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‘O Outro Lado do Paraíso’: Por que Clara não deve terminar pobre?

Vem novela, vai novela, e o desfecho da protagonista é sempre o mesmo, o chamado ‘final feliz’: casamento, filhos e bolso cheiro de dinheiro

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 11 Maio 2018, 20h22 - Publicado em 11 Maio 2018, 08h05

Clara (Bianca Bin) começou O Outro Lado do Paraíso sem dinheiro no bolso, mas feliz. Era a típica professorinha do bem que já se viu em tantas novelas: sua vida era dar aulas em uma comunidade quilombola e ajudar o avô no boteco que Josafá (Lima Duarte) mantinha à beira de uma estrada de terra. Como o avô, jamais quis explorar as terras da família, que o pai, morto em uma explosão no primeiro capítulo, apostava repletas de esmeraldas. Depois da tragédia paterna, ela passou a ver aquelas terras como encrenca certa. E de fato tudo mudou quando Clara – e suas propriedades – entraram na mira da ambiciosa Sophia (Marieta Severo), sua sogra depois do casamento com o violento Gael (Sérgio Guizé). Ela foi abusada, espancada, apartada do filho e internada sem previsão de alta em um hospício encrustado no topo de um penhasco, digno de filme de horror. Lá, conheceu a generosa Beatriz (Nathalia Timberg), que legou à mocinha uma herança capaz de ajudá-la no plano de vingança contra os que a colocaram ali. Agora, apesar do início simples e sereno, Clara deve terminar rica, com as minas de esmeralda que nunca quis explorar. Afinal, parece ser este o destino da grande maioria das mocinhas de novela. É o que dizem especialistas ouvidos pela reportagem e uma enquete promovida por VEJA: 86% dos votos foram para o final “cheio da nota” da personagem. Mas, se o dinheiro representou tantos reveses para a mocinha, o final de O Outro Lado do Paraíso não deveria ser outro?

“Uma mocinha ou heroína que terminasse pobre seria certamente um grande ponto fora da tradicional curva dramática”, diz Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana e membro da Academia Internacional de Artes e Ciências da Televisão de Nova York (Emmy), considerado o maior entendido em assuntos novelísticos do país.

A verdade é que as novelas, muito por causa da boa fase das séries americanas, se modernizaram nos últimos anos, mas a fórmula folhetinesca de que são feitas permanece a mesma. Aumentou o ritmo das tramas, há mais histórias dentro da história, mais nuances nos personagens, que hoje estão mais para o cinza que para o preto no branco. Mas o final é quase sempre o mesmo: vilões são punidos, heróis terminam casados, com filhos, e ricos.

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Parte disso se deve aos contos de fada, como aqueles que Charles Perrault (1628-1703) e os irmãos Grimm (1785-1863) coletaram, transcreveram e imortalizaram entre camponeses e citadinos da Europa, séculos atrás. “Os contos de fada fazem parte do nosso imaginário coletivo, e alimentam os folhetins. O Patrick (Thiago Fragoso) é um príncipe. Ao encontrar Clara, não fez questão de ter de volta os milhões que a tia-avó passou para ela no hospício”, diz Claudino Mayer, doutor em teledramaturgia pela USP e autor do livro Quem Matou… O Romance Policial na Telenovela (Annablume). “É como Branca de Neve, que é salva pelo príncipe encantado e se casa com ele.”

Clara (Bianca Bin), em 'O Outro Lado do Paraíso'
Clara (Bianca Bin), em ‘O Outro Lado do Paraíso’ (Raquel Cunha/TV Globo)

Para Claudino, havia espaço para Walcyr Carrasco dar a Clara um final, digamos, diferentão. Um desfecho que não soasse incoerente como a transformação do médico Renato (Rafael Cardoso), que, de doutor aplicado e abnegado à la Mais Médicos se revelou um ganancioso desmedido, um erro de construção de personagem, segundo Claudino. “Ela poderia terminar pobre, desde que compartilhando a herança que recebeu de Beatriz e do pai com os quilombolas, com a comunidade onde dava aula, por exemplo. Ou poderia criar uma cooperativa para os garimpeiros”, diz. “Ela era uma uma garota humilde que tinha como anseio seguir o magistério, não tinha muito da realidade do mundo e não tinha grandes pretensões. Sempre mostrou que não agia apenas pelo dinheiro.”

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Femme fatale – Clara (Bianca Bin), na volta triunfal: algoz da elite de Palmas (Raquel Cunha/TV Globo)

Para Claudino Mayer, os espectadores torcem para ver Clara rica porque se espelham nela. “O desfecho da mocinha alimenta o sonho do próprio espectador, que também quer ficar rico um dia”, afirma. “O público de folhetim tem essa ambição de um dia ter dinheiro para poder comprar o que têm os personagens e o que é vendido no intervalo da novela.”

A dramaturga, poeta e ex-professora da ECA/USP Renata Pallottini corrobora. “A hipótese de uma mocinha terminar sem dinheiro é muito rara. O que acontece é que os espectadores, em geral, se identificam com os protagonistas, e querem para eles o mesmo bem que querem para si”, diz. “Creio mais que seja um desejo incontido, em geral, de todo ser humano. Só não almeja a riqueza material a pessoa que, baseada em uma sólida construção filosófica, sabe que há coisas mais importantes no mundo: honestidade, sabedoria, prudência, amor. Não é fácil querer alguma dessas virtudes, em vez de dinheiro.”

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