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‘Sem trabalho, fico depressivo’, diz Stênio Garcia, demitido da Globo

Aos 87 anos, o ator fala sobre boicote na emissora, depressão e o isolamento na pandemia

Por Stênio Garcia
Atualizado em 10 abr 2020, 11h02 - Publicado em 10 abr 2020, 06h00

Há 47 anos eu tinha contrato com a Rede Globo, sem prazo determinado de vencimento. Nunca passei mais de quatro ou cinco meses sem ser escalado para um trabalho. Nos intervalos, aproveitava para me abastecer e atualizar. Já ocorreu de estar simultaneamente em duas produções, como na novela Hoje É Dia de Maria e na série Carga Pesada. Eu me sentia feliz ­— adoro meu ofício — e tinha reconhecimento por parte da empresa. Em 2013, no fim de Salve Jorge, novela de Gloria Perez, fui estudar inglês em Nova York com minha mulher, a atriz Marilene Saade. Voltamos três meses depois, e algo estranho aconteceu. Nenhum trabalho, nenhum convite. Entrei para a geladeira da emissora e nunca mais saí dela. Tentei entender o que se passava. Solicitei uma reunião com o Silvio de Abreu, que em 2014 tinha assumido a chefia da dramaturgia do canal, mas sempre havia um impeditivo: agenda cheia, algum imprevisto. Há um mês, antes do caos instaurado pelo coronavírus, recebemos um “zap” no qual pediam a minha mulher que fosse até a empresa para conversar e que eu não estivesse presente. Um sinal muito estranho. Ali ela foi informada sobre a decisão de encerrarem meu contrato. Fiquei arrasado, atônito. Trabalhar é minha vida.

Considero o Silvio de Abreu responsável pelo meu afastamento. Sofri um boicote dele por uma questão antiga que não ficou bem resolvida. No passado, meu relacionamento com minha primeira esposa, a atriz Cleyde Yáconis, acabou por meio de uma carta que eu escrevi. Não é algo de que me orgulhe, isso aconteceu em 1968. Mas a questão foi superada e voltamos a ser amigos. Eu e Marilene cuidamos dela quando ficou internada em um hospital, existia uma harmonia (Cleyde faleceu em 2013). Na época da separação, o Silvio já era muito amigo de Cleyde e tomou as dores dela por causa da forma do rompimento. Ocorre que já passou muito tempo. Não acho justo sofrer essa retaliação. Com o anúncio da minha demissão, dois autores de novela me procuraram para dizer que haviam me escalado para determinados projetos, mas meu nome tinha saído da lista final ao passar pelas mãos do Silvio.

Nesse tempo na geladeira, esgotei minhas reservas financeiras, até porque sou o provedor de toda a família. Meu salário-base era baixo. Ganhava mais dinheiro quando estava no ar. Além disso, tenho uma aposentadoria modesta, de 5 500 reais. O RH da Globo informou que me dará mais dois anos de plano de saúde. Fora a questão pessoal, há de pano de fundo um pensamento comum em toda a sociedade de que gente mais velha perde o valor, não interessa mais. Puro preconceito. Bibi Ferreira, Mário Lago e Oscar Niemeyer, para ficar em poucos exemplos, morreram trabalhando. O trabalho é muito mais do que apenas um combustível financeiro. Ele nos mantém vivos.

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Sem exercer meu ofício, fico depressivo. Tenho tomado remédios para dormir, não estou nada bem. Atuar preenche a vida e a cabeça. Nessas horas, vemos quem são os amigos. O Carlos Vereza e a Regina Duarte me ofereceram solidariedade via suas redes sociais. O Antonio Fagundes, meu parceiro de cena e de vida, me ligou algumas vezes para saber se preciso de algo. Batalho desde sempre. Nasci em família pobre em Mimoso do Sul, no Espírito Santo. Muitas vezes não havia comida, nem um ovo sequer, e minha mãe nos botava para rezar. Vendi doces em trem, tirei areia de rio. Sempre levei dinheiro para dentro de casa. Neste momento, tenho respeitado as autoridades de saúde e ficado em casa para evitar ser contaminado pelo coronavírus. Tenho me ocupado lendo livros. Aos 87 anos, faço parte do grupo de risco. Quando isso tudo acabar, e vai acabar, quero voltar a trabalhar.

Depoimento dado a João Batista Jr.

Publicado em VEJA de 15 de abril de 2020, edição nº 2682

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