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Museus de arte nacionais vivem seus dias de rock

Bom momento econômico do país e profissionalização dão ao setor uma agenda que ele não tinha desde os anos 1990, com a vinda em peso de mostras de grandes nomes, dos renascentistas aos contemporâneos

Por Mariana Zylberkan
22 jan 2012, 13h42

Os olhos dos amantes das artes plásticas não foram tão requisitados, ao longo de 2011, quanto os ouvidos dos fãs de música. Mesmo assim, os frequentadores de museus e galerias têm algo a comemorar. No ano passado, eles viram aportar no Brasil mais de dez grandes nomes das artes, em mostras que se espalharam para além do eixo Rio-São Paulo — um feito que pode se repetir em 2012. Foram exposições como Em Nome dos Artistas, que reuniu criações de ícones como Damien Hirst e Jeff Koons no prédio da Bienal, em São Paulo, Sigmar Polke, no Museu de Arte de São Paulo (Masp), e Amadeo Modigliani, que começou por Vitória, segue este mês para o Rio e em abril vai para São Paulo. A movimentação do mercado expositor, que faz lembrar o bom momento vivido nos anos 1990, e pode superá-lo, é um novo marco para os museus nacionais. Que vivem seus dias de rock, recebendo, no lugar das estrelas da música, os popstars das artes plásticas.

Para 2012, estão previstas outras mostras de peso. Como a do alemão Lucian Freud, que terá suas gravuras expostas, no segundo semestre, no Museu de Arte de São Paulo (Masp), por onde também passará Giorgio de Chirico, outro a circular pelo país – ele entrou em cartaz primeiro em Porto Alegre, no final do ano passado, e em março segue para Belo Horizonte (confira lista abaixo).

A agenda cheia ajuda a espanar o pó das salas de exposição, que desde o início dos anos 2000 não acomodavam tantos figurões das artes. E a recuperar um terreno que o Brasil começou a conquistar há vinte anos e se viu perdendo especialmente a partir de 2004, com a queda do presidente da BrasilConnects, o banqueiro e colecionador de arte Edemar Cid Ferreira, acusado de fraude e formação de quadrilha à frente do Banco Santos. A organização foi responsável por mostras como Picasso na Oca (2004) e A Bigger Splash (2003), que, juntamente com exposições como as de Degas e Rodin, em 1995, e a de Monet, em 1997, representaram a estreia do país no circuito internacional de artes (vide lista).

“O crescimento atual é resultado de um processo lento e gradual. Antes, apenas a Bienal assumia o papel de inserir a arte internacional no Brasil. Hoje, com o crescimento do mercado, esse papel está também com outras instituições”, diz Moacir dos Anjos, curador da 29ª edição da Bienal Internacional de São Paulo (2010). Para o curador, a aceleração desse processo de inserção da arte estrangeira no país, verificado especialmente nos últimos anos (2010 teve pelo menos sete grandes mostras, como a de Ródtchenko e Andy Warhol), se deu graças à maior presença do Brasil no circuito de arte internacional. Que, por sua vez, se deve à chegada de artistas nacionais a museus e leilões estrangeiros e também à profissionalização do setor. “Hoje dispomos de mecanismos institucionais mais sólidos, tanto para financiar como para atender os requisitos de qualidade exigidos pelas instituições internacionais que organizam as exposições.”

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A Europa também tem dado uma força para o Brasil se aproximar da rota das grandes exposições mundiais. Explica-se: a recessão econômica no Velho Mundo deixa o caminho mais livre para que as instituições mundiais saiam em busca de novos mercados. “Supostamente, o Brasil não está em crise e isso abre espaço para o país. Há maior interesse das grandes instituições pelo Brasil. É mais uma questão psicológica, mas os museus internacionais fazem questão de não serem esquecidos por aqui”, afirma José Roberto Teixeira Coelho, curador do Masp.

Trata-se de uma maré positiva para o país. Mais profissional e economicamente estável, pela primeira vez, o Brasil dispõe de condições para aproveitar a abertura do circuito mundial de artes, que vem sendo impulsionada pela globalização e a crise na economia global.

Apesar do quadro otimista, não há motivo para euforia, porém, segundo o economista George Kornis, especialista em economia do entretenimento. Ainda que esteja melhor hoje do que ontem, o Brasil ainda tem um lugar pequeno no mercado mundial de arte. “A liderança desse setor está nas mãos dos países anglo-saxões, que respondem por 60% a 75% do bolo global. O Brasil tem fatia equivalente a 0,25%.”

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A discrepância do papel exercido pelo Brasil em relação aos líderes do mercado, segundo Kornis, é explicada pela falta de capitalização das empresas que formam o setor (as galerias), além da alta taxação (impostos) e da escassez de órgãos certificadores (que coíbam a falsificação e o mercado paralelo). E da curta experiência do país no ramo. “O mercado de arte nasceu no Brasil nos anos 1950, enquanto os Estados Unidos teve início no século XIX. Ainda temos um longo caminho a percorrer.”

Vendas de obras – Os números relacionados às exportações de obras nacionais deixam claro que pelo menos uma parte da estrada já foi percorrida. Entre 2005 e 2011, o valor arrecadado com as vendas de arte brasileira ao exterior triplicou. Em 2005, foram comercializados 10,3 milhões de dólares em arte nacional em galerias estrangeiras. Em 2011, até o mês de setembro, o montante era de 35 milhões de dólares. Mais: os números referentes a 2011 já ultrapassaram o volume total de exportações de 2010, de 34,9 milhões de dólares, segundo dados coletados pelo convênio entre a Associação Brasileira de Arte Contemporânea (ABACT) e a Apex Brasil.

O aumento nas exportações de obras de arte é impulsionado, em grande parte, pelas feiras organizadas nos últimos anos. Desde a primeira edição, a SP Arte registra um crescimento nas vendas de até 30% ao ano. “A boa produção de arte aliada à fluência econômica do Brasil ofereceram condições de crescimento ao mercado”, conta Fernanda Feitosa, diretora da SP Arte. Já no Rio de Janeiro, a Art Rio, feira realizada pela primeira vez em 2011, comercializou 120 milhões de reais em obras de artistas nacionais e internacionais, segundo a organização. Além de fomentar o surgimento de feiras, o bom momento do segmento propicia o aparecimento de um novo tipo de consumidor: a classe média está comprando arte (confira texto no pé da página).

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O ano de 2011 também foi aquele em que o primeiro fundo de financiamento em artes passou a funcionar no país. O Brazil Golden Art (BGA), da gestora Plural Capital, fundada por quatro ex-sócios do banco de investimentos Pactual, reúne setenta investidores que, juntos, captaram 40 milhões de reais. A meta do grupo é criar um acervo próprio, com 2.000 obras de artistas nacionais, em até quatro anos. Atualmente, o fundo dispõe de 300 trabalhos de nomes consagrados, como Beatriz Milhazes e Tunga.

Para participar, cada sócio deve investir no mínimo 100.000 reais. O lucro é dividido com a compra e a venda do acervo colecionado. “Isso é só o começo”, diz Heitor Reis, um dos sócios do BGA.

Exportar cada vez mais arte coloca o Brasil numa situação favorável num mercado que funciona na base de trocas. “Tudo o que é exportado retorna em termos de diálogo. Ter mais artistas brasileiros no exterior significa ter mais exposições importantes em nosso país”, diz Alessandra D’Aloia, sócia-diretora da galeria Fortes Vilaça, lembrando o bom momento da programação nacional de mostras.

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Foco nos modernistas – Dentro do crescente interesse em torno de artistas brasileiros no exterior, se destaca a descoberta – lá fora – dos nossos modernistas e neoconcretistas. Está prevista para 2013 a organização de uma exposição da neoconcretista Lygia Clark no Museu de Arte Moderna de Nova York (Moma). Em 2013, a artista suíça naturalizada brasileira Mira Schendel terá sua obra exposta no Museu Britânico e Internacional de Arte Moderna (Tate Modern Museum).

Essa programação reafirma o interesse de instituições estrangeiras pela arte brasileira cuja maior intensidade foi marcada pela exposição de Hélio Oiticica, em 2007, no Tate Modern, que também abrigou a mostra de Cildo Meireles em 2008. Em junho de 2011, Lygia Pape teve sua obra exposta no museu Reina Sofia, em Madri.

Formação de público – O bom desempenho do mercado de arte brasileiro se reflete também na frequência dos museus. A maioria registrou aumento de visitantes nos últimos anos. O Museu de Arte Moderna da Bahia, por exemplo, calcula um salto de 170.000 visitantes entre 2007 e 2011. Neste ano, até o mês de outubro, o Museu de Belas Artes, no Rio de Janeiro, recebeu 69.561 pessoas, 7.000 a mais do registrado em 2007.

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Em Inhotim, em Minas Gerais, onde o empresário Bernardo Paz abriu em 2006 o Instituto de Arte Contemporânea para abrigar obras de artistas importantes como os brasileiros Adriana Varejão, Cildo Meirelles e Hélio Oiticica e o americano Matthew Barney, os números são igualmente surpreendentes. No primeiro ano, o instituto recebeu 7.114 pessoas. Em 2011, foram registrados 190.751 visitantes.

Desde 2007, a Pinacoteca de São Paulo mantém a média de 500.000 frequentadores por ano. O Museu de Arte de São Paulo (Masp) dobrou o número de visitantes nos últimos cinco anos e, atualmente, recebe 700.000 pessoas por ano.

Novos colecionadores

A advogada Roberta di Ricco Loria, de 26 anos, comprou recentemente sua primeira obra de arte. Apesar de se sentir atraída por telas e fotografias, Roberta sempre relutou em finalmente levar uma peça para casa. “Fico em dúvida entre adquirir uma obra e fazer uma viagem bacana”, diz a advogada que desembolsou 3000 reais em três telas recentemente.

Roberta faz parte do grupo de novos colecionadores que tem se tornado cada vez mais atuante no mercado de arte brasileiro. São jovens na faixa de 25 a 35 anos, a maioria publicitários, que tentam afirmar sua originalidade através da aquisição de peças únicas. “A obra de arte está mais inserida no cotidiano das pessoas. Isso tem a ver com o maior espaço que a imagem ocupa na sociedade atualmente. Além disso, a internet ajudou a disseminar a arte de rua e digital. Essas novas plataformas dessacralizaram a arte contemporânea que deixou de ser vista como algo conceitual para fazer parte da vida de todos”, diz Eduardo Saretta, sócio da galeria Choque Cultural.

Os novos colecionadores ganharam maior representatividade recentemente. Entre os dias 17 e 20 de novembro, foi organizada, em São Paulo, a primeira feira de arte voltada especificamente para esse público. As 22 galerias participantes expôs obras com preço médio de 3.000 reais e, máximo, de 10.000 reais. Em seis dias, calcula-se que foi comercializado o equivalente a 1,5 milhão de reais. “A maioria das 65 mil pessoas que foram à feira era formada por jovens, profissionais liberais e donos de um gosto estético apurado que consome objetos de design e filmes de arte”, diz Lina Wurzmann, organizadora da Feira Parte.

Os novos colecionadores já representam 30% do número de obras vendidas na galeria Emma Thomas, em São Paulo. “Temos facilidades de pagamento para esse público, aumentamos o número de parcelas para incentivar a formação desse público”, diz a galerista Flaviana Bernardo.

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