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Roberto Burle Marx: muito além dos jardins

Uma completa mostra no Jardim Botânico do Bronx ilumina a arte do modernista que lidava igualmente com plantas e pincéis 

Por Lúcia Guimarães , de Nova York
Atualizado em 25 jun 2019, 17h11 - Publicado em 21 jun 2019, 07h00

As palmeiras, magnólias e bromélias, plantadas no clima subtropical da Flórida, rodaram 2 000 quilômetros para o norte, em caminhões, a caminho do frio de Nova York. A cidade abriga dois dos mais belos jardins botânicos das Américas, um no bairro do Brooklyn, o outro no Bronx. O Jardim Botânico do Bronx acaba de inaugurar uma de suas mais ambiciosas exposições em 128 anos de história, Brazilian Modern: The Living Art of Roberto Burle Marx (Brasileiro Mo­derno: a Arte Viva de Roberto Bur­le Marx), em cartaz até 29 de setembro, quando a impiedosa chegada do outono no Hemisfério Norte vier a desfazer a temporária fantasia tropical. Burle Marx, que morreu há exatos 25 anos, foi sempre muito querido e estudado pelos americanos — em 2016, uma retrospectiva no Jewish Museum em Manhattan significou a redescoberta do artista brasileiro, para muito além dos jardins.

A mostra do Bronx se estende por quatro áreas: um jardim ao ar livre com direito a um mosaico que evoca as calçadas de Copacabana; uma seleção de plantas e flores tropicais na estufa Enid Haupt, estrutura centenária de inspiração vitoriana; um lago de plantas aquáticas; e, na biblioteca, uma galeria com obras de Burle Marx — pinturas, tapeçaria e desenhos. A exposição foi programada ao longo de três anos e tem dois curadores convidados: Raymond Jungles, arquiteto paisagista, protegido de Burle Marx, e o historiador de arte latino-americana Edward Sullivan, da Universidade de Nova York. Numa tarde de sol recente, feita sob medida para um passeio no jardim-tributo, é difícil acreditar como o viçoso éden tropical resistiu a semanas de instalação num mês de maio entre os mais gelados registrados em Nova York. Jungles, que emprestou ao Jardim Botânico várias espécies, como bromélias e o Filodendro burle-marxii, diz que nem todas resistirão à volta para a Flórida no outono americano. “Não tem jeito”, diz. “Algumas vão virar matéria vegetal para cobrir outros jardins.”

VARIEDADE - O ateliê de Burle Marx (1909-1994) no Rio (Claus Meyer/Tyba/Divulgação)

Para Jungles, que se tornou amigo do brasileiro depois de se hospedar sucessivas vezes entre 1982 e 1994 no sítio de Burle Marx, na Zona Oeste do Rio, transformado em centro de estudos botânicos e de conservação ambiental, “ele era um verdadeiro renascentista, homem com uma variedade extraordinária de talentos, um pioneiro do ambientalismo”. Sullivan, que se encantou com a obra paisagística de Burle Marx nos anos 1980, ao conhecer o Aterro do Flamengo — hoje um triste monumento do descaso público —, vai ainda mais longe. “Se tivesse nascido na era do barroco, entre os séculos XVI e XVIII, poderia ser chamado de um ‘monstro da natureza’ ”, diz. Monstro da natureza era o termo que o autor de Dom Quixote, Miguel de Cervantes, usava para definir seu contemporâneo, o poeta, dramaturgo e filósofo espanhol Lope de Vega. A excelência do trabalho de Burle Marx como arquiteto de jardins, que o fez celebrado internacionalmente, acabou por ofuscar a extensa produção como artista plástico, que a exibição nova-iorquina trata de iluminar. “Quando observo exposições de modernistas brasileiros, pergunto: por que Burle Marx não está lado a lado com os nomes já conhecidos?”, diz Sullivan. “Hélio Oiticica, Lygia Pape e Lygia Clark seguiram os passos de Burle Marx na criação de suas obras.”

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Segundo o crítico de arte francês Roger Caillois, autor de um alentado estudo acadêmico sobre Burle Marx e seu tempo, “o jardim instala no espaço rude uma minigeografia bem arrumada, ligeiramente desligada da natureza. O homem o criou não para sua subsistência, mas para seu deleite. O jardim é inútil e cobiçado: exatamente as duas características pelas quais os que não são artistas facilmente reconhecem as obras de arte”.

Não há dúvida: com plantas e pincéis, Burle Marx andou sempre de mãos dadas com os grandes nomes do modernismo. Edward Sullivan tenta explicar por que, apesar da inquietação criativa de monstro da natureza, ele costumava dizer que, se estivesse pintando, não projetava um jardim, era uma modalidade de cada vez. “Burle Marx tinha uma grande preocupação de não ser visto como diletante, uma figura periférica”, diz. “Mas o fato é que o gran­de artista estava presente em to­dos os meios e não se pode separar o que ele criava. Seja nas joias que desenhou com o irmão Haroldo, seja nas pinturas e nos jardins, a sensualidade e o ar da natureza estão sempre presentes.”

Publicado em VEJA de 26 de junho de 2019, edição nº 2640

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