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Com Roger, do Ultraje, debate sobre arte descamba para baixaria

Roqueiro desenhou um falo sobre uma foto de Adriana Varejão, que defendeu a liberdade para a arte, e ainda escreveu “puta”: agressão, não intervenção

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 set 2017, 14h04 - Publicado em 14 set 2017, 12h58

Intervenção é o nome que se dá para a manifestação feita por um artista sobre algo que parece pronto, acabado – quando acontece em espaço público, sobre uma placa de rua ou a parede de um edifício, por exemplo, é chamada de intervenção artística. A ideia é deslocar significados, tirar algo de contexto e, assim, causar um certo estranhamento, provocar. Fazer pensar. É diferente, pela intenção, da brincadeira de mau gosto de Roger Moreira, o roqueiro do Ultraje a Rigor que se orgulha de ter um QI (quociente de inteligência) acima da média. Ao ler uma entrevista à Folha em que Adriana Varejão, uma das participantes da exposição abreviada pelo Santander em Porto Alegre depois da grita reacionária nas redes sociais, a Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, defende a liberdade para a criação artística, Roger fez uma brincadeirinha. Ele rabiscou uma foto da artista plástica: cruzes sobre os olhos, um falo gigante sobre a boca e, sobre a camisa branca, em cor negra, a palavra “Puta”. O que Roger queria não era questionar — ele queria, claramente, agredir alguém que pensa diferente dele.

Roger tripudia de modo grosseiro sobre uma pessoa que ele acaba de derrotar. “Sempre consegui tudo o que quis”, disse o músico, em 2001, em entrevista a VEJA sobre o seu QI avantajado. E agora o roqueiro conseguiu outra vez: a mostra Queermuseu que ele, como os histéricos membros do MBL (Movimento Brasil Livre), acusa de incitação à pedofilia, entre outros crimes jamais comprovados, saiu de cartaz um mês antes do previsto. Isso não parece ter satisfeito a sanha ultraconservadora de Roger, um roqueiro que já escreveu versos tão pudicos como “Quando a coisa fica dura”, de Pelado, aquele clássico dos anos 1980 que foi tema da novela Brega & Chique, da Globo.

A intervenção artística tem caráter político ou de denúncia social quando se volta contra um poder estabelecido. Isso justifica, por exemplo, os protestos contra Donald Trump. Eles não são contra Trump em pessoa, ou não apenas contra ele, mas contra tudo o que ele representa: misoginia, autoritarismo, distorção da realidade pela pulverização de notícias falsas, para ficar em apenas três pontos. Donald Trump está no poder. Já Adriana Varejão acaba de ser tirada de cartaz por um movimento de que o próprio Roger Moreira é representante.

Atacá-la é espezinhá-la, uma agressão gratuita que, a título de defesa, ele chama também de humor. No Twitter, o músico vem alegando que, como a arte, o humor deve ser livre. Uma posição controversa que leva a discussões entre os próprios humoristas, a reflexões e a crises de consciência. Neste ano, a americana Kathy Griffin se deixou fotografar segurando a cabeça cortada de Trump. Era encenação, claro, e Trump é um poder constituído, mas pouco depois Kathy avaliou que passou dos limites e pediu desculpas.

A humorista deve ter se lembrado de que os americanos já tiveram presidentes assassinados, algo que, portanto, é possível, e que ela poderia estar estimulando com a imagem violenta. Nesse sentido, é melhor nem imaginar que crimes Roger Moreira pode incitar ao desenhar um pênis e escrever a palavra “Puta” sobre o corpo de uma mulher. Melhor, embora utópico, é fantasiar que ele reflita a esse respeito.

No Brasil, um dos maiores expoentes do humor também já reviu a sua posição a respeito de limites. Quando fez uma piada infeliz com a então grávida Wanessa Camargo, dizendo que “comeria ela e o bebê”, Rafinha Bastos se negou a pedir desculpas à cantora, alegando que humoristas não deviam se desculpar. Hoje, ele pensa diferente. Mais humilde, já se desculpou diversas vezes com Wanessa e recentemente fez um vídeo para reconhecer que errou ao defender o direito à expressão dos grupos envolvidos nos atos nazistas e racistas na cidade de Charlottesville, nos Estados Unidos.

Parece uma quimera esperar que Roger pense no que fez. Ao menos, é a sensação que se tem ao ver como os críticos da mostra de Porto Alegre sustentam a sua posição. Vê-se um total desconhecimento – para não dizer ignorância – de valor e de história da arte, que sempre contou com quadros polêmicos, com teor obsceno e provocativo. Uma das maravilhas da arte, afinal, é cutucar e fazer pensar. Vê-se também uma distorção – para não dizer subversão – dos sentidos propostos pelas obras, que muitas vezes têm um detalhe destacado, fora de contexto.

Dentro dessa rasa discussão, chega a ser irônico ver alguns que semanas atrás, à luz da tragédia de Charlottesville, vieram com a falácia de que Hitler era de esquerda (ele era de direita, o que não justifica em nada as atrocidades que cometeu), combater a “arte degenerada”. Foi exatamente o que fez Hitler ao banir do Reich quadros que considerava pervertidos e doentios.

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Mas esse é o nível geral do debate, ao menos entre parte da extrema direita. Em artigo na Folha, o MBL disse que o brasileiro não é mais “cordeirinho” (oi?). Não, ele agora é puro e casto. E, nas redes sociais, pululam manifestações de gosto duvidoso contra uma exposição que se propunha a discutir a diversidade. Confira alguns posts de bastiões desse espectro político, como o ogro Alexandre Frota, a respeito do episódio da exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira:

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