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Joaquin Phoenix exclusivo: ‘Assassinei minha persona em público’

Ator, que está em ‘Maria Madalena’, fala sobre as dificuldades com a fama e o desafio de interpretar Jesus Cristo

Por Mariane Morisawa
Atualizado em 9 abr 2018, 17h00 - Publicado em 17 mar 2018, 08h03

Aos 43 anos, Joaquin Phoenix é considerado um dos atores mais talentosos de Hollywood – e também um dos mais difíceis de decifrar. Concorrente ao Oscar três vezes (por Gladiador, Johnny & June e O Mestre), começou a carreira ainda criança, apresentando-se na rua com os irmãos, entre eles River Phoenix, morto aos 23 de overdose.

Por um tempo, o mundo achou que Joaquin tinha enlouquecido de vez, quando apareceu no programa de entrevistas de David Letterman descabelado, falando coisas incoerentes e dizendo que ia abandonar a carreira de ator para virar rapper. Era tudo material para o falso documentário I’m Still Here. Depois do filme, trabalhou com diretores de prestígio, como Paul Thomas Anderson (duas vezes), Spike Jonze e Woody Allen.

Em Maria Madalena, de Garth Davis, interpreta Jesus Cristo. O filme foca na sua discípula (vivida por Rooney Mara), que foi considerada uma prostituta por muitos anos, devido a uma homilia assinada em 591 pelo papa Gregório I.

 

Muito da nossa agressão e violência vem de coisas que apendemos. Tenho interesse em reagir de maneira diferente e encontrar um jeito de me comunicar de forma não violenta. Não é uma ideia hippie

Na conversa com VEJA, ele comentou as dificuldades do papel, o que I’m Still Here representou para ele, seu comportamento estranho em coletivas de imprensa e o tempo em que viveu na América do Sul com a família:

 

Como interpretar a dualidade entre o divino e o humano em Jesus Cristo? Acredito que todos temos acesso a esses dois lados. Todos somos carne e espírito. Também me inspirei em figuras contemporâneas que vivem de acordo com esses valores. A Irmã Helen Prejean, por exemplo, que conversa com presos no corredor da morte e os perdoa. Ou o Reverendo James Lawson, que luta pelos direitos civis e trabalhou com o Dr. Martin Luther King. Ele ainda dá workshops de não-violência em Los Angeles dos quais participo. Ele sofreu atentados e ainda assim encontrou força para não reagir com violência.

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Como é esse workshop? É para encontrar maneiras de não reagir emocionalmente. Muito da nossa agressão e violência vem de coisas que apendemos. Tenho interesse em reagir de maneira diferente e encontrar um jeito de me comunicar de forma não violenta. Não estou falando nem de violência física, mas de violência verbal. Minha mãe tem uma organização de construção da paz e trabalhou em justiça restaurativa durante anos. Não é uma ideia hippie, é possível aprender técnicas. Acho que muitas vezes temos a expectativa de que os políticos resolvam tudo, o que se torna muito frustrante. Mas dá para pensar: o que posso fazer na minha própria vida? Não sou contra ser ativo politicamente, mas também há algo que cada um de nós pode fazer agora mesmo para afetar pelo menos o mundo que está à nossa volta.

Depois de uns anos fazendo entrevistas, você cria uma persona, de propósito ou não, que é sua persona pública. Tem algo muito perigoso nisso. Especialmente se você quer encontrar honestidade nas suas performances

Rooney Mara disse que não queria ler de novo a Bíblia, mas, como você estava lendo e os dois tiveram conversas interessantes, ela se interessou. E depois vocês foram juntos para Israel. Como essa preparação o aproximou do personagem Jesus Cristo? Claro que ler o material pode ser bom, mas não há nada como tocar a história. Quando tivemos a oportunidade, foi interessante. Fora que sou judeu e nunca havia ido a Israel. Apesar de nunca ter sido um judeu praticante, tinha curiosidade sobre a região. Foi importante andar naquela área, por aquelas ruas, e conhecer Rooney melhor nesse período (os dois estão namorando). Eu não li a Bíblia inteira. Nunca li! Mas li os Evangelhos de Mateus, Lucas, João, Marcos. E o Evangelho de Maria vale a pena. Se tiver a chance, leia, é um dos livros mais bonitos que já li. E há coisas pequenas, particularmente quando você está estudando, como aquele momento no Getsêmani em que ele pede a Deus para poupá-lo se houver outra maneira. É um momento famoso. Mas, ao ler durante a preparação para o papel, senti pela primeira vez o sacrifício que ele estava fazendo e como possuía conflitos com isso.

Jesus (Joaquin Phoenix), e Maria (Rooney Mara) em cena do filme 'Maria Madalena'
Jesus (Joaquin Phoenix), e Maria (Rooney Mara) em cena do filme ‘Maria Madalena’ (//Divulgação)

 

Na época de Ela, você disse que fazer I’m Still Here o levou a redescobrir a paixão de atuar. Ainda se sente assim? Não sei. Quando faço entrevistas, tenho de tentar analisar e pensar nas coisas que me perguntam. Se fosse analisar por diversão ou para pensar criticamente, uns anos antes de I’m Still Here tive minha primeira explosão de fama, com Johnny & June. Nunca havia feito um filme de tanto sucesso, a não ser Gladiador, quando era bem mais jovem e em que tive um papel coadjuvante. Foi a primeira vez em que confrontei a fama. Sempre tinha conseguido escapar. E, olha, não é que tenha sido tão terrível. Eu não era cercado na rua. Mas para mim era demais. Depois de uns anos fazendo entrevistas, você cria uma persona, de propósito ou não, que é sua persona pública. Tem algo muito perigoso nisso. Especialmente se você quer encontrar honestidade nas suas performances. Acaba acontecendo com muitos atores, conforme eles envelhecem, sua persona pública e seus personagens se misturam. Pode até ficar ruim a ponto de fazerem auto-referências a trabalhos anteriores. Achava isso perigoso. Acredito que lá no fundo tinha medo de que isso acontecesse comigo.

Não quero ir a uma coletiva e ter o sentimento de que não gosto e que não me parece sincero. Ao mesmo tempo, é uma pena, porque eu compreendo a necessidade de muitas das questões, muitas vezes gostaria de poder respondê-las. Admiro a curiosidade

Você está dizendo que criou uma persona? Sim. Essa persona pública tinha um certo mistério, uma excentricidade. Talvez naquela época achasse isso bacana. Me lembrava de coisas que tinha lido sobre alguns músicos anos antes. E percebi que eu não queria aquilo. Que queria ser o mais autêntico possível. Então, de certa forma em I’m Still Here criei essa última persona baseada na minha ideia de como os outros me viam e nas coisas que eu tinha feito para encorajar aquela percepção. E decidi assassinar aquela persona em público. Assim terminaria a ideia de sentir qualquer necessidade de ser um performer de mim mesmo, de criar qualquer tipo de persona. De agora em diante, não quero mais fazer isso na imprensa. Não quero participar da criação dessa imagem falsa de mim mesmo. Sei que provavelmente ainda acontece, e não há nada que se possa fazer a respeito, mas eu não participo mais.

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Imagino que dar entrevistas não é a parte favorita do seu trabalho. Mas você parece bastante incomodado nas coletivas de imprensa. Por quê? Não sei direito. Não me incomoda esse tipo de interação que estamos tendo, quando são entrevistas com um repórter. Para mim, parece uma conversa. Sei que ambos amamos filmes. Há uma conversa a ter, e gosto disso. Numa coletiva, chego e tem uma sessão de fotos, com gente gritando e centenas de cliques. Aí entro, estou num pódio, tem um monte de gente, falo ao microfone. Não parece uma conversa. Parece um interrogatório. Uma proclamação. Não quero fazer parte disso, não quero me sentir assim nem conversar sobre cinema assim. Me deixa com um gosto amargo na boca. Já tem tanta coisa para combater quando se faz um filme, não quero adicionar algo.

Quais as coisas a combater? A dificuldade de atuar, para mim, é ter de ser incrivelmente aberto e sensível e receptivo ao que acontece no momento. Ter de sentir as coisas intensamente e ao mesmo tempo censurar o fato de haver uma câmera, um operador de microfone, um monte de gente com seus próprios sentimentos. É uma luta. Tenho esse conflito no meu trabalho. Então, não quero ir a uma coletiva e ter esse outro sentimento de que não gosto e que não me parece sincero. Ao mesmo tempo, é uma pena, porque eu compreendo a necessidade de muitas das questões, muitas vezes gostaria de poder respondê-las. Admiro a curiosidade. E amo a ideia de um festival de cinema, onde as pessoas vêm de todas as partes do mundo para se reunir e ver filmes. Mas há partes de mim que têm dificuldade com isso.

Sei que em partes da sua infância e juventude você passou um tempo na América do Sul. Alguma coisa daquela experiência ficou com você? Tenho muitas memórias. Na Venezuela, morávamos com uma senhora. Meu pai cuidava dela e de sua propriedade. Ela tinha piscina, onde eu nadava. Havia iguanas por todas as partes, e eu tinha medo daqueles bichos. Me lembro muito disso. E também me recordo que um dia ela saiu. Nós éramos muito pobres. Meu pai entrou na casa e cozinhou um de seus bifes. Ela voltou mais cedo do que o esperado e nos flagrou ali. Me lembro de pensar que íamos ser despejados e ter de morar na rua. Mas ela foi compreensiva e tudo ficou bem. Essas são minhas duas memórias mais fortes.

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