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Entrevista: Thammy Miranda de peito aberto

Lançando biografia em que repassa sua trajetória, de herdeira da rainha do rebolado a símbolo trans, ator fala da relação com a mãe, o pai e a namorada

Por Meire Kusumoto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 23 jun 2017, 15h15 - Publicado em 6 set 2015, 08h53

Filha de celebridade, herdeira do rebolado, musa de revistas masculinas, atriz da novela Salve Jorge. Filho de Gretchen, ator, biografado, transexual. Com uma trajetória cindida e marcada por sua transição de gênero, Thammy Christina Britto de Miranda e Silva se tornou o símbolo nacional de um tema que vem ganhando o noticiário em todo o mundo. E está disposto a corresponder ao papel que assumiu. Além de estudar sua filiação ao Partido Progressista (PP), a sigla de Jair Bolsonaro, para criar um núcleo de diversidade, o ator está lançando uma biografia em que conta a sua descoberta como homem. “Soube o que era transexual há dois anos apenas, por um médico”, conta Thammy, que no fim do ano passado se submeteu a cirurgia para a retirada dos seios e mostra o resultado em Thammy: Nadando contra a Corrente (editora BestSeller, 210 páginas, 25 reais), a biografia que lança nesta segunda-feira, 7, na Bienal do Livro do Rio.

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Livro, aliás, que o próprio Thammy se interessou por criar. A iniciativa de contar sua história partiu dele, que por indicação de uma amiga chegou a Marcia Zanelatto, dramaturga e escritora que já havia assinado Filha, Mãe, Avó e Puta (Objetiva), a biografia de Gabriela Leite, ex-estudante de sociologia que se tornou prostituta e acabou por fundar a organização Daspu, batizada em contraponto à extinta Daslu. O primeiro contato de Thammy com Marcia aconteceu em meados de 2013, quando o ator terminava de gravar Salve Jorge como a policial Joyce – personagem que o fez reviver as piores lembranças da época em que se apresentava com Gretchen, durante a adolescência, ao ter de se disfarçar de dançarina na boate da traficante de mulheres Irina (Vera Fischer). “Foi chocante no primeiro dia, fechei o olho e, quando abri, me vi do jeito que havia renegado por quinze anos da minha vida”, diz Thammy.

Thammy recebeu a reportagem do site de VEJA em um bistrô de São Paulo, onde apareceu de barba feita, camisa e calça social, perfumado e sem relógio – seu exemplar da marca Rolex havia sido roubado um dia antes, numa ação em que a namorada, Andressa Ferreira, assistente de palco do programa Legendários, da Record, foi chamada de “gostosa” na sua frente. Ali, contou que pediu para dançar para compensar a ausência da mãe, que vivia na estrada, fazendo shows. “Eu achava horrível, mas antes ela arrumava a mala e saía para viajar e, quando eu comecei a me apresentar com ela, a gente arrumava a mala junto e viajava junto.” A relação da dupla melhorou nessa época, somente para azedar alguns anos depois, quando o ator se revelou homossexual – Gretchen chegou a agredir Thammy, como conta a sua biografia.

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Para a mãe, a homossexualidade não passava de uma fase, que logo seria superada. “Ela achou por um bom tempo que isso ia passar, até um dia em que a gente teve uma conversa e eu falei para ela que não era uma fase, que eu não tinha escolhido isso para mim. Ninguém escolhe isso, ninguém escolhe sofrer preconceito, ser diferente”, diz Thammy, que afirma ter esperado alguns anos para que Gretchen finalmente o entendesse e aceitasse. Hoje, como transexual assumido, ele garante que a relação com a mãe é amistosa. “Ela me entende como transexual. Tem momentos em que me trata no masculino, outros em que me trata no feminino. Ainda está meio bagunçada com isso.” Já para seu pai, Ronny Silva, está tudo bem, sempre esteve – ainda que ele não goste da “imagem masculina” atual de Thammy e continue dizendo “A” Thammy.

Confira a entrevista com Thammy Miranda:

Qual foi a primeira ocasião em que você se sentiu diferente do esperado? Quando criança, eu não tinha esse discernimento de saber que era diferente, quando pequeno você faz as coisas sem pensar. Depois dos 18 anos, quando eu já dançava com a minha mãe, não entendia por que não gostava daquelas roupas, do meu cabelo, por que tudo aquilo me incomodava e não sabia o que fazer para mudar. Não sabia que existia terapia hormonal, nada. Lá pelos 23 anos, cortei o cabelo e me assumi realmente, mas ainda não sabia que era transexual. Fui saber o que era transexualidade dois anos atrás, quando um médico me explicou. Então, minha melhor amiga, Lara, começou a pesquisar e descobrimos vários vídeos gringos sobre o assunto. Eu me identifiquei e falei: “É isso o que eu quero”.

O livro dá a entender que um dos seus primeiros passos para assumir a transexualidade foi cortar os cabelos. Você vê assim? Eu não cortei o cabelo pensando em ser transexual, porque não sabia o que era isso. Mas o corte do cabelo representa o corte de feminilidade, apesar de uma mulher poder ter cabelo curto e continuar feminina. Na cabeça de quem está passando por esse processo, o corte significa muito.

É verdade que Andressa, sua namorada, tem questões com a sua transição? Sim, a gente chegou a terminar por essas questões. A crise dela era: “Já que eu gosto, então, de um homem, por que não namorar um homem mesmo, para ter uma família, para ter um filho sem precisar de inseminação?”. Eu a deixei livre para que ela vivesse essa história, e foi opção dela voltar comigo, com um homem diferente. Hoje, acho que essas questões foram superadas. Mas, se um dia ela entrar em crise de novo e quiser se separar, tudo bem. Ninguém é obrigado a ficar com outra pessoa para sempre. Nada é eterno.

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Pensa em se casar com Andressa? Ah, mais para a frente. Ainda temos que viajar muito, trabalhar bastante. Eu era muito imaturo quando estava em relacionamentos anteriores, começava a namorar e já ia morar junto. Isso é legal do meu relacionamento com a Andressa: a gente faz tudo no tempo certo, eu tenho a minha casa e ela, a dela. A gente dorme junto todo dia, mas cada um tem seu espaço. Não estamos com pressa de nada.

Você se vê tendo filhos? Com certeza. Mas eu não engravidaria, seria ela. Até porque, com a quantidade de hormônio masculino que eu tomo, não dá para engravidar nem amamentar.

Há quanto tempo você toma hormônio? Há um ano, tomo testosterona. Acompanho com médico, faço exames sempre. Eu costumava tomar doses de quinze em quinze dias, mas agora estou passando um gel que é mais avançado, não é metabolizado no fígado, e precisa ser administrado diariamente. Fiz a barba hoje. Senão, você ia ver como estou barbado.

Pensa em passar por mais algum procedimento cirúrgico? Talvez a retirada do útero e dos ovários, mas por uma questão de saúde. A gente não sabe se, com o uso prolongado de testosterona, esses órgãos se atrofiarão e terão de ser retirados. Se precisar, eu faço. Senão, não vou fazer mais cirurgia nenhuma.

Seu livro não tem fotos da sua adolescência. Por quê? Eu não gostava de tirar foto, não gostava da minha imagem.

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Como você enxergava seus pais, Gretchen e Ronny, quando criança? Minha mãe eu via como uma pessoa ausente, porque ela era de fato. Eu enfrentava uma sensação de perda cada vez que ela saía para trabalhar – e ela trabalhava muito. Meu pai sempre foi meu porto seguro, ele nunca trocava o número do celular, o telefone fixo também é o mesmo desde que nasci, a casa em que ele mora é a mesma. Ele é um cara presente até hoje, mora a duas quadras da minha casa, estou sempre lá. Na adolescência, era a mesma coisa, até eu passar a trabalhar com a minha mãe e viajar com ela. Eu meio que troquei as coisas ruins, deixei de ficar longe dela, mas passei a fazer algo que odiava, que era dançar (risos).

E você se enxerga neles? Fisicamente, pareço muito mais com meu pai. Já de personalidade eu puxei à minha mãe, temos essa coisa de lutar pelo que queremos, de não ter medo de enfrentar o mundo e bancar aquilo que se está a fim de fazer. Desde que não passe por cima de ninguém, não tenho medidas para ser feliz. Mas me inspiro muito no homem que o meu pai é, pelo bom caráter, a integridade, a honestidade do policial, o cuidado e a atenção que ele tem com as pessoas.

Sua mãe passou por várias crises financeiras, mas sempre se virou. O que aprendeu dessas situações? Nunca vi minha mãe sentando na cama e dizendo: “E agora, o que fazer? Não tenho saída”. Nunca, nunca. Ela sempre tinha um esquema, sempre se ajeitava. Sou guerreiro como ela.

Sua mãe ganhou a vida explorando o rebolado, algo muito feminino e sexy. Isso alguma vez incomodou você? Não, porque não via dessa forma. O preconceito está na cabeça das pessoas, eu não via com maldade, era minha mãe e só estava dançando. Mas achava ruim a forma como as pessoas me abordavam ao falar dela, por exemplo na escola, quando me diziam “Sua mãe é uma gostosa”. Aí, eu saía na porrada (risos).

Ao trabalhar com a sua mãe, você viveu um personagem que não era você. Como foi isso? Péssimo. Me dava sono antes dos shows, acho que era psicológico. Eu achava horrível, mas queria compensar a ausência da minha mãe. Antes, ela arrumava a mala e saía para viajar sozinha e, quando eu comecei a me apresentar com ela, a gente arrumava a mala e viajava junto. Fiquei uns três anos nessa vida. Olho para trás e vejo que eu consegui ficar perto dela, o que era minha intenção, mas, se fosse hoje, eu teria seguido os estudos e não a carreira artística.

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Você se arrepende de ter posado para revistas masculinas? Não, porque era grana que entrava. Eu queria independência financeira. Eu me arrependo de ter parado de estudar, mas não me arrependo de ter ficado sem roupa, não tenho esse pudor, esse tabu. Era trabalho.

Você enfrentou a primeira crise de síndrome do pânico aos 14 anos. Como foi isso? Tive várias crises a partir dos 14 anos, até começar a tomar remédio. Não há um motivo só, mas um acúmulo deles. Eu era muito infeliz com a pessoa que eu era. Depois que eu comecei a minha terapia hormonal, há um ano, mais ou menos, parei de tomar remédios e não tive mais crise. Nunca tive acompanhamento psicológico, gosto de resolver as coisas comigo mesmo.

Marcia Zanelatto mandou o capítulo em que descreve a reação de Gretchen ao saber que você era homossexual para os dois e houve uma forte discussão. Como foi? A gente estava em um restaurante junto com a Lara, revisamos o capítulo juntos. Ela começou a ler e disse: “Isso não aconteceu!”. Eu respondi: “Aconteceu, sim!”. E aí discutimos. Foi a primeira vez que discutimos sobre isso, quinze anos depois do ocorrido. Eu ainda mantenho minha versão, e ela mantém a dela. Mas nos entendemos lá mesmo, vimos que temos pontos de vista diferentes.

Quanto tempo acha que Gretchen demorou para aceitar você como é? Alguns anos. Por um bom tempo, ela achou que era uma fase, que ia passar, até um dia em que a gente teve uma conversa e eu falei para ela que não uma fase e que eu não tinha escolhido isso para mim. Ninguém escolhe isso, ninguém escolhe sofrer preconceito, ser diferente. Ter uma vida “normal” seria muito mais fácil para mim. Acho que aí ela entendeu.

Como é o relacionamento de vocês hoje? Hoje é tranquilo. Ela me entende como transexual. Tem momentos em que me trata no masculino, outros em que me chama no feminino, ainda está bagunçada com isso. Mas é supernormal, por isso não cobro nada de ninguém. E, depois que ela leu meu livro, começou a rever certas coisas, eu já a vi dando entrevistas e dizendo que entende que eu nasci homem em um corpo de mulher e me chamando de filho.

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Por outro lado, seu pai pareceu ser mais tolerante, logo de cara. Talvez porque ele, policial, esteja inserido em um universo machista. O fato de a filha estar com outra mulher não é um problema. Mas, se fosse o contrário, ele não ia entender. E a Teresa, mulher do pai, sempre esteve ao meu lado para tudo. Ela é minha segunda mãe. Mas ele ainda me vê como filha, não gosta de me ver de barba, por exemplo, não gosta dessa imagem masculina.

Como seus irmãos reagiram ao saber da sua homossexualidade e da transexualidade? Eu tenho cinco irmãos, todos por parte de mãe, e eles me apoiaram sempre. São todos mais novos, então, eu mando e eles obedecem (risos). Brincadeira, temos uma relação muito boa, mas não nos vemos com muita frequência, porque cada um mora em um canto do planeta, uns nos Estados Unidos, outros na Europa.

Como a família chama você, ‘A’ Thammy ou ‘O’ Thammy? A família, em geral, me trata no feminino. Mas a minha avó materna, a única que ainda está viva, oscila entre o feminino e o masculino. Uma velinha prafrentex. Um mês atrás, a gente estava na casa da Sula (Miranda, tia de Thammy) e ela falou de mim como seu “neto”. Achei bem legal.

Você pensou em trocar de nome ou usar um apelido? Minha mãe e meu pai não querem muito que eu mexa no nome, principalmente ele, que foi quem teve a ideia de Thammy. Não sei se eu trocaria, acho que, por enquanto, não.

Hoje, você se considera transgênero. Os rótulos ajudam ou atrapalham? Acho que ajudam por uma questão de militância, só por isso. Estou me inteirando da causa há um ano, conversando com algumas pessoas. Temos um grupo no Whatsapp e sempre combinamos encontros para trocar ideia. Fui recentemente a um evento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre empresas que apoiam a causa trans. Ainda estou conhecendo.

Como vê a forma como o Brasil trata a causa trans? Tudo o que é novo causa medo. A transexualidade não é nova, mas esse assunto está vindo à tona agora. As pessoas estão se adaptando. Lá fora, o debate está mais evoluído do que aqui, porque o assunto começou a ser abordado antes. Daqui a quinze anos, vai ser muito comum, normal, e as pessoas vão entender melhor. Nas ruas, eu sou tratado com muito carinho, ninguém vem me falar besteira. Na internet, tem uma meia dúzia de pessoas que não gosta de mim e vem me xingar. Mas eu não ligo para isso – nem Jesus agradou todo mundo, quem sou eu para agradar?

Por que decidiu se envolver com política? O Delegado Olim, que é amigo pessoal do meu pai, me convidou para me filiar ao Partido Progressista (PP). Eu disse que eu só entraria se fizesse algum trabalho relacionado à diversidade… E então ele me chamou para presidir o núcleo de diversidade, a ser criado. É um partido militar, que tem fama de homofóbico por ter o Jair Bolsonaro entre os filiados, por isso achei uma vitória. Mas ainda não me filiei, nem sequer aceitei a presidência, por enquanto. Só vou me filiar e presidir o núcleo se realmente sentir que essa parte de diversidade vai ter espaço no partido.

Pensa em se candidatar a algum cargo nas próximas eleições? Não, tenho um contrato com uma televisão para 2016, o que me impede de sair candidato. Se um dia eu decidir me candidatar a algum cargo, vai ser só depois disso.

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