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‘Coragem de Renato Russo faz falta’, diz ator de ‘Somos Tão Jovens’

Thiago Mendonça, que viveu também o cantor Luciano em ‘2 Filhos de Francisco’, compara o roqueiro ao sertanejo, que lhe apresentou Dostoievski

Por Meire Kusumoto e Raquel Carneiro
3 Maio 2013, 14h03

Apesar da coragem que para Mendonça faria diferença em tempos de Feliciano, Somos Tão Jovens, o longa que o ator estrela e que entra em cartaz nesta sexta-feira, deixa em segundo plano a questão da homossexualidade

Para seu intérprete no cinema, Renato Russo se faz necessário como nunca no Brasil. Além das letras em que questiona a corrupção no país, o líder da Legião Urbana faz falta porque sempre disse e defendeu o que pensava, ainda mais em tempos de “comissões escr…”, como o ator Thiago Mendonça se refere à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, presidida pelo deputado Marco Feliciano.

Apesar da observação de Mendonça, Somos Tão Jovens, o longa que o ator estrela e que entra em cartaz nesta sexta-feira, deixa em segundo plano a questão da homossexualidade, que colocaria Russo e o deputado em lados opostos em uma discussão que tem dominado o país e que fez até a cantora Daniela Mercury sair do armário. A decisão de não abordar de maneira direta a sexualidade do músico foi do diretor Antonio Carlos da Fontoura (de A Rainha Diaba, de 1974). E teve o apoio da mãe de Russo, Carminha. Segundo o próprio diretor contou durante um encontro de cinema em Florianópolis, quando ele a procurou para dizer que queria filmar a vida de Russo, ela pediu, “Meu filho, só não me faça o seguinte filme: ‘Roqueiro homossexual drogado morre de Aids’. Esse eu já vi e se chama Cazuza“.

Depois do pedido, restou a Fontoura focar nos anos de formação de Renato Russo, a sua juventude em Brasília, na década de 1970, quando formou a banda Aborto Elétrico junto com os irmãos Flávio Lemos e Fê Lemos e o sul-africano André Pretorius. O grupo durou apenas quatro anos, de 1978 a 1982, por causa das brigas frequentes entre Russo e Fê Lemos, bem retratadas no filme. A história se encerra quando Russo forma a Legião Urbana ao lado de Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos, enquanto os irmãos Lemos integram o Capital Inicial ao lado de Dinho Ouro Preto.

A caracterização de Thiago Mendonça como Renato Russo é o ponto forte do longa, resultado da experiência do ator em interpretar uma personalidade da música, já que deu vida ao sertanejo Luciano em 2 Filhos de Francisco (2005). Ainda que sejam músicos completamente distintos, de ritmos e histórias de vida diferentes, Mendonça consegue ver semelhanças entre o roqueiro e o sertanejo. “O Luciano é muito sensível, ligado em cinema, interessado em todas as formas de arte, como o Renato. O Luciano, olha que engraçado, foi quem me apresentou a Dostoievski”, disse o ator. Confira a entrevista de Thiago Mendonça ao site de VEJA.

Essa é a segunda vez que você vive um personagem real da música brasileira, pois fez o Luciano em 2 Filhos de Francisco (2005). Quais as principais diferenças entre este filme e o do sertanejo? Dois prazeres imensos, mas distintos. O Luciano tinha experiência rural, a coisa de tomar banho de rio em Pirenópolis, tinha uma conexão com a terra, com o coração do Brasil. São pessoas diferentes, mas admiro os dois, amo o Luciano, agradeço toda a generosidade que ele teve comigo durante e depois do processo de criação do personagem. Inclusive, quando contei que ia interpretar o Renato Russo, ele ficou super feliz, me estimulou. Eles são parecidos em um ponto, são dois poetas. O Luciano é muito sensível, ligado em cinema, interessado em todas as formas de arte, como o Renato. O líder da Legião Urbana entendia de literatura, de artes plásticas, queria ser cineasta. O Luciano também, olha que engraçado, foi ele que me apresentou a Dostoievski, tive que ir até Pirenópolis, no meio do Brasil, para ter contato com um russo.

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A questão da homossexualidade de Renato ficou em segundo plano no filme, comparado com o relacionamento que ele tem com a amiga, Ana Cláudia (Laila Zaid). Por que essa escolha? A questão é retratada, mas não é o que interessa, não entendo as pessoas que se prendem à sexualidade do outro, como se ela definisse caráter. O Renato era um artista incrível e o filme, se levanta alguma bandeira, é a do rock and roll, do punk rock, saca? Sutilmente ele fala, sim, sobre a homossexualidade. Queria eu que o Renato fosse vivo hoje, nesses dias de hipocrisia que a gente está vivendo, o Renato teria coragem de falar umas boas verdades para essas comissões escr… todas que existem. Isso independe da sexualidade, isso vai do caráter e da força e da disposição, da coragem que ele tinha. Essa coragem faz falta. Eu acho de uma pequeneza você se importar com as pessoas com quem fulano ou sicrano se deitam, você tem que se preocupar com quem você se deita. Não é a sexualidade o que interessa e não é isso que define um caráter. É claro que vão sentir falta disso ou daquilo, mas não dá pra agradar todo mundo.

Todas as músicas tocadas no filme foram gravadas ao vivo. Como você se preparou? A preparação se deu no estúdio Órbita Music, desde janeiro de 2011, quando comecei a frequentar o lugar num ritmo intenso. Por ser um estúdio de música, o próprio ambiente já me aproximava do Renato e contribuía para a construção do personagem. Além disso, três pessoas foram fundamentais nesse processo: Carlos Trilha, o dono do Órbita, Fernando Morello e Freddy Nascimento. Eles me introduziram no meio musical e, por terem convivido com o Renato, me contaram histórias sobre o meu personagem. Outra figura importante foi o Luiz Fernando Borges, que era próximo do Renato e trabalhou na composição do roteiro e da direção. Ele compartilhava casos e trazia referência de imagens. De janeiro a maio, quando fomos para Brasília filmar, fiquei mergulhado nesse estúdio e em memórias do Renato.

De que modo esse mergulho contribuiu para a composição do personagem? Esse mergulho me deu segurança para cantar. Aprendi a tocar guitarra e os acordes da Legião Urbana porque o som do filme é direto, todo ao vivo. E aí está o diferencial do longa: quando estou cantando punk rock, gritando no microfone, minha veia salta do pescoço e eu fico vermelho, porque estou cantando de fato. Se estivesse dublando, provavelmente não teria todo esse esforço. Isso empresta veracidade ao filme. A gente filma na Brasília real, em cima de um caminhão de verdade, com meu instrumento plugado na caixa de som, o que passa a empolgar até os figurantes, que estão na cena para gravar o show e acabam assistindo a um show real.

E a sua relação com as letras, como foi? Eu vejo muita atualidade nas músicas do Renato. Quando ele canta ‘É só o amor’, na música Monte Castelo, acredito que é isso mesmo, que só o amor pode nos salvar agora em 2013. Hoje em dia, a gente ouve Que País É Esse? e percebe como a música se comunica com o que a gente vive. Os versos “Vamos faturar um milhão / Quando vendermos todas as almas / Dos nossos índios num leilão” dizem respeito a coisas que a gente vê acontecendo no Rio de Janeiro, com as desapropriações na Aldeia Maracanã para criar estacionamento. O Renato ainda está presente e se faz necessário.

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O mais impressionante na sua caracterização do personagem é a proximidade do seu tom de voz com o do Renato e a semelhança nas expressões faciais. Qual foi o processo por que você passou para chegar a esses resultados? Há muitos vídeos, DVDs e imagens do Renato, que eu pude consumir. Assim, consegui pegar alguns trejeitos, mas sem a pretensão de repetir, de imitar. Eu li as biografias Renato Russo – O Trovador Solitário (Ediouro), de Arthur Dapieve, Renato Russo – O Filho da Revolução (Agir), de Carlos Marcelo, e também ouvi as histórias de quem o conheceu. Queria incorporar o Renato e que ele saísse naturalmente durante a gravação. Não podia ser uma coisa muito racional, senão ficaria estranho. Até mesmo porque o próprio Renato queria parecer com um monte de gente, tinha os próprios ídolos, como o Johnny Rotten, dos Sex Pistols, o David Bowie, o Mick Jagger, o Paul McCartney. Para compor o personagem, eu não pensava só no Renato, pensava nesses todos, no Elvis Presley para fazer a voz mais grave, no Sid Vicious quando tinha que cantar um punk-rock. O Renato era um mosaico, ele não era um personagem, era vários: o professor de inglês, o irmão e filhinho de família e o loucão subversivo.

Durante as gravações em Brasília, você colou pôsteres e frases nas paredes do quarto de hotel. De que forma isso ajudou na construção do personagem? O Renato teve uma doença durante a adolescência, a epifisiólise, e ficou dois anos sem conseguir pisar o chão e sem sair de casa. Por isso, começou a colar fotos em uma das paredes. Já que ele não podia sair para o mundo, ele trazia o mundo para dentro de casa. Eu fiquei de maio a julho no Hotel Nacional, em Brasília, enquanto filmávamos. Dormia às 23h para ter que acordar às 6h, não tinha muito tempo de me distanciar da história do Renato. Como forma de me estimular, cobria as paredes do quarto com pôsteres e coisas dele. Eu já acordava entre o Mick Jagger e o Paul McCartney, com a Nina Hagen e a Patti Smith ali na frente. Isso me estimulava, eu acordava no clima. Acho que isso faz parte do trabalho de ator também, faço isso durante os processos de criação de um personagem, monto uma iconografia. Além do quarto, eu tinha pastas e mais pastas com cartões, imagens, frases do Renato.

A família do Renato também colaborou? Sim. A Dona Carminha, mãe do Renato, foi uma mãe para mim também, me recebeu na casa dela e me deu acesso a todos os cadernos que ele usava para rabiscar as letras de músicas ou desenhos. Eu pegava esse material e reproduzia nas paredes, porque sou artista plástico, também, e tenho facilidade em reproduzir traços. Coitadas das camareiras, que limpavam o quarto e depois eu voltava rabiscar tudo, até entenderem que era para deixar daquele jeito, mesmo. Assim, eu não me distanciava do set de filmagem e transformava o meu quarto num lugar acolhedor, onde aliás a equipe do filme se encontrava para tocar violão e conversar.

Você já ouvia Legião Urbana antes? Sim. Em 1987, eu tinha 6 anos e nenhuma consciência política ou existencial que compreendesse todo aquele amor que ele cantava, então a música não me dizia muito. Conforme avancei na vida e ganhei maturidade, a música foi fazendo mais sentido.

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