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Em novo livro, Lobão disseca disco e expressa seu rock provocação

Ao site de VEJA, cantor fala sobre os dois lançamentos, além de deixar clara sua aversão à MPB e, claro, à política brasileira: 'Sei que posso, com a minha arte e poder de expressão, causar danos'

Por Henrique Castro
6 dez 2015, 08h16

Palavras são um antigo instrumento de trabalho do músico João Luiz Woerdenbag Filho, o Lobão. Compositor de indefectíveis faixas como Me Chama e Vida Louca Vida, eternizadas nas vozes de diversos músicos nacionais, o cantor aproveitou o hiato de dez anos sem um disco de inéditas para se lançar como escritor, carreira que culmina, em 2015, em seu terceiro livro, Em Busca do Rigor e da Misericórdia (Editora Record, 224 páginas, 39,00 reais).

A obra registra o nascimento de seu décimo primeiro disco solo de estúdio, O Rigor e a Misericórdia, feito através de um crowdfunding – sistema de financiamento coletivo. O projeto na internet deu mais do que certo. No total, os fãs doaram 97.693 reais, 23% a mais do que solicitado inicialmente. A colaboração terá retorno nesta segunda-feira, quando o disco será disponibilizado, primeiramente, para quem fez parte da vaquinha virtual. A obra escrita, aliás, também foi feita com um sistema de financiamento do tipo. “Fiz um p*** livro sobre um disco magnífico”, diz ao site de VEJA, sem falsa modéstia, o autor que já tem no currículo os títulos 50 Anos a Mil e Manifesto do Nada na Terra do Nunca (ambos da Nova Fronteira).

A língua afiada e bem treinada, aliás, é outra velha característica de Lobão, que fala dos mais diversos assuntos, sendo, como já se sabe, música e política os favoritos. É nesse balaio de pensamentos e opiniões que medalhões da MPB, como Chico Buarque e Caetano Veloso, acabam citados e devidamente criticados por sua aproximação com os partidos de esquerda. “A MPB toda prima por essa flacidez comportamental. Eu não tenho paciência para isso”, diz.

Em entrevista ao site de VEJA, Lobão disseca seu terceiro livro e, consequentemente, o novo disco. Com catorze faixas, o álbum foi inteiramente gravado em um estúdio que o músico tem na edícula de sua casa na Zona Oeste da capital paulista. Todos os instrumentos foram gravados pelo próprio – exceção feita em um solo de guitarra feito por seu sobrinho João Puig.

Confira abaixo a conversa com o roqueiro escritor:

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Recentemente, o Bruce Springsteen lançou um documentário sobre o processo criativo do álbum High Hopes, e o Foo Fighters fez uma série sobre Sonic Highways. Foi daí que surgiu a ideia de registrar o processo de criação do seu novo disco, O Rigor e a Misericórdia, em livro? A coisa surgiu de maneira espontânea. Eu tinha acabado de assinar contrato com a minha atual editora, a Record, que comprou da Nova Fronteira os direitos de 50 Anos a Mil. O Andreazza, meu editor, queria mais uns capítulos como apêndice para a nova edição. Eu escrevi, originalmente, 900 páginas (O livro foi lançado em 2010 e possui 591 páginas em sua versão final). Percebi que tinha perdido esses arquivos e pensei que teria de rescrever tudo. Mas estava no meio da feitura do disco e passei dois meses relutando com a tarefa. Muito a contragosto, parei as sessões do disco, e comecei o Ação Fantasmagórica, o capítulo que daria continuidade à biografia. Quando acabei e ouvi a música sobre a qual ele trata, Ação Fantasmagórica a Distância, que faz parte do disco, pensei: “Posso fazer catorze capítulos, cada um de uma música, e tenho um livro”. Pensei de maneira midiática, já que o disco não iria tocar em rádio e que pouquíssimas emissoras de TV iriam me chamar para divulgá-lo. No 50 Anos a Mil, falei sobre canções que já fizeram sucesso, aqui seria o contrário: dissecar músicas que ninguém conhece. Teria a obrigação de fazer um disco muito bom. Assim, em dois dias já tinha escrito uns cinco capítulos. Telefonei pra o Andreazza e falei: “Vou fazer um livro e não um apêndice”.

Esse é seu terceiro livro. Como enxerga a sua evolução como escritor? Eu cresci muito como pessoa, como escritor e como músico. Nesses dez anos de abstenção de músicas inéditas, eu estava me preparando. Todos os instrumentos que toquei foram estudados, li muito, aprimorei minha composição e minha maneira de escrever. Senti também que o fato de escrever livros melhorou minhas letras. Ficou mais fácil escrever, com menos maneirismos, mais sobriedade. Esse livro é uma evolução literária. Estou escrevendo bem melhor, deixando mais claro aquilo que quero transmitir. A estrutura do texto está mais bem feita, bem concatenada e eu estou adorando ver que me inventei em outro ofício. As pessoas levam livros para os shows, começam a ter uma relação talvez única com o artista brasileiro, de conhecer intimamente aquela pessoa, de chamar de Xurupito, de conhecer a família. É uma maneira de me relacionar com o meu público muito profunda e única. Estou feliz com toda essa simbiose.

Acredita que alguém com opiniões políticas totalmente contrárias às suas ainda pode ser um fã da sua música? Por que não? Quantas pessoas são fãs do Wagner? E ele era um antissemita horroroso. Dostoiévski era antissemita também e os romances dele são primorosos. Eu acho que isso é um hábito péssimo que o Brasil cultiva. Acho que em um país democrático, em uma mentalidade cosmopolita, isso não deveria importar. Eu consigo ler os poemas do Pablo Neruda e reconhecer que ele é um grande poeta, mesmo discordando em gênero, número e grau do que ele está falando. Gabriel García Márquez, Pablo Picasso, quantos artistas de altíssimo talento que têm pensamento de esquerda e que a gente desfruta, ouve, observa pinturas e arquiteturas. Isso é um absurdo. É um pensamento fascista, retrógrado, pensamento de arraial, provinciano.

Até que ponto um músico pode se desvencilhar de sua imagem como pessoa pública e opiniões pessoais e políticas? É indissociável. Você conhece algum? Desde o Bob Dylan, John Lennon, todas as pessoas, em todas as atuações, em toda a história da humanidade. Não tem como dissociar. Não há como e não deveria ter como. Você não é esquizofrênico: eu falo isso, mas faço isso, não tem como. São áreas da expressão humana, áreas de ideia, de percepção. Se você quiser falar uma coisa e cantar outra, você é esquizofrênico.

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No livro, o senhor critica Verdade Tropical, de Caetano Veloso, definindo a obra como uma “bela porcaria” e cita um artigo publicado no jornal O Globo em 2011, em que Caetano diz que 50 Anos a Mil foi escrito por Claudio Tognolli, pois o senhor seria “incapaz de redigir”. Este não é o primeiro embate público entre vocês. De onde vem essa relação de amor e ódio? Antes de mais nada, eu saliento a ejaculação precoce do Caetano Veloso e o flagro em um preconceito absolutamente patente em dizer “Quem é esse cara para escrever o livro?”, partindo de uma premissa errada de que eu não o tivesse escrito. Não só uma premissa errada: ele deixa bem claro que está mentindo, que não leu o livro. Se ele tivesse lido, teria constatado que eu escrevi. Então foi uma questão de desatacar, pegar o cara em um flagrante, em uma mentira. Se há uma pessoa que é especialista em detectar as mentiras do Caetano, durante décadas, essa pessoa sou eu. Coincidentemente, essa mentira era direcionada a um trabalho meu. Somente para salientar, eu devolvo o argumento dele, dizendo que só um “cara como o Caetano para escrever assim”. Você está errado, porque você escreveu mal, porque eu li o livro. Eu tive a paciência de ler uma porcaria de um texto “umbiligocêntrico”, verdadeiramente ruim. E não tem como chegar e dizer: “Isso é uma opinião”. Isso é um texto ruim, português ruim. Você é um péssimo escritor! Ponto. Touché. Eu escrevi. Eu escrevo bem e isso também é um fato.

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Como é a sua relação com ele? Cordial. Eu não sou um moleque. As pessoas aqui no Brasil estão acostumadas a chamar os outros para a rinha. O Mano Brown quer dar porrada… eu sou um homem que lida com palavra, sou um aristocrata, sou um nobre. Eu os trato com a maior referência. Alguns anos atrás, fui me apresentar no Rio e encontrei o Chico Buarque, ele saiu que nem um cachorrinho. O que é isso? Aperta a mão. Nada pessoal, nossa briga é de ideias. Nós somos aristocratas, aristocratas das palavras.

Aliás, outro trecho do livro diz o seguinte: “Um dos maiores fetiches de um petista consiste em tentar acreditar que Chico Buarque seja um gênio da raça”. O Chico Buarque me irrita desde criança. Se fosse pelo Chico, Caetano e Gil, eu ia ser dentista. Como influência musical, é nulo. O Chico é hábil, ele tem um vocabulário, é um cara que escreve direito. Tirar esse mérito dele seria um absurdo. Mas ele é chato, é uma pessoa sem tonos… e não só ele! A MPB toda não tem pegada. Eu gosto de Beethoven. Não sou farofeiro de metal. Eu tenho músicas de extrema delicadeza. Não está aqui uma pessoa a tecer um libelo contra a delicadeza. Eu estou tecendo um libelo contra a falta de tonos e isso é patente, porque ele não tem energia vital. Nem ele nem o Caetano… o Gil tem um pouco mais, mas não tem o suficiente também. A MPB toda prima por essa flacidez comportamental. Eu não tenho paciência para isso. É uma manifestação de virgindade existencial na pessoa. Um garoto que não viveu nada, que fica na beira da praia, filhinho de papai, esse sim é o verdadeiro coxinha. Mas ele é um bom melodista, tem melodias boas, letras bem construídas. Eu não consigo achar interessante, mas hei de destacar que são bem concatenadas. Pelo menos isso, ele sabe juntar uma rima com a outra. Não compraria um disco do Chico Buarque de Hollanda. Ele, Caetano, Gil, são compositores que têm vocabulário, eles têm intimidade com o ofício deles, é inegável. Agora, daí a achar que são gênios da raça…

Quem se salva na música brasileira hoje? Eu. E não preciso nem titubear. Estou muito insatisfeito com a música popular brasileira. Nunca tive nenhuma paixonite pela MPB, acho uma porcaria. Eu gosto de coisas mais antigas. De Miltinho, de Elizeth Cardoso, Aracy de Almeida, Dolores Duran, Zé Ramalho, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, sem aquela folclorização comunista em torno do samba, que acabou com ele, diga-se de passagem. Agora, tudo antes dos anos 1950, porque, quando chegou a bossa nova, ficou difícil. Nem fora da MPB… o rock morreu, não tem nada novo. Aquelas coisas exóticas tipo rap, MCs, isso nem conta. Aquela menina do Pará, tecnobrega, aquilo é um palavrão, uma imoralidade, um engodo, e nós estamos reduzidos a isso.

Mas o rock, afinal, não está morto em todo o mundo? O Brasil é o túmulo do rock. É um país curvilíneo, de comportamento “minhoquico”, rebolativo, brejeiro, apesar de ser o país mais violento do mundo. Essa combinação não combina com o rock’n’roll. As pessoas têm medo de falar. Elas vêm para mim: “Ai, o senhor fala muito mal dos outros”. É um país brejeiro. Um país que tem como ídolo o Chico Buarque nunca vai ser um país que tenha pujança para fazer um rock de qualidade. Muito embora você tenha Sepultura, Cachorro Grande, Arnaldo Batista, que são gênios. Mas são coisas extemporâneas e fora da curva. São gênios e seriam, mesmo se tivessem nascido na Albânia, na Romênia, onde fosse.

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O senhor diz que se arrependeu de ter apoiado o PT em algum momento de sua vida. O que mudou sua percepção política a respeito do partido? As pessoas me perguntam isso e eu fico até um pouco assustado, porque, se existe alguma coisa flagrante, patente e dramaticamente escancarada é a posição imoral do partido. Afinal de contas, ninguém pode se esquecer de que a bandeira do PT era a ética contra a corrupção. Eu nunca fui de esquerda. O que me comoveu no PT foi o fato de ser o último partido que batia pela honestidade. Se esse baluarte acabou, não vai ser pela competência que eles não têm, nem pela mentalidade absolutamente retrógrada que eu vou ficar comovido com o PT, né? Eu estava lá dentro, eu conheço o núcleo duro do PT. E outra coisa, que faz parte da constituição e dos direitos humanos: você tem todo o direito de mudar de opinião. As pessoas acharem absurdo essa coisa de eu ter mudado de opinião já é um absurdo. O PT rouba descaradamente como ninguém. O Paulo Maluf é uma criança perto do Lula. Isso é um fato, todo mundo sabe. Então, como é que uma pessoa em sã consciência continuaria apoiando um partido desses? Eu não vejo lógica nenhuma.

O Mano Brown, que o criticou no passado, também é citado no livro por não assumir o seu erro em apoiar o PT. Como o senhor enxerga essa situação e por que acha que ele também está arrependido de ter apoiado o partido? Eu falo do Mano Brown como falo de uma série de outras pessoas. A gente tem que ressaltar que o livro é focado em uma epifania poética e filosófica. Eu não sou um fofoqueiro de plantão. Transformar o Mano Brown em assunto da entrevista depois de se ler um livro desses é quase um insulto. Fiz um p*** livro sobre um disco magnífico.

Em A Marcha dos Infames, o senhor faz uma crítica direta ao governo do PT. Como essa canção nasceu? Não é uma crítica, é uma réplica. É um protesto porque eu fui inserido em uma lista negra do PT, ela é um escárnio, um deboche. Eu sou muito avaro com as minhas músicas. A música é muito bonita para eu gastar com um tema tão nauseabundo como o PT, mas foi uma necessidade premente de eu ter que refutar uma coisa para poder utilizar uma canção tão bonita numa situação como aquela. Simplesmente foi uma réplica. Achei que seria bacana fazer de bate-pronto. Tinha a melodia na gaveta e falei: “Vou usar essa mesmo!” Gravei com a letra e lancei uma semana depois. Pela emergência, ela era necessária. Agora, o governo é um excrecência. A revelação do bolivarianismo, o Foro de São Paulo, a ocorrência desse mesmo tipo de narcogoverno na Venezuela, Argentina, Costa Rica, Equador… É o mesmo tipo de trambique e todos remetidos ao Fidel Castro. Como é que pode?

Qual seria a solução para o senhor? A volta da ditadura? Isso é um absurdo. É cretinice. A ditadura é injustificável, se você defender uma, perde completamente a razão. Isso não tem cabimento, é uma imbecilidade do tamanho de um bonde. A solução é amedrontá-los, causar danos. Lutar através do absurdo, da arte, da expressão, eu sou um dos maiores cancros do PT, eu estou encabeçando a lista negra deles não é de graça, e fico muito satisfeito disso. Sei que posso, com a minha arte e poder de expressão, causar muito mais danos. Tem que ser inteligente, derrubar os argumentos com suas articulações. Se eles são totalitários, isso não dá o direito a você de ser totalitário, porque você se torna igual a eles imediatamente. Tem que ser mais esperto para causar danos. E isso é minha especialidade. Causar danos.

Com tantos desafetos, qual insulto mais ouve? A coisa mais corriqueira que eu ouço é: “Lobão, você é muito burro”. Eu acho isso muito interessante, porque, se tem algo que eu não sou, é burro. É porque estamos no país de pior escolaridade do mundo. A pior forma de solidão é habitar o planeta chamado Brasil, você não tem com quem conversar, você não tem assunto com ninguém. Então, ou você se torna um parque de diversões de si mesmo ou você morre de tédio.

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