Gramado tenta encontrar um novo caminho

A vitória do documentário Uma longa viagem, de Lúcia Murat, no 39º Festival de Gramado, encerrado na noite deste sábado, dia 13, que além do Kikito de melhor filme levou o troféu do júri popular, é um indicador da fragilidade da safra de ficção nacional, mas também um sintoma da esquizofrenia do evento.

Durante os nove dias de festival, muito se falou em Gramado sobre a superioridade da competição de filmes estrangeiros, vencida pelo argentino Medianeiras, de Gustavo Taretto, sobre a de títulos brasileiros. Mas também se observou, mais uma vez, a pouca participação do público que, diante do preço cobrado pelo ingresso (de 50 a 130 reais), prefere correr atrás de celebridades no tapete vermelho do Palácio dos Festivais.

Em suas primeiras décadas, Gramado costumava atrair grandes diretores, como Nelson Pereira dos Santos, Arnaldo Jabor, Leon Hirszman, Cacá Diegues e Walter Hugo Kouri. Com a crise do cinema brasileiro, nos anos 90, o festival forçou-se a se internacionalizar. A produção voltou a se estabilizar e a crescer, mas a maratona gaúcha ainda não encontrou o seu papel no meio do novo cenário.

Neste meio tempo, Gramado apegou-se à sua função de instrumento turístico e perdeu importância como difusor de filmes e ideias, função concentrada nas mãos do Festival de Brasília. Viu Tiradentes, em Minas Gerais, estabelecer-se como a cena do cinema independente, e Paulínia, no interior de São Paulo, como objeto de desejo de qualquer realizador, que pratica a política do ingresso gratuito e polpudos prêmios em dinheiro – o melhor filme leva 250 mil reais.

Enquanto isso, Gramado prepara um museu de cera, que será inaugurado em 2012, durante a sua 40ª edição – o veterano ator Paulo José, coestrela de O palhaço, de Selton Mello, o filme de abertura, foi um dos que passou por lá este ano para deixar suas medidas. Mas talvez festejará o aniversário de sala vazia, caso não afine sua identidade cinematográfica com a sua identidade turística.

O esforço da curadoria de filmes, criada há cinco edições para dar uma cara à maratona, esvai-se na discutível reputação construída ao longo das duas últimas décadas. Os grandes diretores brasileiros e os bons filmes continuam esquivando-se de Gramado. E os estrangeiros, que fornecem o melhor do festival, preferem promover suas crias em outras praças a exibi-los em sessões esvaziadas – este ano, a organização passou o vexame de projetar três deles em DVD, porque a cópia não chegou a tempo. O que há para se comemorar em 2012?

Os principais premiados:

Competição brasileira

1. • Filme: Uma Longa Viagem, de Lucia Murat
2. • Fotografia: Roberto Henkin, por O carteiro
3. • Montagem: Leonardo Sette, por As Hiper Mulheres
4. • Roteiro: Gustavo Pizzi e Karine Teles, por Riscado
5. • Atriz: Karine Teles, por Riscado
6. • Ator: Caio Blat, por Uma Longa Viagem
7. • Diretor: Gustavo Pizzi, por Riscado
8. • Prêmio especial do júri: As Hiper Mulheres, de Leonardo Sette, Carlos Fausto e Takumã Kuikuro
9. • Prêmio da crítica: Riscado, de Gustavo Pizzi
10. • Júri popular: Uma longa viagem, de Lucia Murat

Competição latina

1. • Filme: Medianeiras, de Gustavo Taretto
2. • Fotografia: Serguei Saldivar Tanaka, por La lección de Pintura
3. • Roteiro: Sebastián Hiriart, por A Tiro de Piedra
4. • Atriz: Margarida Rosa de Francisco, por García
5. • Ator: Gabino Rodríguez, por A Tiro de Piedra
6. • Diretor: Gustavo Taretto, por Medianeiras
7. • Prêmio especial do júri: Las Malas Intenciones, de Rosario Garcia-Montero
8. • Prêmio da crítica: Jean Gentil, de Laura Guzmán e Israel Cárdenas
9. • Júri popular: Medianeiras, de Gustavo Taretto

Competição de curtas-metragens

1. • Filme: Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo, de Rodrigo John
2. • Montagem: Mair Tavares e Tina Saphira, por Um Outro Ensaio, de Natara Ney
3. • Fotografia: Jacques Dequeker, por Polaroid Circus
4. • Roteiro: Rodrigo John, por Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo
5. • Atriz: Dira Paes, por Ribeirinhos do Asfalto
6. • Ator: José Wilker, por A Melhor Idade
7. • Diretor: Natara Ney, por Um Outro Ensaio
8. • Prêmio especial do júri: Rivelino, de Marcos Fábio Katudjian
9. • Prêmio da crítica: Céu, inferno e outras partes do corpo
10. • Júri popular: Um outro ensaio