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Nadya, do Pussy Riot: ‘As mulheres devem rir para resistir aos ditadores’

Vocalista da banda russa, que se apresenta no Brasil neste fim de semana, fala a VEJA sobre prisão, feminismo e eterno embate com Putin

Por Amanda Capuano
Atualizado em 23 abr 2019, 14h19 - Publicado em 18 abr 2019, 16h45

Nadya Tolokonnikova, vocalista da banda russa Pussy Riot — que toca nesta sexta (19) em Recife e no sábado (20) em São Paulo — fala sobre os tempos que passou na prisão por protestar contra o regime de Vladimir Putin e explica por que lançou um livro em que conclama as garotas a ser rebeldes.

O que motivou o protesto dentro de uma catedral cristã ortodoxa que, em 2012, levou você e uma colega de banda a serem presas pelo governo de Vladimir Putin? Putin estava prestes a ser eleito presidente pela terceira vez em seis anos. E a igreja estava levantando a voz contra o aborto, enquanto pregava que as mulheres deveriam seguir determinado código de vestimenta para não serem estupradas. Nós sentimos que precisávamos fazer barulho e falar sobre os nossos direitos. A catedral não foi o primeiro lugar em que protestamos, mas depois dessa performance todos os policiais passaram a nos conhecer. Nós temos um departamento especial da polícia que é bem extremista e cujo trabalho é acompanhar jovens que dizem odiar Putin nas redes sociais. Eles nos odeiam – então ficaram felizes em nos colocar na cadeia.

E como foi a experiência de ser detida em uma prisão russa? Na verdade, eu sou grata por ter conhecido melhor as condições das cadeias russas. Foi interessante desafiar nosso sistema carcerário. Como anarquistas, nós não acreditamos que a prisão possa tornar alguém melhor. As autoridades deveriam estabelecer uma comunicação, e não simplesmente punir e torturar seres humanos. Falando como alguém que defende uma reforma penitenciária, foi uma experiência pesada e de partir o coração. A primeira coisa é que os prisioneiros não têm acesso a medicamentos. Você tem sorte se vai para a prisão sem estar doente. Eu costumava ter dores de cabeça fortíssimas e eles não tinham medicamentos simples. Quando meus familiares tentavam levar esses medicamentos para mim, não autorizavam a entrada — diziam que eles podiam ser usados como drogas. Pessoas que têm doenças sérias, como HIV ou câncer, morrem por falta de tratamento. Poderiam estar vivas em liberdade. O segundo problema são as condições de trabalho. Eu estava em uma carceragem com um sistema de trabalho escravo. A mulheres tinham de trabalhar 16 horas por dia, sem folgas. Elas morriam de exaustão. Também não tínhamos acesso a itens básicos de higiene, coisa a que todo ser humano deveria ter. Os instrumentos de trabalho eram velhos e quebravam o tempo todo. As pessoas se estressavam e gritavam, machucavam e batiam umas nas outras ao fazer serviços como limpeza pesada e lavar roupas. Era um pesadelo.

O grupo Pussy Riot (Santiago Pagnotta/.)

Sofreu alguma violência física enquanto esteve presa? Eu fui agarrada e arrastada de um lugar para o outro à força, mas não cheguei a ser espancada. Existem níveis de violência física e eu fui exposta a alguns. Os guardas e outras detentas costumavam dizer que iriam me matar se eu não fosse uma Pussy Riot. Sabiam que eu estava disposta a denunciar os abusos dentro do sistema carcerário. Nosso caso era famoso, eu tinha a mídia e advogados do meu lado, e isso muda muita coisa. Quando você está ali, você não é uma só pessoa, mas toda uma multidão.

Durante o período na cadeia, você iniciou uma greve de fome. Quanto tempo isso durou? Fiz três greves de fome, na verdade. Nenhuma delas foi excepcional. A primeira durou dez dias, a segunda, cinco, e a terceira, uma semana. Acho que a última foi a mais eficaz, porque eu escrevi uma carta sobre as condições das prisões russas enquanto estava em greve e alguém traduziu para o inglês. E foi aí que o sistema carcerário russo percebeu que estava sendo exposto, e eles não querem chamar atenção para seus crimes. Cinco anos depois do início da minha greve de fome, o sistema carcerário federal fez uma declaração pública reconhecendo que eu estava certa. Eles nunca mencionam o nome de ativistas, mas citaram o meu e assumiram que havia crimes terríveis acontecendo, havia trabalho escravo, e que isso deveria mudar e quem estava no comando deveria ser punido criminalmente. Houve um processo criminal contra o chefe da prisão.

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Aos 29 anos, não tem medo de voltar para a cadeia? Sim, eu tenho. Mas não penso nisso com tanta frequência. É uma possibilidade, pode acontecer. Não gosto dessa possibilidade, mas é um risco se você quer mudar as coisas.

Uma das coisas mais desafiadoras que você pode fazer para irritar ditadores é mostrar que eles não têm poder sobre você é rir na cara deles. No meu julgamento, eu ria e gargalhava o tempo todo.

Nadya Tolokonnikova, do Pussy Riot

Seu recém-lançado livro, Um Guia Pussy Riot para o Ativismo (editora Ubu), conclama as garotas a se rebelar contra o poder. Quais conselhos daria às feministas brasileiras, que estão enfrentando uma maré ultraconservadora no governo? Sejam pacientes. As coisas talvez não aconteçam na hora, e vai levar um tempo até que as mulheres consigam o que desejam. Paciência, persistência, teimosia e coragem em uma mão. E, na outra, manter a habilidade de se divertir, mesmo nas piores circunstâncias. Uma das coisas mais desafiadoras que você pode fazer para irritar ditadores é mostrar que eles não têm poder sobre você é rir na cara deles. No meu julgamento, eu ria e gargalhava o tempo todo. Não para me exibir, mas porque estava feliz em reencontrar minhas colegas. Isso realmente foi irritante para eles, ficou até registrado na minha ficha criminal que, ao receber a sentença, que eu estava rindo no tribunal. Na verdade, foi um dos motivos pelos quais passei dois anos na cadeia.

No ano passado, o Pussy Riot protestou contra a violência policial invadindo o campo na final da Copa do Mundo da Rússia, em Moscou. Depois disso, Peter Verzilov, um dos membros do grupo e seu ex marido, foi hospitalizado por envenenamento. Foi só uma coincidência? Sabe, enquanto estamos conversando, soube que uma das integrantes do Pussy Riot, Veronika Nikulshina, está detida em Moscou por nenhum motivo aparente. Ela é atriz e estava a caminho de uma performance quando foi presa. Não sabemos o que está acontecendo, mas o fato é que ela figura na lista negra do serviço de espionagem russo. Peter está surtando por causa da Veronika, mas, fisicamente, ele agora está bem. Peter se recuperou, mas por um tempo não sabíamos se isso aconteceria. Tivemos de transferi-lo de um hospital russo para Berlim, pois não tínhamos certeza se os médicos fariam seu trabalho direito na Rússia. Eles são profissionais, mas existem pessoas acima deles, inclusive agentes da KGB, e era perigoso demais. Na primeira vez em que vi Peter depois do envenenamento, ele tinha acabado de ficar consciente e não me reconheceu. Passamos uma semana juntos e ele não se lembrava de que eu estava lá. Falava e via coisas que não existiam. Foi devastador para mim. Ele se recuperou, mas ainda não sabemos exatamente o que aconteceu.

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Pode ter sido mesmo um envenenamento encomendado pelo governo russo, como se aventou? Definitivamente. Temos várias versões sobre o que pode ter acontecido, mas a mais provável é uma combinação de fatores. Ele participou do protesto na final da Copa, que Putin e (o presidente francês Emmanuel) Macron estavam assistindo. Putin não é conhecido como alguém misericordioso, capaz de perdoar. Além disso, Peter estava investigando o assassinato de amigos jornalistas na África, com provável envolvimento de oligarcas próximos a Putin.

Como é ser membro de uma banda de punk feminista sob o governo Putin? É divertido. Especialmente agora que isso está se tornando uma tendência em vários lugares. O feminismo está crescendo, você consegue ver isso no Brasil. Está acontecendo o mesmo na Rússia. Em vez de virarem blogueiras de beleza, as garotas estão fazendo blogs feministas. Quando nós começamos, não era assim. Até o Peter, que era meu marido na época, chegou a perguntar se eu tinha certeza de que queria montar uma banda feminista, pois as pessoas não ligavam para isso.

Uma música do Pussy Riot se chama Make America Great Again, ironizando o slogan da campanha de Donald Trump. O presidente americano e Putin têm coisas em comum? Em alguns aspectos, sim. Os dois se importam apenas com dinheiro e poder. Eles não têm uma plataforma política e ideológica consistente. Putin era contra religiões quando estava na KGB, e hoje é um entusiasta. A misoginia também é igual, assim como o nível de ódio em relação às pessoas diferentes e a recusa em tolerar coisas que não entendem.

Já tem opinião formada sobre o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro? Eu ouvi coisas sobre ele, mas era melhor não ter ouvido. As notícias que chegaram a mim são muito ruins. Sinto muito que vocês tenham esse cara no poder.

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