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Para top ‘plus size’, internet que destrói também ajuda gordinho

Brasileira Fluvia Lacerda falou sobre sua carreira e gordofobia ao site de VEJA: 'Nunca tive autopiedade'

Por Henrique Castro Barbosa Atualizado em 11 ago 2016, 12h42 - Publicado em 11 ago 2016, 12h29

Durante as provas de ginástica artística da Rio-2016, a única atleta mexicana da modalidade, Alexa Moreno, virou motivo de piada nas redes sociais. O motivo? A ginasta, que pesa 45 quilos, estaria fora de forma. No Twitter, os mexicanos compararam a competidora com a porquinha do desenho animado Peppa Pig, salpicaram ofensas e sugeriram não apenas que o corpo de Alexa não fosse o ideal para o esporte, mas também opções de dieta que a compatriota, uma atleta de alto rendimento, deveria aprender. Se podem ser cruéis, contudo, as redes sociais podem também ser redentoras. É o que afirma a modelo brasileira Fluvia Lacerda, considerada a “Gisele Bündchen plus size”.

“As redes sociais trouxeram essa revolução nos padrões de beleza para a realidade”, diz Fluvia. As redes, afinal, são capazes de unir pessoas em torno de uma mesma causa e de, apesar dos haters (os chatos de plantão) de sempre, mudar a forma de se enxergar a beleza no mundo. Ao juntar ideias e opiniões, a desconstrução da mulher linda e magra como ideal ganha força na internet.

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E nem deveria ser diferente. A própria modelo é prova viva de que ser bonita e bem-sucedida não necessariamente é caber em um manequim 34. Nascida no Rio de Janeiro, mas criada em Boa Vista, em Roraima, Fluvia se mudou para Nova York em 1996, para tentar a sorte como babá. Um dia na cidade americana, enquanto andava de ônibus, foi abordada por uma editora de moda, que sugeriu a ela que tentasse a sorte como plus size. Foi então que, em 2003, começou carreira no ramo em que hoje é top.

Para a modelo, também é importante a forma como as minorias encaram os preconceitos que sofrem. No caso, a chamada “gordofobia”. “Nunca tive esse comportamento de autopiedade. A partir do momento em que as pessoas passarem a se valorizar e pararem de dar ouvido aos chatos, essas coisas vão perdendo a potência.”

Confira a conversa da modelo com o site de VEJA:

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Como você começou a carreira de modelo? Eu já morava em Nova York quando fui abordada por uma editora de moda em um ônibus, em Manhattan. Ela perguntou se eu já havia considerado a ideia de atuar como modelo plus size, me explicou que ela trabalhava em uma revista e que existia toda uma indústria voltada para isso. Até então, eu não sabia que isso existia. Ela disse para eu visitar alguma agência e escreveu atrás do cartãozinho que ela tinha me dado o nome de algumas. Eu fui a algumas. Todas fazem uma Polaroid e, se tiverem interesse, ligam. Eu recebi propostas de várias para assinar um contrato e comecei a trabalhar. Na época, em 2003, esse mercado já era estabelecido fazia uns 15 anos.

Modelos plus size, assim como as convencionais, sofrem pressão para manter o peso? Não tem nada a ver com peso. Tem a ver com proporções físicas, ter a silhueta bem definida e saber modelar na frente da câmera. Tanto para modelos magras quanto plus size não é suficiente ser bonita: requer outras habilidades. Modelar é atuar na frente da câmera e por vezes muita menina que é bonita, ao ligar a câmera, não dá nada. É um pacote completo: proporções, silhuetas e altura. Mais ou menos a mesma linha de modelos convencionais.

Muitas pessoas associam sobrepeso à falta de saúde. Como você lida com isso e como cuida da saúde? Todo mundo se mascara de doutor. Todo mundo é médico. Fala: “Você tem que perder peso porque isso vai te fazer mais saudável, vai fazer bem pra sua saúde”. Eu dou risada em relação a isso porque eu sempre fui gorda e sempre faço meu check up, uma ou duas vezes ao ano. Meu médico costuma brincar que, entre todas as pacientes dele, a que têm mais sobrepeso é a mais saudável. Eu acho que isso é uma coisa embutida, esse comportamento das pessoas. É o preconceito e a gordofobia com a capa da ovelha: “A intenção é boa porque a gente quer que você fique saudável”. A verdade é que tem muito preconceito por trás desse tipo de comentário. Mas eu trabalho com moda, vendo moda, é a minha paixão e eu não dito para ninguém como cada pessoa tem que viver. Mais importante que passar fome para ser magra é cuidar da saúde de uma forma equilibrada. Eu sou uma pessoa muito ativa, raramente assisto televisão porque não consigo ficar parada. Eu não tenho esse estilo de vida sedentário então não levanto bandeira em prol de você ser gordo. Meu trabalho é voltado para que as pessoas se aceitem e sejam felizes como elas são ou, se elas quiserem mudar, que isso seja de uma forma sensata.

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Quanto e como você acha que o padrão de beleza da mulher magra está presente na sociedade? Eu acho que isso não é mais tão realidade. Carreiras como a minha provam bastante o contrário em relação a isso. Eu viajo o mundo trabalhando e vejo que esse padrão não condiz mais com a realidade de nenhum país. Essa revolução que a internet proporcionou para todos nós, principalmente essa revolução feminista que nós estamos vivendo mundialmente, fez com que essa história de determinações já tenha se quebrado lá fora de maneira muito evidente. Aqui no Brasil também está acontecendo, tanto que as marcas estão desesperadamente buscando fazer um formato de inclusão de raça, faixa-etária, tamanho… algo que abranja as consumidoras como um todo. As pessoas acordaram que a mulher quer se sentir representada como ela é: sua classe social, raça, orientação sexual. Para esse paradigma (de padrões de beleza) o início do fim já está chegando.

Países europeus estão discutindo proibir outdoors com modelos lindas e magras em roupas íntimas, para não disseminar um padrão de beleza difícil de ser alcançado. O que acha disso? Isso é uma realidade muito evidente lá fora. Você vai a Paris e vê muitas campanhas de cosméticos com mulheres mais velhas. O francês não faz aqueles horrores com Photoshop no rosto da mulher. É uma questão de lógica. No final das contas, as empresas precisam de vendas para sobreviver. Viver de aparência ou querer transparecer uma ideia que não vende não compensa para empresa nenhuma. A partir do momento que as pessoas, aos poucos, estão acordando, isso vai sendo derrubado. A consumidora europeia é muito firme em sua posição quanto à autovalorização. Não é mais uma mulher que precise se sentir inspirada e não tem amor próprio. Elas exigem e demandam porque se não, no final das contas, não tem como sobreviver. Eu acho isso incrível e que, eventualmente, vai começar a acontecer no Brasil. Eu me refiro sempre a essa revolução que as redes sociais trouxeram para realidade mundial hoje porque é uma coisa que eu convivo muito. Através dos meus seguidores, quando viajo, em reuniões com empresas, é uma coisa muito evidente o poder que isso tem, tanto para vender um produto quanto para derrubar uma empresa. Então as mulheres estão vendo hoje, no Brasil, que isso acontece lá fora e vêm se unido dentro do Brasil. Se você vê um preconceito verbalizado em uma rede social de uma atriz negra brasileira, o negócio toma proporções gigantes. As pessoas estão acordando para o poder que elas têm como consumidoras e como cidadãs. É uma realidade que está mudando no Brasil. Pouco a pouco, mas está.

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Padrões de beleza mudam de acordo com a época. No Renascentismo, por exemplo, as mulheres que tinham os corpos mais valorizados não eram tão magras como as de hoje em dia. O que, em sua opinião, leva a essas mudanças? Essa pergunta me lembrou de uma entrevista que eu vi recentemente com a Cindy Crawford. Ela disse que se tivesse que começar a trabalhar como modelo hoje teria que ser plus size. Ela veste 38 e 40. As pessoas dizem que as modelos convencionais começam em 38, mas na verdade elas vestem 32, 34. Acho que pode mudar sim. Muda de época? Muda. Mas hoje a necessidade do mundo é muito distinta. Muitas coisas eram determinadas no passado porque um grupo dominava as determinações do que era ou não moda. Hoje as pessoas se libertaram disso. A moda não tem mais regras como antigamente e a habilidade de certos grupos de dominarem a cabeça da consumidora já não tem tanta potência. No passado mudava muito o padrão por ter essa possibilidade de controle, mas hoje isso não existe mais dessa forma. As pessoas se interligaram, elas se comunicam. Essa realidade de padrões de beleza já não se encaixa mais justamente por conta da globalização, que é muito presente na nossa vida.

Como você acha que o padrão de beleza da mulher magra impacta em meninas mais novas, que estão começando a desenvolver e cultivar uma relação com o corpo? Eu acho que tem um impacto muito negativo, mas essa revolução toda já conseguiu derrubar grande parte disso. Mesmo que muitas revistas empurrem para elas o biótipo de suas páginas, vieram as blogueiras para dizer: “Você não precisa mais comprar essa revista, você pode seguir a gente. Nós podemos te dar ideias do que vestir”. Começou a ter um esclarecimento massivo para que cada veiculo funciona e se você busca aquele propósito há uma outra opção no celular, no tablet ou no computador. Esses padrões são extremamente nocivos e por isso hoje já temos alternativas. Por isso, as revistas de moda que não conseguiram modificar seu formato têm perdas financeiras muito grandes.

Em janeiro deste ano, o apresentador Fausto Silva constrangeu a Miss América Plus Size, Janaína Britto, perguntando se ela faria um regime. Na segunda-feira Silvio Santos também fez piada com o peso de uma mulher que estava na plateia do seu programa. O humor também muitas vezes se aproveita de pessoas que tenham um peso considerado acima do ideal para fazer piada em cima disso. Você acha que mesmo na mídia ainda há muita chacota quanto a esse assunto?  Qual o motivo disso? Como mudar essa mentalidade? Acho que é como antigamente, quando as pessoas faziam piadas racistas e sempre se cobriam dizendo que estavam só brincando. É uma questão de postura. Eu pessoalmente nunca passei por esse tipo de circunstância porque nunca tive esse comportamento de autopiedade, eu não me dou ao trabalho, não presto atenção a esse tipo de coisa. Eu acho que uma pessoa que faz esse tipo de piada, de chacota com relação à aparência de uma pessoa, seja por ela ser gorda, pela cor de sua pele, orientação sexual ou forma de se vestir, demonstra como ela se sente e quem ela é. Se aproveitar de coisas assim para criar seu próprio ibope mostra um lado paupérrimo e uma falta de capacidade em criar algo construtivo que seja engraçado ou talentoso. Rola chacota e sempre vai rolar, mas acho que a partir do momento que as pessoas passarem a se valorizar, sair da autopiedade e modificarem o próprio comportamento em relação a dar ouvido a isso, as coisas vão perdendo a potência. Você pode continuar a fazer a piada, mas a partir do momento que ninguém acha graça terá que modificar seu repertório.

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A escritora americana Naomi Wolf escreveu que “Uma cultura focada na magreza feminina não revela uma obsessão com a beleza feminina. É uma obsessão sobre a obediência feminina. Fazer dietas é o sedativo político mais potente na história das mulheres”. Em sua opinião, ir contra esses padrões de beleza impostos é lutar contra o machismo enraizado na sociedade como um todo? Ou você acha exagerado o texto da Naomi Wolf? O texto é absolutamente verdadeiro. Isso é sim uma forma de controlar a cabeça da mulher. Existiam grupos que controlavam o que era esteticamente aprovado ou bonito. Era uma forma de manipular a cabeça das pessoas. Hoje, isso não tem mais tanta potência. Tanto que a indústria de revistas de moda feminina no papel está morrendo. Você compra uma revista em busca de uma inspiração para moda, uma ideia de como se vestir, mas a coisa tomou uma direção completamente oposta. E as mulheres olham para isso hoje e não se interessam, não se veem representadas no que está escrito e mostrado. Questionam quem está comandando as revistas ditando o que elas precisam ser e como se vestir. Isso tudo é uma forma de manter as mulheres dentro de uma prisão e andando em círculo, onde ninguém consegue desenvolver coisas mais construtivas. E é muito mais fácil monetizar em cima da cabeça de um bando de alienadas. A indústria de beleza, dietas loucas, pílulas dietéticas e cremes para não envelhecer são parte de uma máquina de fazer dinheiro em cima de inseguranças.

Recentemente, a atriz Amy Schumer foi classificada como plus size pela revista americana Glamour. A atriz, entretanto, escreveu um texto reclamando de ter sido chamada assim. Ela escreveu no Instagram que tem um corpo muito mais magro do que uma modelo plus size. Para ela, isso faria com que garotas olhassem para o corpo dela e ficassem ainda mais abaladas por conta dos padrões de beleza. Você acha que, nesse sentido, esse padrão de beleza vigente acaba dando as caras até mesmo em um ambiente que busca lutar contra ele? Assim que você tira a conotação negativa diante de um termo descritivo muita coisa é derrubada. Nos Estados Unidos e na Europa você entra em uma loja e tem uma seção chamada petit, que tem roupas para mulheres mais baixas, uma denominada tall, para mulheres altas. São palavras descritivas, a conotação negativa está na cabeça e na conotação interna de cada um. A Amy Schumer é uma mulher plus size? Não. Eu sou uma mulher plus size, sou uma mulher gorda, então o termo descreve meu biótipo. A Amy é uma mulher que a gente chama de average, que veste o tamanho mais comercializado. Não é certo a descrição ser de uma plus size porque ela não é. Se você começa a rotular pessoas de forma errada, cria-se uma confusão na cabeça dos outros. Muitas vezes a mídia coloca uma mulher que não veste plus size como tal e tenta justificar que, dentro da indústria da moda, ela comparada a uma modelo convencional é muito maior. Porém essa padronização está errada.

Em sua opinião, como alguém que cresceu sob o padrão da magreza e não se sente bem com o próprio corpo pode desconstruir essa ideia e se sentir bem consigo mesma? Não é um processo fácil ou simples quando você vive dentro de um preconceito. Eu cresci dessa forma, sempre tive essa mentalidade, mas eu recebo depoimentos de meninas que nunca viveram esse tipo de realidade. Pelo contrário, sempre foram massacradas em relação a isso, então eu acho que é um trabalho de formiga. São as pessoas que estão ao seu redor, são os seus questionamentos em relação àquilo que você acredita que seja bom para a sua cabeça e a sua postura em relação a você mesma. Eu sempre fui muito grata a Deus por ter um corpo que funciona, não tem nenhum problema de saúde grave, me leva do ponto A para o B e gerou duas vidas (A modelo é mãe de Lua, 16, e Pedro,2). Eu me olho no espelho e só vejo razões para celebrar, eu não consigo ver uma coisa negativa porque fulano ou ciclano determinaram que eu não tenho valor porque eu não sou bonita, aceitável ou desejável diante do que, para eles, é um padrão de beleza. Então meio que você liga o botão do f***. E eu acho que por aí: se questionar para que você consiga ter forças para se sobressair dessas determinações negativas.

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Você acha que a categoria “modelo plus size” já não é uma forma de impor padrões de beleza? Uma modelo plus size não poderia ser simplesmente uma modelo e desfilar com todas as outras, independentemente do biótipo físico? Você acha que algum dia a sociedade se desconstruirá o bastante para chegar nesse ponto? Eu não me vejo como menos do que uma modelo convencional. Eu simplesmente entendo que existe uma forma descritiva simplesmente para que as mulheres que vestem o meu manequim saibam onde buscar roupa. Eu acho que muita gente tem pânico e preconceito em se tornar gorda. Ou não é uma mulher gorda e quer se encaixar no mundo da moda, mas não é nem convencional nem plus size e fica lutando para que derrube o termo, que é descritivo, simplesmente para ter um emprego ali dentro. Gera uma série de conotações negativas e um turbilhão de confusão e conflitos emocionais, o que é totalmente desnecessário. O rótulo “plus size” não é nem a ponta do iceberg. O grande problema está dentro da cabeça de cada um, no sentido de que a divisão não é criada pelo termo e sim pelo comportamento das pessoas que estão dentro e fora do mundo da moda. Aqueles que determinam que aquilo é uma coisa negativa porque se sentem mal sendo daquele jeito ou porque jamais gostaria de ser. Não é o termo que é negativo. A negatividade está dentro da cabeça de cada um.

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