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Sem favoritos, competição em Berlim aposta em temas políticos

Entre os que têm chances de levar o Urso de Ouro estão dois documentários, o italiano 'Fuocoammare' e o americano 'Zero Days'

Por Mariane Morisawa, de Berlim
20 fev 2016, 07h27

O júri presidido por Meryl Streep vai ter trabalho para definir os premiados do 66º Festival de Berlim, que entrega seus troféus na noite do sábado (por volta das 16h no Brasil). Nenhum dos dezoito concorrentes chegou a empolgar. Mas também não houve nenhuma grande bomba, apesar de Midnight Special, de Jeff Nichols, e Genius, de Michael Grandage, terem decepcionado. O mais fraco foi o convencional Alone in Berlin, de Vincent Perez, que, ainda assim, tem chance de sair com Ursos de Prata para seus atores, Brendan Gleeson e Emma Thompson.

A engajada Streep e seus companheiros de júri – o ator alemão Lars Eidinger, o crítico inglês Nick James, a fotógrafa francesa Brigitte Lacombe, o ator inglês Clive Owen, a atriz italiana Alba Rohrwacher e a cineasta polonesa Malgorzata Szumowska – vão eleger os melhores numa seleção de produções de forte conteúdo político. Filmes desse tipo e de temática social são uma marca do Festival de Berlim que parece ainda mais acentuada nesta edição. Há dois documentários na competição, e ambos estão entre os favoritos para levar prêmios importantes. Fuocoammare, do italiano Gianfranco Rosi, traz um olhar poético sobre a ilha de Lampedusa, onde nos últimos anos chegaram milhares de refugiados da África e do Oriente Médio, o assunto do momento na Europa. Zero Days, do americano Alex Gibney, revela os planos americanos para lançar uma guerra cibernética contra o Irã, começando por um vírus de computador que retardou o programa nuclear do país.

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Mas as ficções também foram fundo na discussão política, mesmo que de maneiras enviesadas. Tanto o longo Hele Sa Hiwagang Hapis, do filipino Lav Diaz, quanto o pop Ejhdeha Vared Mishavad!, do iraniano Mani Haghighi, e o lírico Chang Jiang Tu, do chinês Yang Chao, mesclam realidade, ficção e mito para falar de seus países. O primeiro recria de forma muito original o período da Revolução Filipina, que culminou na independência do país em relação à Espanha. O segundo mostra coisas como o controle da sociedade e a falta de liberdade da sociedade iraniana, desde pelo menos a década de 1960. O terceiro explora as transformações em velocidade máxima da China. Por coincidência, são das melhores coisas vistas nesta competição. Já Inhebbek Hedi, dirigido por Mohamed Ben Attia, usa uma história pessoal de amadurecimento do personagem principal, Hedi (Majd Mastoura), um jovem dividido entre a tradição e a modernidade, para tratar das mudanças por que passa a Tunísia.

Há outros ainda mais explicitamente políticos. Soy Nero, do iraniano Rafi Pitts, mostra um jovem imigrante mexicano nos Estados Unidos que, para poder permanecer no país, entra para as Forças Armadas e vai lutar no Oriente Médio. Smrt u Sarajevu, de Danis Tanovic, coloca em discussão as relações ainda conflituosas entre bósnios-herzegovinos, croatas e sérvios, cem anos após o assassinato na cidade do Arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do Império Austro-Húngaro de que Sarajevo fazia parte na época.

Alone in Berlin, de Vincent Perez, não deixa de falar de política, ao contar a história de um casal alemão que fez resistência ao regime nazista depois de ver seu filho perecer na guerra. Mas suas chances nas categorias principais – Urso de Ouro de filme, Grande Prêmio do Júri e Urso de Prata de direção – parecem pequenas. A bem da verdade, deveria se dar por satisfeito por ter sido exibido em competição. O conteúdo político de Cartas da Guerra, de Ivo M. Ferreira, baseado nos textos do português António Lobo Antunes quando estava servindo em Angola contra aqueles que lutavam pela independência do país, é muito discreto. Suas cartas são, na verdade, de amor.

No caso do francês Quand on a 17 Ans, de André Téchiné, o subtexto político existe, mas também é sutil. Tom (Corentin Fila) é um menino de origem norte-africana, adotado por um casal branco, que mora numa fazenda nos Alpes Franceses. Ele vai ter uma relação conturbada com Damien (Kacey Mottet Klein). É difícil pensar que o assunto de 24 Wochen também não chame a atenção de Streep – além de tudo, é dirigido por uma mulher, a alemã Anne Zohra Berrached. O filme fala de uma mãe que precisa decidir se segue adiante ou interrompe uma gravidez quando descobre que o bebê vai nascer com problemas graves de saúde. A francesa Mia Hansen-Løve também tem chances de conquistar alguma coisa com L’Avenir, sobre uma mulher de meia-idade que precisa se reinventar depois de se separar do marido.

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Boris Sans Béatrice, de Denis Côté, sobre um homem de meia-idade em crise, Genius, de Michael Grandage, sobre a relação entre o escritor Thomas Wolfe e seu editor Max Peters, e Kollektivet, de Thomas Vinterberg, sobre uma comunidade na Dinamarca dos anos 1970, não parecem ter muitas chances de troféus principais. Midnight Special, de Jeff Nichols, é a maior incógnita: sua recepção foi mista, mas ele aparece bem cotado, por exemplo, na lista de críticos da revista Screen International.

No polonês United States of Love, de Tomasz Wasilewski, que chegou cercado de expectativas a Berlim, a Polônia na confusa transição entre o comunismo e o capitalismo, em 1990, serve mais como pano de fundo para a história de quatro mulheres à procura de amor – ou melhor, obcecadas por ele. Agata (Julia Kijowska), casada e tem uma filha adolescente, encanta-se pelo padre. A diretora de escola Iza (Magdalena Cielecka) tem um caso há seis anos com o pai de uma aluna, mas, quando a mulher dele morre, Karol (Andrzej Chyra) perde o interesse. Forçada a se aposentar, a professora Renata (Dorota Kolak) vive solitária num apartamento, onde solta seus pássaros à noite. Ela persegue sua vizinha Marzena (Marta Nieradkiewicz), ex-miss e professora de hidroginástica e aeróbica. O fato de serem quatro mulheres protagonistas poderia animar Meryl Streep, mas o filme é frio, pouco humanista e um tanto artificial. O que se destaca é o trabalho de fotografia de Oleg Mutu (do romeno 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, dirigido por Christian Mungiu, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 2007), com cores sem saturação.

O que deve ter deixado Meryl Streep ainda mais feliz é que parece haver mais candidatas ao troféu de melhor atriz do que de ator. A alemã Julia Jentsch (24 Wochen), a francesa Isabelle Huppert (L’Avenir), a inglesa Emma Thompson (um pouco prejudicada por estar no fraco Alone in Berlin), a dinamarquesa Trine Dyrholm (Kollektivet) e a francesa Sandrine Kiberlain (Quand on a 17 Ans) são todas merecedoras do Urso de Prata de atriz. Entre os homens, as opções são mais restritas, com interpretações menos brilhantes. Os mais óbvios são Ulrich Thomsen (Kollektivet), os dois garotos de Quand on a 17 Ans e Brendan Gleeson (Alone in Berlin). Michael Shannon é querido dos atores, mas sua performance em Midnight Special não chega a comover.

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