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Maria Fernanda Cândido fala sobre papel em filme de máfia: ‘Sufocante’

Atriz brasileira interpreta a mulher de Tommaso Buscetta, que delatou companheiros da Cosa Nostra, em 'O Traidor', dirigido por Marco Bellocchio

Por Mariane Morisawa, de Cannes
24 Maio 2019, 18h27

Tem um pé no Brasil o longa O Traidor, dirigido pelo italiano Marco Bellocchio, sobre o mafioso Tommaso Buscetta, que delatou chefes e integrantes da Cosa Nostra nos anos 1990, levando à prisão de centenas. Buscetta morou no Brasil muitos anos (condensados no filme) e se casou com a brasileira Maria Cristina de Almeida Guimarães.

Por conta disso, algumas das cenas foram rodadas no Brasil, que é coprodutor com Itália, Alemanha e França. A produtora Gullane (Bicho de Sete Cabeças, Que Horas Ela Volta?, Bingo, O Rei das Manhãs) ajudou a estruturar o projeto. “Além da participação financeira, tivemos um grande trabalho conjunto, especialmente no campo artístico”, disse Fabiano Gullane. Isso envolveu diretor de arte, figurinista, produtor de locação, maquiador locais, além da presença no elenco de Maria Fernanda Cândido como Maria Cristina.

Elenco do filme ‘O Traidor’, do italiano Marco Bellocchio
Elenco do filme ‘O Traidor’, do italiano Marco Bellocchio (//Divulgação)

O filme, que disputa a Palma de Ouro no Festival de Cannes, tem muito pouco a ver com produções americanas que glamorizam a máfia, como O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola, ou mesmo as de Martin Scorsese. Aqui, a Cosa Nostra não tem glamour nenhum.

Nos anos 1980, Buscetta, interpretado por Pierfrancesco Favino, foge para o Brasil no meio de uma guerra dos chefões da máfia siciliana pelo controle do tráfico de heroína. Em Palermo, o número de vítimas aumenta rapidamente, incluindo os filhos e o irmão de Buscetta. Ele é preso pela polícia brasileira, torturado (em cenas impressionantes que envolvem também Maria Cristina) e por fim extraditado. Na Itália, resolve colaborar com o juiz Giovanni Falcone, tornando-se assim o traidor do título. Ninguém sabe direito quais suas razões, mas sua ação resultou na acusação de 475 pessoas.

As cenas do julgamento Maxi são inacreditáveis, circenses. Bellocchio sabe como conduzi-las. Também impressiona o assassinato de Falcone, seguida pela comemoração dos membros da Cosa Nostra.

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Em entrevista a VEJA, Maria Fernanda Cândido diz que se lembrava vagamente do caso. “Eu já tinha ouvido falar do mafioso italiano que tinha morado no Brasil e foi extraditado”, conta. “Quando comecei as pesquisas, pude conhecer a história da Maria Cristina de Almeida Guimarães. Uma mulher muito forte, sólida, muito culta, falava sete línguas, advogada, e que se apaixona por um criminoso. E ele foi muito sincero, num primeiro momento falou que tinha problemas com a polícia, que não era homem para ela. Mas já estavam muito apaixonados, foi amor à primeira vista. A família dela se opôs. Mas não teve jeito porque ela amava esse homem muito profundamente.”

A seguir, os principais trechos da conversa com a atriz:

Chegou a falar com alguém da família? A gente até tentou, mas é impossível por questões de segurança e de justiça (Maria Cristina está no programa de proteção a testemunhas).

Foi fácil entender esse amor? Não. Porque esse amor é a própria contradição, é o paradoxo, a pergunta que não tem resposta. É a complexidade da existência humana que não obedece à lógica linear, à razão. São outras razões, outras lógicas. E isso é o que me interessa acima de tudo como atriz.

Como foi a experiência de estar em Cannes? Fiquei feliz de ser escolhida pelo Bellocchio para fazer a personagem porque ele é um dos grandes cineastas do mundo. E de estar aqui no Festival de Cannes, de atravessar este tapete vermelho, que não é só um tapete vermelho no sentido do glamour, mas um tapete vermelho que reverencia a sétima arte, o cinema de autor, que privilegia os diretores do mundo todo. Esta para mim é a maior honra, estar aqui celebrando o cinema, que é minha grande paixão.

Quais dos temas do filme mais a interessaram? É um retrato muito específico de uma cultura, de um país. Estamos falando de uma cidade. Mas ele é muito universal. Porque a questão central para mim não é se ele era um herói ou um vilão. A questão é o dilema entre você abandonar sua tradição para caminhar em direção a seu futuro ou não. O trair ou não trair. É uma questão profunda que ressoa no homem contemporâneo. No caso do Tommaso Buscetta, tem uma questão a mais, ele seria um traidor conservador, porque ele trai a Cosa Nostra pois entendia que a própria Cosa Nostra já não era mais a Cosa Nostra, com os princípios, os valores e a ética do passado. Em sua cabeça, talvez nem estivesse traindo porque a verdadeira Cosa Nostra já não existia. Ele estava traindo para salvar. Você fica pensando que ele era um herói. Mas era uma organização criminosa! São muitas questões que o filme levanta.

A Maria Cristina resiste e discorda muitas vezes do Buscetta. Ela resiste, sem abandonar o marido. Maria Cristina não está de acordo com ele. Não virou uma mafiosa.     

Como foi navegar esse universo tão masculino? Foi muito difícil ser uma presença feminina solitária num mundo muito machista, de um patriarcado muito vigoroso. O esforço da atriz era muito próximo do esforço da própria personagem para sobreviver, para não estar ali sufocada, porque todo o movimento era muito sufocante, era de violência, de agressividade, de competição. De certa forma para mim é o retrato de um mundo que a gente não quer. Nós não queremos isso no mundo. É um filme que deixa uma reflexão a respeito da presença feminina nas relações, na vida e na existência, do que essa energia pode trazer. De como ela pode, sim, contribuir de uma maneira muito mais amorosa, trazendo mais sensibilidade.

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