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‘O marketing evangélico é agressivo’, diz primeiro padre cantor

Pioneiro da música sacra no Brasil, padre Zezinho critica igrejas que prometem milagres e diz que sacerdotes não podem ser artistas

Por Maria Clara Vieira
Atualizado em 13 out 2017, 16h58 - Publicado em 13 out 2017, 10h07

O nome do padre Zezinho pode não ser mais tão familiar aos 128 milhões de católicos do Brasil, mas sua assinatura continua dominando o universo da música sacra. Autor de mais de 1700 canções e 90 livros, o José Fernandes de Oliveira, de 76 anos, é considerado o pioneiro do gênero no Brasil e mentor da grande maioria das estrelas do meio. Suas canções já foram regravadas pelos padres Marcelo Rossi, Fábio de Melo e Reginaldo Manzotti, além de ganharem versões nas vozes de Luan Santana, Zeca Baleiro e Roberto Carlos.

Apesar dos anos longe dos palcos devido à recuperação de um AVC, sofrido em 2012, a agenda do padre Zezinho continua lotada. Devido às mais de cinco décadas de experiência no trabalho com jovens, foi convidado para participar de um seminário no Vaticano em preparação para o próximo Sínodo dos Bispos, cujo tema será o diálogo entre a Igreja Católica e a juventude. Na última quarta-feira (11), ele esteve em Aparecida, onde participou de um show ao lado de padres e artistas católicos em homenagem aos 300 anos da imagem. No dia seguinte à apresentação, padre Zezinho falou a VEJA sobre o cenário da música sacra no país, a concorrência com os evangélicos e o futuro da Igreja. Abaixo, os principais trechos da conversa.

O senhor foi um dos primeiros padres católicos a fazer muito sucesso com música no Brasil. Qual é o limite entre ser sacerdote e ser celebridade? Esse é um assunto que todos nós, padres cantores, precisamos resolver. O Papa Francisco já deixou muito claro que não quer padres artistas. O padre tem que ter “cheiro” de ovelha, tem que andar misturado ao povo. Tanto que, nos meus shows, eu sempre descia junto à multidão e pedia que não me agarrassem. O povo sempre me respeitava. Agora, se o padre sobe no palco e depois some num carro cheio de guarda-costas e não fala com o povo, é um artista.

Acha que os padres cantores da atualidade estão seguindo essa recomendação? Todos eles foram meus discípulos. O padre Fábio de Melo, inclusive, foi meu aluno na faculdade. Os outros me conhecem e dizem que se inspiraram em mim. O conselho que dei para todos foi o mesmo: misturem-se com o povo.

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O padre Fábio de Melo é frequentemente visto em festas de artistas e programas de televisão. Acha que a postura dele está correta? Ele encontrou um caminho próprio e eu respeito. Essa é minha frase.

A música católica está deixando a desejar com relação à evangélica? Não. Há autores excelentes entre os evangélicos, mas a música católica continua muito boa. Eu, por exemplo, continuo compondo com o mesmo cuidado. Escrevo canções cheias de conceitos da psicologia e sociologia, que celebram símbolos conhecidos por toda a humanidade. Falo muito de pão, água, vinho, velas, luzes, ventre, colo. São letras que trazem reflexões profundas a um povo pobre, de maneira acessível. O que acontece é que os evangélicos são muito bons de marketing.

Aliás, por que a Igreja está perdendo tantos fieis para os evangélicos? Novamente, porque o marketing deles é muito agressivo. Basta ligar a televisão e ver as garantias que eles dão, os milagres que prometem. Nós católicos também presenciamos milagres, só que não fazemos propaganda disso e a multidão que vai a Aparecida está aí para provar. Só que eu não saio gritando por todos os cantos, nem expulso demônios em público, muito menos uso o palco para me exibir. Inclusive, mesmo na Igreja Católica, quando vejo alguém que se gaba desse poder, sugiro que o use nas UTIs de hospital. Os católicos tem o mérito de saber refletir. Para mim, a reflexão já é um grande milagre. Aliás, a ideia de o Brasil passar a ser um país evangélico não me assusta. Quem quiser ir embora, pode ir. Eu continuo tentando ser um bom padre católico.

A Igreja Católica deve mudar sua doutrina para atrair o público jovem? Não. Os preceitos da Igreja existem há séculos e não serão jogados fora. A doutrina católica é boa, basta que a gente descubra a melhor forma de ensinar. Para isso, é preciso considerar as necessidades dos jovens de todo o mundo – sejam católicos, evangélicos ou ateus. A ordem do Papa é que deixemos eles falarem.

Mesmo os preceitos vistos como mais ultrapassados – como o sexo antes do casamento ou as relações homossexuais? Sim. Nada mudou. Existem formas de tratar estas questões sem ofender nem impor nada a ninguém. Certa vez, um casal de namorados veio conversar comigo, aflitos por não viver o mandamento da Igreja. Ao invés de lhes punir ou sugerir que parassem de ter relações sexuais, perguntei porque não consideravam a ideia de se casar, já que se gostavam tanto. Da mesma forma, se um rapaz é apaixonado por outro, eu falo como o Papa: quem sou eu para julgar? Mas sempre pergunto: você aceita refletir comigo? Diante dessa abordagem, não encontrei nenhum que não aceite conversar.

Há grupos de cardeais conservadores que criticam a postura do Papa Francisco. Como o senhor enxerga este movimento? Essas lideranças não me preocupam porque não são relevantes. Diria que esses opositores não chegam a 1% da Igreja. De 1,3 bilhão de católicos, arrisco dizer que não chegam a 50 000 os que realmente estão fazendo barulho. A maioria dos fieis está do lado do Papa, justamente porque ele sabe conversar. Ninguém pode dizer mais que a Igreja Católica não dialoga.

Não é bem essa a imagem que a Igreja passa para o mundo… É uma imagem falsa. Todos os papas desde João XXIII abriram as portas da Igreja, cada um a seu modo. Eu mesmo sou um dos padres com origem no Concilio Vaticano II – e não somos poucos. Não tenho feito outra coisa senão deixar a esquerda, a direita e outras religiões falarem. Trabalhei com cardeais brilhantes que fizeram a mesma coisa. Os únicos que tem dificuldade de dialogar conosco são as novas igrejas que buscam adeptos. Quem acha que a Igreja Católica não dialoga é porque também está querendo se impor.

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