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Em tempo de crise, clássico volta a ser um bom negócio

O surgimento de duas pequenas editoras voltadas para o nicho e de coleções em editoras já consolidadas, a Rocco e a Hedra, mostra que o filão recupera fôlego em ano de economia fraca e de efemérides que lançam títulos como o campeão de vendas 'O Pequeno Príncipe' em domínio público. Sorte do leitor

Por Maria Carolina Maia, com colaboração de Meire Kusumoto
21 fev 2015, 09h27

Alguém pode dizer que um clássico nunca sai de moda. Isso não é inteiramente verdade. Há ciclos de interesse e de oferta que os tornam mais atraentes de tempos em tempos. Mais quentes. É o que se vê agora no mercado literário brasileiro, e em boa hora. Em um momento em que a economia caminha para a recessão e grandes títulos como O Pequeno Príncipe caem em domínio público ou rumam para tal, duas pequenas editoras começam a operar focadas nesse nicho, e outras duas já consolidadas, a Hedra e a Rocco, preparam coleções – de holandeses “esquecidos” e de obras canônicas para jovens, respectivamente. É uma boa notícia para o leitor, que tem no filão o seu investimento mais seguro.

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Consagrados pela qualidade e pela maneira como tocam o público, tanto de sua época quanto das que se seguem a ela, clássicos são livros formadores não apenas de leitores, mas de escritores e de outras obras, de cultura e de imaginário coletivo. Quando se fala de amor, não conhecer a história de Romeu e Julieta é, guardadas as proporções, o mesmo que boiar naquela conversa sobre a novela que você não acompanha. “Um clássico nunca perde a importância. Lendo clássicos, a gente se aproxima do nosso passado comum”, diz Juliana Lopes Bernardino, da Poetisa, editora que iniciou trabalhos no final de 2014 com a ideia de tirar da gaveta traduções feitas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde sua sócia, Cynthia Beatrice Costa, estuda.

O primeiro livro lançado pela editora, que tem sede em Florianópolis, foi uma tradução integral de Bela e a Fera, que só contava com adaptações no mercado brasileiro. O texto é assinado por Marie-Hélène Catherine Torresta, professora da UFSC. O próximo título da Poetisa, previsto para março, será o infantil O Coelho de Veludo, da inglesa Margery Williams (1881-1944), nunca editado no país. Lançado em 1922 na Inglaterra, o livro está entrando em domínio público, algo que, pelas leis brasileiras, acontece 70 anos após a morte do autor. “Nossa intenção é ter de quatro a cinco lançamentos em 2015. Além de clássico ter um retorno mais garantido, há a questão do domínio público. São obras que não custam tanto para a editora”, diz Juliana.

Em domínio público também entrou neste ano outro clássico que, como Bela e a Fera, é consumido por crianças e adultos, o campeão de vendas O Pequeno Príncipe, de Antoine Saint-Exupéry (1900-1944). Presença constante nas listas de mais vendidos, onde pode ser visto com a marca da Agir, editora que o publica no país desde 1952, o livro agora deve ganhar edições da L&PM, da Geração Editorial e da Autêntica, entre outras. Preocupada com a perda de seu menino de ouro, a editora do grupo Ediouro já tratou de preparar produtos que compensem o fim da sua exclusividade. No final de 2014, a Agir firmou um contrato de licenciamento com os representantes e herdeiros de Saint-Exupéry para a criação de novos projetos, que já começam a ser publicados a partir de abril deste ano. O primeiro deles é uma versão adaptada para crianças pequenas, feita por Geraldo Carneiro e Ana Paula Pedro.
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Se a Agir corre para mitigar o prejuízo causado pela queda em domínio público de O Pequeno Príncipe, a L&PM comemora a novidade. A gaúcha anuncia que a sua edição corrigirá “erros” presentes na da rival, como a omissão de uma estrela em uma cena em que o astrônomo olha por um telescópio. “Na margem interna da página, vê-se uma estrela (justamente o corpo celeste que está sendo observado pelo personagem). Nas edições brasileiras disponíveis para o público até 1º de janeiro de 2015, a estrela era omitida”, diz a editora, que tem 30% de suas vendas feitas de clássicos e para 2015 prepara também uma nova edição de A Divina Comédia, de Dante.

“Para o leitor, o benefício óbvio de toda essa movimentação entre as editoras é que há uma diversificação maior nas prateleiras: o mercado brasileiro atualmente é um dos mais aquecidos do cenário literário internacional, pois as editoras querem agir com rapidez para colocar nas prateleiras o que o público quer ler”, diz Larissa Helena, editora na Rocco Jovens Leitores, que prepara a coleção Memória do Futuro, organizada pelo poeta e tradutor Marco Lucchesi. Outra boa notícia: os livros terão texto na íntegra, e não aquelas adaptações para leitores iniciantes que quase sempre empobrecem a obra. “Clássicos são histórias com apelo universal, que têm qualidade extraordinária na narrativa e que deixaram marcas indeléveis na literatura.”

Do outro lado do balcão – Não são apenas os leitores que ganham com os clássicos. Para as editoras, eles também são um ótimo investimento. De acordo com Regina Zilberman, professora de literatura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), clássicos são o que as editoras chamam de backlog, catálogo que fica no fundo da livraria e não na vitrine (frontlog), e que tem sempre procura. “Basta que pertença a um certo cânone da literatura que vai vender sempre, seja para escolas seja para o leitor que quer se instruir. Então, ele garante uma certa estabilidade para as editoras”, diz. “E ainda conta com a propaganda boca-a-boca e com as compras do governo para escolas e bibliotecas, que sem dúvida são interessantes.”

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Editor-executivo de ficção nacional e não ficção nacional e estrangeira da gigante Record, Carlos Andreazza confirma o que diz a professora da UFRGS. “Não publicamos livro por caridade. Publicamos porque dá lucro. Clássico dá prestígio e visibilidade, vende e dá lucro. Clássico dá lucro”, diz Andreazza, lembrando que a Record edita um dos maiores clássicos nacionais, Vidas Secas, de Graciliano Ramos, com mais de 2 milhões de exemplares vendidos desde meados de 1970 – 70.000 cópias só no ano passado.

Luis Dolhnikoff, da Hedra, que tem metade do catálogo feita de clássicos e 80% das vendas garantidas por eles, faz coro. A editora, que inicia sua coleção de holandeses com a coletânea Contos Holandeses (1839-1937), prevista para o primeiro semestre deste ano, mira nesse nicho desde seu início, há quinze anos, porque, além de uma importância intrínseca, clássicos têm público assegurado. “No primeiro semestre, também vamos lançar A Demanda do Santo Graal, traduzido a partir do alemão do século XIII. Um clássico do Rei Arthur que pode atingir até quem é fã de Tolkien”, diz Dolhnikoff, mostrando faro comercial.

A Carambaia, editora que começa a operar agora com o lançamento de três títulos considerados “furos literários” – Homens em Guerra, do austro-húngaro Andreas Latzko (1876-1943), Soldados Rasos, do australiano Frederic Manning (1822-1935), e Juncos ao Vento, da italiana Grazia Deledda (1871-1936) -, aposta em novos canais para atingir um público leitor que amadurece. “Vamos vender pela internet e via parceria com institutos de fomento à cultura. Livrarias podem entrar em um segundo ano, em parcerias pontuais, com exclusividade”, diz Fabiano Curi, criador da editora, que focará em livros de domínio público. “Não vamos trabalhar com livraria, porque ela fica em média com 50% do preço de capa.”

Esse novo florescimento dos clássicos, para Leandro Sarmatz, editor na Companhia das Letras, que estreitou sua relação com os clássicos ao ser adquirida pela Penguin, em 2011, deve trazer benefícios a leitores e a editoras. “Os benefícios são diversos, e vão desde questões como preço, diversidade de traduções e amadurecimento do mercado à popularização do melhor repertório literário da humanidade. Mercados maduros têm várias edições de Homero, ou Flaubert, ou Tolstói. Isso está começando a vicejar entre nós. E só pode ser algo positivo.”

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