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Flavio Gikovate, o “terapeuta” de Antony em Passione

Pioneiro na democratização do divã, o psiquiatra supera todos os profissionais pop de sua área ao atuar como ele mesmo na novela das oito

Por Leo Pinheiro
11 set 2010, 10h45

Nunca pensei nas atividades de divulgação como algo que viesse a consolidar minha carreira. Sempre achei que é dever das pessoas que têm acesso a algum tipo de conhecimento compartilhá-lo com o maior número possível de pessoas. Sempre me insurgi contra qualquer modelo de elitismo intelectual, de modo que sempre me propus a escrever e falar de modo claro, tentando transmitir o que aprendi

O psiquiatra Flavio Gikovate tem agenda de celebridade. Aos 67 anos, é visto com tanta frequência na televisão, em talk-shows e nas páginas de jornais e revistas quanto no confortável e concorrido consultório que mantém no bairro dos Jardins, em São Paulo. Faz em média entre 40 e 50 consultas por semana, comanda ao vivo para a CBN, aos domingos, o programa No Divã do Gikovate, grava um talk show no auditório da Livraria Cultura uma vez por mês, faz de 20 a 30 palestras por ano. Ele é um dos pioneiros no que chama de “democratização do divã”, junto com Paulo Gaudêncio e José Gaiarsa, Eduardo Mascarenhas e, por que não lembrar, Marta Suplicy. Mas agora, às vésperas de lançar Sexo, seu 30º livro, Gikovate passa por uma experiência inédita mesmo entre os profissionais mais pop de sua área. A partir deste sábado, poderá ser visto na novela das oito da TV Globo.

Amigo do novelista Sílvio de Abreu, autor de Passione, o psiquiatra foi convidado para interpretar a si mesmo no folhetim. Ele aparecerá de duas a três vezes por semana, atendendo o personagem Gerson, vivido por Marcello Antony. Nesta entrevista, ele confessa que se preocupa com a avaliação que será feita de seu trabalho diante das câmeras. Mas acredita que o público é inteligente o bastante para separar a ficção da realidade, e não crê que será avaliado como ator. “Isso seria um grande engano”, diz Gikovate, para quem Passione é sua primeira e última experiência na dramaturgia.

Gikovate costuma dizer que a exposição ao grande público não lhe traz novos pacientes. Ao contrário, afirma, essa atitude já lhe trouxe alguns problemas com a clientela do consultório. Ele diz que a motivação de participar da novela é a mesma que permeia toda a sua carreira: divulgar sua profissão para o maior número de pessoas possível. “É certo que uma novela como essa atinge um público que jamais atingi. De tudo o que fiz na divulgação do meu trabalho, esse convite do Sílvio é a cerejinha do sundae”.

O psiquiatra despista quando perguntado sobre detalhes da trama que envolve o filho de Bete Gouveia (Fernanda Montenegro). Diz que, apesar de não ser muito fã de televisão, tornou-se telespectador assíduo de Passione para conhecer Gerson aos poucos, junto com o público. Ele jura que ainda não sabe qual o segredo mais bem guardado por Sílvio de Abreu até agora: o desvio de caráter de Gerson que pôs fim a seu casamento com Diana (Carolina Dieckmann). Afirma que, na novela, agirá como um terapeuta de verdade, que conhece seu paciente e seus problemas ao longo das sessões.

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Apesar da tensão na hora do “gravando”, Gikovate diz que está se divertindo muito. “Nunca pensei em atender na ficção, mas ser eu é o que faço o tempo todo. Não acho que necessite de ensaio para ser eu mesmo”, conta aos risos.

Com 44 anos de carreira e livros publicados que venderam mais de um milhão de exemplares, o que o levou a aceitar o convite para atuar na novela das oito?

Acabo de publicar o livro de número 30 e que se chama Sexo. O Sílvio de Abreu é meu amigo, e uma pessoa que admiro muito pelo talento e integridade. O convite dele me soou como um desafio interessante, pois ainda não tinha feito nada parecido. Integrar ficção e realidade é uma possibilidade de mostrar ao público que a psicoterapia não é nada que deva ser visto como assustador ou negativo.

Marcello Anthony e Carolina Dieckmann no início de 'Passione': ainda um casal
Marcello Anthony e Carolina Dieckmann no início de ‘Passione’: ainda um casal (VEJA)
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Não seria por vaidade?

A vaidade é parte da nossa sexualidade e está presente em todos nós. Com os anos tenho me acostumado a ser uma pessoa conhecida e reconhecida em muitos dos ambientes por onde circulo. Não sinto prazer especial nisso e jamais me senti desconfortável por ser pessoa que passa despercebida ao caminhar, por exemplo, pelas ruas de Nova York. Tenho minha vaidade, mas ela está mais que tudo direcionada para minha produção intelectual. Tenho muito orgulho dos meus livros e também de ter tido a coragem de perder o medo de me expor com o objetivo de divulgar idéias que acho relevantes.

Sei que a exposição atual é de uma dimensão muito maior do que as que já tive e continuo tendo. Penso que posso me aborrecer um pouco com a falta de sossego e não creio que venha a me alegrar com o fato de ser olhado como um E.T. Porém, é parte do jogo e, como disse, em dose menor, estou bastante habituado. Fiz programa diário de tevê entre 1991 e 1993 e já sei como é isso. Já trabalhei no futebol na época da democracia corintiana entre 82 e 84 e, ali no Corinthians, a exposição também é grande. Não é o meu barato, mas não me incomodo.

O que o seduz e o que o assusta no horário nobre da TV?

Uma novela como essa atinge um público que jamais atingi. Até agora, a eventual sedução foi bem menor do que o medo. Mas não desisti. Fui uma criança muito medrosa e, talvez por isso, aprendi a enfrentá-lo. Jamais abandonei um projeto que me parecesse importante, e principalmente útil, por causa do medo.

Acha que sua participação pode ajudar pessoas com problemas emocionais?

Acredito que tudo o que faço no rádio, nos meus livros, nos programas de TV de que participo pode ajudar as pessoas a pensar um pouco mais em si mesmas, e a iniciar um processo de autocrítica que pode ser muito criativo e útil. Numa época em que todo mundo só tem se preocupado com a aparência física, vale a pena qualquer iniciativa que lembre a elas que é importante também se preocupar com a subjetividade. Minha única pretensão é ajudar as pessoas a pensar que dentro da nossa casca existe um miolo.

Não tem medo de ser julgado por esse novo público pela sua competência como ator e não como terapeuta?

Tenho 67 anos, e minha experiência como médico é inquestionável. Nunca pensei nas atividades de divulgação como algo que viesse a consolidar minha carreira. Além disso, minhas experiências prévias sempre indicaram que elas não perturbaram o bom andamento do meu trabalho cotidiano. Sempre achei que é dever das pessoas que têm acesso a algum tipo de conhecimento compartilhá-lo com o maior número possível de pessoas. Sempre me insurgi contra qualquer modelo de elitismo intelectual, de modo que sempre me propus a escrever e falar de modo claro e direto, tentando transmitir o que aprendi. Não creio que serei avaliado como ator, pois isso seria grande engano.

Fez alguma aula de interpretação, teve que decorar textos ou ensaiou as cenas em frente ao espelho?

Não acho que necessite de ensaio para ser eu mesmo. O que o Sílvio quer de mim é que eu seja o terapeuta que sempre fui, embora com as limitações de tempo e a necessidade de seguir um determinado roteiro, já que estou contracenando com um ator. Tenho uma certa liberdade em minhas falas, e não creio que terei problemas maiores de seguir o roteiro. Agora, é claro que agradarei a algumas pessoas e desagradarei a outras. Ninguém que tem identidade e personalidade definida é capaz de só agradar. Não me preocupo muito com a avaliação das pessoas. É claro que prefiro agradar a desagradar. Porém, respondo mesmo é à minha consciência e estou muito tranquilo que posso ser útil à comunidade e também contribuir para divulgar melhor a minha profissão.

Já foi divulgado que o problema do Gerson pode ser pedofilia, um assunto muito em voga ultimamente. Este problema tem solução, a doença tem cura?

Em nome do realismo do meu trabalho, tenho preferido não saber quais os detalhes do problema do Gerson. Eles me serão revelados ao longo das “consultas”. De todo modo, sei – e todos sabem, porque o Sílvio já disse – que se trata de um tema relacionado a sexo. Não é obrigatório que se pense em termos de doença e de cura, pois “curar”, na origem, quer dizer cuidar. O mais importante é poder ajudar a pessoa a avançar emocionalmente e, se possível, superar suas dificuldades. O papel do médico é ajudar a seus pacientes da melhor forma possível.

A personagem Diana flagrou o marido conferindo uma cena no computador que considerou inaceitável. Caso o problema de Gerson não seja pedofilia, qual outra patologia você acha que pode ser?

Não tenho palpites. Prefiro esperar para ver do que se trata e ver o que posso fazer para ajudar o Gerson.

Um de seus livros mais famosos – Dá para ser feliz… apesar do medo – afirma que por medo do amor a maioria das pessoas boicota seus relacionamentos. Acha possível que o Gerson tenha se deixado flagrar para evitar um contato mais íntimo com a Diana?

Muitos dos nossos comportamentos destrutivos têm a ver com o medo da felicidade, o medo de que algo de ruim aconteça quando estamos muito felizes. Porém, não penso que tenha sido esse o caso. Acho que ele pode ter se deixado flagrar até para que desencader um processo que o levaria a um tratamento e à tentativa de solucionar seus conflitos.

É possível ter um bom e duradouro relacionamento a dois?

Acho que existem muito poucos relacionamentos de ótima qualidade que duram a vida inteira. Porém, eles existem, de modo que não é obrigatório que terminem. As pessoas boicotam, sim, a felicidade e têm muito medo da felicidade sentimental. Mas todo medo que nos parece irracional e ilógico, como este, foi feito para ser enfrentado.

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