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‘Sexo e as Negas’ é o oposto do racismo. Mas a patrulha não sossega

Reportagem de VEJA desta semana mostra que, para ONGs e militantes, pouco importa que as personagens sejam, na verdade, negras emancipadíssimas: a histeria provoca cegueira

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 21 set 2014, 08h19

Durante uma feijoada na Cidade Alta do Cordovil, favela na Zona Norte carioca, Miguel Falabella percebeu o potencial de uma combinação que, se fosse traduzida em comida, seria uma mistura do feijãozinho nacional com os ovos benedict – clássico da culinária nova-iorquina. No almoço promovido por sua camareira, moradora do lugar, o autor da Globo conheceu uma negra que ostentava orgulhosamente seu cabelo transado, e comentou com ela como seria divertida uma versão brasileira de Sex and the City, série americana que fez sucesso entre 1998 e 2004 com seu retrato de quatro mulheres despachadas e endinheiradas em Nova York – só que sua versão seria ambientada na favela e protagonizada por negras. Na linguagem do subúrbio do Rio, em que o “s” pode ser trocado por “r” ou ser engolido sem cerimônia, a moça definiu na lata do que se tratava: “Sexo e ar nega”. É difícil imaginar gênese mais autêntica e alto-astral para uma série de TV sobre as mulheres de uma favela carioca. Mas, na ótica mal-humorada dos patrulheiros de plantão, nada obedece ao bom-senso: Sexo e as Negas, que estreou na última terça-feira, está sendo acusada de racismo. A Secretaria da Igualdade Racial, ligada à Presidência da República, anunciou ter recebido 117 denúncias contra o programa – demonizado por supostamente incorrer na “reprodução de estereótipos da pessoa negra, numa associação contínua à sexualidade exacerbada”. Militantes pedem boicote à série na internet. A sede da Globo em São Paulo foi pichada por vândalos. A secretaria abriu processo contra a emissora e enviou as denúncias ao Ministério Público. “É um linchamento. Não sou racista, muito pelo contrário: sempre paguei o preço por ser um autor popular”, diz Falabella. Goste-se ou não do besteirol que dá tônica às suas comédias, sua “suburbanidade” está mesmo no DNA.

O caso ilustra o clima de histeria instaurado nas redes sociais e na política – notadamente, na máquina do poder em Brasília, dominada por ONGs e militantes de esquerda. Sexo e as Negas entrou na mira antes mesmo de estrear. A palavra “negas”, é verdade, ocupa uma zona limítrofe: dependendo do contexto em que for empregada, pode ter um significado afetivo ou se revestir de conotação racista. Mas a correlação óbvia com a série americana e o histórico de Falabella não permitiam extrair de antemão leituras negativas. Ainda assim, a Globo tentou várias vezes demover Falabella da aposta nesse título. “Eu bati o pé. Sexo e as Negas deixa claro que é uma paródia, e não um plágio de Sex and the City”, diz.

Há um cheiro de puritanismo nas denúncias. “O problema é com o sexo. Somos medievais nessa área”, diz Falabella. O PSOL de Luciana Genro ainda não defendeu o uso do cinto de castidade pelas mocinhas da ficção. Mas quase chegou lá: o partido apressou-se em proclamar sua visão pouco excitante de mundo ao pedir programas de TV em que as mulheres, incluindo não só as negras, deixem de ser vistas como “objeto de desejo”. Militantes de um certo Coletivo Enegrecer incomodaram-se porque a série estaria pondo “nosso corpo na berlinda da mídia e do imaginário social”. Que pecado!

A patrulha não sossegou nem depois de se verificar que Sexo e as Negas é o oposto do racismo. Falabella, aliás, faz até concessões à correção política. A favela é chamada de “comunidade”. Há uma personagem meio vilanesca que, além de loira e gaúcha (só falta ser torcedora do Grêmio), detesta o cabelo das “negas”. As quatro negras retratadas na série – a recepcionista Lia (Lilian Valeska), a operária Tilde (Corina Sabbas), a cozinheira Soraia (Maria Bia) e a camareira Zulma (Karin Hils) – são emancipadas, donas de sua vontade e do próprio corpo. Não levam desaforo para casa: em uma cena emblemática, uma delas deu uma resposta apropriada a um figurão branco que tentou lhe passar uma cantada racista. “Elas vivem essas coisas na realidade. O melhor jeito de tratar dos problemas é não fingir que eles não existem”, diz Falabella. De fato, o aspecto mais deletério da correção política é a tentativa de – por ingenuidade ou má-fé – conferir uma imagem positiva a uma realidade negativa e, como que por decreto, imaginar que a vida dessas pessoas melhorará por terem um espelho mais dourado em que se moldar. Como ensinam as personagens de Sexo e as Negas, mais vale enfrentar a vida na raça do que se refugiar na demagogia.

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