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Moulin Rouge, o mais novo sucesso da Broadway

A versão no teatro do filme de 2001 reaviva a fervilhante Paris do século XIX em um diálogo entre passado e presente

Por Maria Clara Vieira, de Nova York
22 nov 2019, 12h40

Um tórrido romance proibido ambientado em uma Paris movida a sexo, drogas, absinto e can can no eletrizante século XIX. Tudo isto contado – e cantado – por meio de letras consagradas do pop e do rock. Dono de dois Oscars (figurino e direção de arte) e um Globo de Ouro de melhor filme musical, Moulin Rouge (2001) conquistou público e crítica com todo o exagero que pede uma história cujo subtítulo é “amor em vermelho”. Dezoito anos depois de marcar a história do cinema musical, a trama finalmente desembarcou na Broadway, formando filas e mais filas às portas do Al Hirschfeld Theater desde junho deste ano. Em poucas semanas, já era a segunda trilha sonora mais baixada na lista da Billboard, superada apenas pelo multimilionário sucesso Hamilton.

O frenesi não é para menos. Aclamado como o “musical para quem não gosta de musicais”, o filme de Baz Luhrmann (Romeu e Julieta), que tem seu principal trunfo nas versões bem-humoradas de canções famosas interpretadas por um elenco de peso (uma estonteante Nicole Kidman ao lado do escocês Ewan McGregor dão vida aos personagens principais), ganhou, em Nova York, um fôlego de modernidade e exuberância. No palco, os veteranos Karen Olivo (West Side Story) e Aaron Tveit (Os Miseráveis) protagonizam a peça que é um divertido diálogo entre passado e presente: ao lado de David Bowie, Elton John e Madonna, ouve-se Lady Gaga, Rihanna, Sia, Adele e Sam Smith. O resultado é um espetáculo vibrante e engraçado, que une na cantoria e nas gargalhadas gerações que dificilmente se esbarrariam na plateia de um show comum. Os sussurros ouvidos a cada apresentação confirmam a impressão de se estar em uma espécie de karaokê coletivo, onde todo mundo sabe cantar alguma música, mas ninguém pode abrir a boca. A energia fica para os aplausos.

A segurança de uma história bem-sucedida sustenta as inovações: a trama em cartaz não difere em quase nada do original. Para salvar o famoso bordel da falência, a cortesã Satine – a estrela do Moulin Rouge – é compelida a servir ao duque de Monroth e convencê-lo a patrocinar um espetáculo de autoria de escritor Christian, com quem a protagonista vive um romance proibido. A história acaba em tragédia (lembrando que não existe spoiler quase duas décadas depois do lançamento): vítima de uma doença respiratória, Satine morre nos braços do amante, diante dos aplausos da plateia. Durante as quase três horas e meia de espetáculo na Broadway, o público é levado a conhecer um pouco mais sobre a história dos personagens principais e coadjuvantes: descobre-se, por exemplo, detalhes da infância da protagonista e seu melhor amigo, bem como histórias escabrosas sobre o vilão que, se por um lado, tornam a trama mais maniqueísta, por outro, rendem belos números musicais.

Ganham mais cenas, por exemplo, os colegas boêmios de Christian, especialmente o artista Henri de Toulouse-Lautrec, inspirado no pintor morto em 1901. Aliás, o personagem, que na vida real era anão e foi representado nas telas por um John Lenguizamo (Romeu e Julieta) constantemente de joelhos, agora tem estatura mediana e é negro, vivido pelo americano Sahr Ngauja (The Blacklist). Lautrec é o intérprete de uma das primeiras surpresas do espetáculo: no momento em que Christian é apresentado à boemia parisiense e o grupo descreve sua ascendência nada burguesa, o pintor é quem lidera um empolgante mashup de Royals, da cantora neozelandesa Lorde, Children of the Revolution, de T. Rex e We Are Young, sucesso do grupo Fun com Janelle Monae – muito mais animado do que a cena original.

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O artifício de misturar canções antigas a composições recentes funciona também para as letras que marcaram a versão cinematográfica: Sparkling Diamonds, a já conhecida mistura de Marilyn Monroe com Madonna, agora conta também com versos de Single Ladies, de Beyoncé; enquanto o mais famoso dos mashups do filme, o Elephant Love Medley, une os trechos de Your Song, de Elton John e In The Name of Love, do U2, com linhas das açucaradas Torn, de Natalia Imbruglia, e Fidelity, de Regina Spektor. Tudo isso em um frenesi de glitter, lua cheia, Torre Eiffel e, claro, o Elefante – o aposento de luxo do Moulin Rouge, reproduzido à perfeição no palco e favorito das selfies pré e pós-espetáculo. O cenário, diga-se de passagem, é um show à parte.

Os solos dos coadjuvantes – alguns inexistentes e outros desprezados no filme – também conquistam a plateia. Na peça, o duque de Monroth, agora interpretado pelo inglês Tam Mutu, ganha contornos mais maléficos e leva aos palcos uma versão brilhante de Only Girl in The World, de Rihanna. Já a performance da clássica Like a Virgin, interpretada pelo personagem Harold Zidler, é substituída por uma versão de Chandelier, da australiana Sia, resultando em uma das cenas mais engraças da peça – imagine o gorducho dono do Moulin Rouge tentando convencer um deprimido Christian a se embebedar para esquecer a amada lembrando-o que “party girls don’t get hurt” (meninas festeiras não se magoam).

A sequência, contudo, deixou a desejar: quase ao final do espetáculo, o Tango de Roxanne, uma das mais famosas adaptações do cinema, perdeu força ao ser interpretado pelo próprio Christian ao invés do coadjuvante Santiago, o argentino boêmio que, no filme, transforma a balada de The Police em tango. A falha, contudo, é perdoada pela interpretação deliciosa de mais um número inédito protagonizado pelo corpo de baile: uma mistura de Bad Romance, de Lady Gaga, a recém-revivida Sweet Dreams e a boa e velha Toxic, de Britney Spears. – de longe, o número mais surpreendente e dançante do espetáculo. A substituição do belo solo One Day I’ll Fly Away, uma das poucas canções originais do filme, por Firework, de Katy Perry, foi uma das poucas apostas malsucedidas. Manteve-se intacta a música tema do casal protagonista, salvo pela reprise no final da história. O novo “grand finale” conta uma interpretação de Come What May menos suntuosa e emocionante que a do filme – pecado redimido com a animadíssima despedida do elenco, ao som Hey Ya.

Miudezas à parte, o saldo desta colorida miscelânea de gerações é definitivamente positivo. Ao cabo dos dezoito anos que separam a estreia no cinema ao sucesso na Broadway, pode-se dizer que a alma vibrante e jovial de Moulin Rouge sobreviveu às agruras do tempo e ao nascimento de uma geração que sequer conhece as referências à A Noviça Rebelde do começo da obra. Resta fazer piada com “ga-ga-uh-lala”: e que bom que faz. Como toda a arte, em tempos velozes, é bom que o teatro se reinvente; que saiba polir acordes e reformar letras, preservando as boas histórias que se unem ao coro dos boêmios parisienses por “liberdade, beleza, verdade e amor”.

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