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Com a voz do criador

Segundo disco póstumo de Prince, 'Originals' traz quinze músicas que o cantor, compositor e multi-instrumentista deu a outros artistas para ser gravadas

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 jul 2019, 18h06 - Publicado em 31 Maio 2019, 07h00

A engenheira de som Susan Rogers tinha 27 anos quando começou a trabalhar com Prince, em 1983. Nos sete anos seguintes, ela testemunhou a criação de clássicos do pop como Purple Rain, de 1984, e Sign ‘O’ the Times, de 1987, e se encantou com o método particular do cantor, compositor e multi-instrumentista, que morreu em 2016, de overdose de pílulas falsificadas. “Prince estava mais para um físico ou cientista do que para um astro da música. Tinha um raciocínio rápido e trazia tudo pronto na cabeça antes de tamborilar qualquer coisa no teclado”, relatou Susan a VEJA. Impressionada com a produtividade do chefe, Susan sugeriu a ele que guardasse suas fitas-demo e versões em um cofre. O tal cofre ocupou uma sala no estúdio particular do compositor em Paisley Park, Minnesota. As gravações guardadas lá — hoje transferidas para Los Angeles, onde são analisadas por especialistas na obra do cantor — são em número suficiente para lançar um álbum por ano durante um século. Talvez nem todo o material seja aproveitável, mas, em geral, o que Prince consideraria sobra de estúdio já está alguns degraus acima da média do pop contemporâneo. Originals, que será lançado na sexta-feira 7, data em que o cantor completaria 61 anos, é a segunda pepita garimpada desse manancial — um disco de voz e piano já saiu em 2018. De início, o álbum será exclusivo do Tidal; a partir do dia 21, estará em outras plataformas de streaming. Também ganhará uma edição física — um vinil duplo púrpura, a cor predileta do cantor.

Com curadoria de Troy Carter, empresário do meio musical que cuida do espólio do artista, e do rapper Jay-Z, Originals traz quinze composições de Prince que ele deu de presente a outros intérpretes. A canção que ficou mais conhecida é Nothin Compares 2 U, balada entregue ao Family, grupo de protegidos do pop star, mas que só chegou ao sucesso com a cantora irlandesa Sinéad O’Connor. A versão do próprio Prince para essa música é a única de Originals que não é inédita.

Na maior parte do disco, o cantor de When Doves Cry singra por mares seguros, interpretando canções que fez para os grupos The Time, Mazarati e Vanity 6 e para as intérpretes Jill Jones e Sheila E. Era sua turma: artistas que faziam ou funk pesado ou baladas açucaradas na melhor tradição soul. Por outro lado, há sucessos de Prince para astros que estavam fora de sua zona de conforto. Kenny Rogers, por exemplo, ficou com You’re My Love, e as roqueiras do The Bangles gravaram a deliciosa Manic Monday (que ele assinou com o nome de Christopher). Na versão do compositor, as canções nem sempre sofrem grandes alterações: é como se Prince se transmutasse no intérprete a quem destinou sua criação. Mas também há aperfeiçoamentos: o vocal robótico do cantor em Make-Up, por exemplo, tem mais apelo que o coro desencontrado do Vanity 6, trio de meninas que fez a gravação original da canção.

TURBILHÃO – No palco: virtuose da guitarra e dançarino frenético (WEA/Divulgação)

Prince formou a tríade do pop americano dos anos 80, ao lado de Madonna e Michael Jackson. Musicalmente, era superior aos dois. Tão ousado quanto Madonna, abordou, na letra de seus funks, sexo (antes, durante e depois do casamento), masturbação feminina e até incesto. Embora nunca tenha popularizado um passo próprio como o moonwalk de Michael, Prince, no palco, era um dançarino frenético — e sempre com os sapatos plataforma que, dizem, não tirava nem no conforto do lar (com 1,58 metro, ele tinha complexo da estatura).

A trilha sonora de Purple Rain, de 1984, vendeu 13 milhões de cópias nos Estados Unidos, e a canção-título ganhou o Oscar. Embora o soul e o funk fossem a matriz de sua música, Prince valia-se de elementos do jazz, do rock (era um virtuose da guitarra) e da psicodelia. Durante uma apresentação, podia levar seu grupo de apoio a tocar canções que não estavam no repertório programado (em Austin, em 2013, o autor deste texto viu Prince trocar seus hits por canções de Michael Jackson e da lenda do soul Curtis Mayfield, além de longos improvisos instrumentais). Prince era dado a excentricidades, que acabaram por minar sua carreira. No meio de um litígio com a gravadora Warner, trocou seu nome por um símbolo impronunciável e rabiscou a palavra slave (escravo) no rosto. Sua oposição às plataformas de streaming e ao YouTube impediu que sua vasta produção fosse assimilada por gerações que nasceram depois de seu período de glória. Após sua morte, o espólio do cantor busca recuperar o tempo perdido. A música e os vídeos de Prince estão à disposição no universo virtual. Para este ano está previsto o lançamento de The Beautiful Ones, livro em que Prince registrou, entre letras de música, o caminho que pavimentou para chegar à fama. Estão previstos ainda um documentário da Netflix e um filme sobre sua carreira. Ao vivo, Prince era um turbilhão, um artista cuja inquietude era difícil de superar. No estúdio, era tão prolífico quanto perfeccionista. Pelo que se escuta em Originals, percebe-se que ele dedicava a mesma criatividade às músicas que oferecia aos amigos.

Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637

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