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O mineirinho moderninho

Cultuado até pelo pessoal dos Arctic Monkeys, o compositor Lô Borges é merecidamente resgatado quase cinquenta anos depois do celebrado Clube da Esquina

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 26 abr 2019, 07h00 - Publicado em 26 abr 2019, 07h00

Meses atrás, Alex Turner, guitarrista e vocalista dos Arctic Monkeys, fez uma lista das canções que escutou nas gravações do mais recente disco do quarteto inglês. Dela constavam pérolas da música em língua inglesa dos anos 70, como Baltimore, tema de protesto da cantora de jazz Nina Simone, e Nite Flights, experimento de pop e eletrônica do grupo The Walker Brothers. Mas havia também uma composição saída do baú da MPB daquela época: Aos Barões, do mineiro Lô Borges. A faixa do álbum-solo que leva o nome do cantor — mais conhecido como o “disco do tênis”, por trazer na capa um par de, bem, tênis surrados — exibe de fato certa modernidade ao gosto do público hipster, com sua mescla de melodias à moda Beatles e cancioneiro mineiro. O afago dos Arctic Monkeys comprova: aos 67 anos, o pacato Lô Borges virou “o cara” da MPB tipo exportação.

Salomão Borges Filho tocou no já lendário Clube da Esquina, álbum de 1972 em que Milton Nascimento reuniu ainda os talentos de Beto Guedes e Toninho Horta. Embora reconheça que aquelas composições são o melhor de sua produção, Borges nunca dormiu sobre os louros. Na carreira-solo, conversa com diversas gerações da música mineira. Excursionou ao lado de Samuel Rosa, vocalista e guitarrista do Skank, e hoje toca com Henrique Matheus, guitarrista e produtor da banda alternativa Transmissor. Nos últimos anos, lançou cinco discos de material inédito de ótima qualidade. O mais recente, Rio da Lua, chegou às lojas e plataformas virtuais em abril. São dez parcerias com Nelson Angelo, companheiro de Clube da Esquina. “Vejo pessoas da minha idade com uma obra maravilhosa, mas que não escrevem mais. Já eu sou um maluco que gosta de fazer música”, diz.

Borges é o sexto de uma família de onze irmãos, boa parte com inclinações artísticas. De tanto observar os irmãos ensaiarem com Milton Nascimento — quase dez anos mais velho que ele —, tomou gosto pela música. “Eu adorava quando acabava o ensaio e os instrumentos ficavam só para mim”, recorda. Quando completou 12 anos, ganhou de Milton e do irmão Márcio uma cópia de A Hard Day’s Night, dos Beatles. O presente mudou a direção musical de Borges. Ele e outro então rapazote, Beto Guedes, chegaram a criar um grupo que interpretava sucessos do quarteto inglês. O projeto foi abortado pela mãe de Borges, porque o filho começou a ir mal na escola. Por pouco, aliás, ela não impediu a participação dele no Clube da Esquina. “Bituca queria me levar para o Rio e minha mãe dizia que aquele pessoal era maluco”, lembra, chamando Milton Nascimento pelo apelido afetivo. Foi Salomão Borges, seu pai, quem intercedeu pelo filho. O talento precoce de Lô Borges, então com 20 anos, deu novo rumo à experiência mineira. “Milton foi o emblema, a voz, a força aglutinadora. Mas Lô foi a alma inventiva, o princípio vital do Clube da Esquina”, diz o companheiro de geração Guarabyra, da dupla Sá & Guarabyra.

Depois do Clube da Esquina, Milton seguiu seu próprio caminho, e Borges passou por um inferno astral. Por anos, sua hoje cultuada estreia-­solo, de 1972, composta às pressas, o assombrou. O álbum foi recebido com desdém, e Lô Borges fugiu dos holofotes. Passou um tempo em Porto Alegre, e depois em Arembepe, no litoral baiano, onde viveu em uma dieta de LSD e maconha. Nos anos 80 e 90, padeceu com a reavaliação mal-­humorada que críticos e músicos mais jovens faziam do Clube da Esquina. Havia má vontade com os temas bucólicos de suas letras, e a famosa timidez de seus integrantes não amenizava a fama de chatonildos. “Diziam que mineiro demora um mês para considerar uma música pronta”, reclama. “Mas as minhas nunca demoraram mais de quarenta minutos.”

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Samuel Rosa resgatou o ídolo bicho-grilo do limbo. Ainda nos anos 90, auge do Skank, fez um projeto em parceria com Borges. “Eu me intrigava com o modo como Lô sintetizava Beatles, rock progressivo, folk e um tom mineiro”, diz. Há dois anos, Borges fez as pazes com o “disco do tênis”: rodou o país tocando seu repertório e criações do Clube da Esquina. Hoje, é guru de jovens músicos. “Os adolescentes da minha geração renegavam o passado. Mas Lô é o fio condutor de um movimento incrível”, diz Henrique Matheus, que ajudou na produção do disco Rio da Lua. O álbum foi gestado de um jeito inusitado. Borges e Nelson Angelo o compuseram trocando mensagens no Whats­App. O novo clube da esquina, quem diria, está nas redes sociais.

Publicado em VEJA de 1º de maio de 2019, edição nº 2632

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