rapaz emergir do filme como uma pessoa de carne e osso à frente de quem se colocou um obstáculo incompreensível — e, ao mesmo tempo, como uma síntese da Noruega sóbria e equânime que se opôs ao ódio de Breivik.

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SEM REMORSO – Breivik no julgamento: saudação nazista diante das vítimas (NTB Scanpix/Lise Aaserud/Reuters)

Utøya, do norueguês Erik Poppe, é uma criatura bastante diferente e muito comovente, que — sem que isso tenha sido planejado — complementa 22 de Julho. Flagrando a adolescente Kaja (Andrea Berntzen) minutos antes de o ataque começar, o diretor desenha com pinceladas certeiras uma jovem com aspirações políticas e a convicção de que é necessário sempre almejar o certo e o justo. Kaja dá uma bronca na irmã mais nova, e elas se deixam brigadas. Quando imagina que esse momento pode ter sido o último, Kaja faz de tudo para achar a caçula no meio do tumulto. Do atirador, não se vê nem sombra; apenas se ouvem as rajadas de tiros e as pausas entre elas, enquanto a menina tenta fazer algo pelas pessoas que encontra no decorrer de sua busca, filmada em longos planos, e em tempo real. Ao contrário de Viljar, Kaja é uma personagem fictícia, em que as experiências de vários jovens são compiladas. Mas, da mesma forma que sua contraparte verídica, é um emblema de algo que, por mais frágil que pareça, pode ser indestrutível.

Publicado em VEJA de 28 de novembro de 2018, edição nº 2610

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