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Cinebiografia de Paulo Coelho é decepcionante

'Não Pare na Pista', que parece longa feito para fãs, mostra escritor como gênio incompreendido pela família e capaz de brilhar em cada e qualquer investida artística. Para piorar, roteiro de Carolina Kotscho não escapa aos clichês

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 14 ago 2014, 13h50

2013. Recuperado de uma cirurgia no coração, Paulo Coelho decide deixar o hospital para ir à festa de 25 anos de O Alquimista, livro que já é, por assim dizer, um clássico do autor. O escritor está na Europa, onde vive com a mulher, a artista plástica Cristina Oiticicca. No meio do caminho, ele abandona em um posto de gasolina o motorista tagarela que lhe testa a paciência e segue sozinho com a mulher até se perder pela estrada. Aliás, não: o “mago” não se perde. Ele telefona do carro para a sua agente, Mônica, e avisa: “Eu chego a algum lugar”. Ao que ela, providencialmente postada à frente de uma portentosa catedral, responde: “É claro que você chega a algum lugar, Paulo”. Ao fundo, os sinos dobram. É de cenas como essa que é feita Não Pare na Pista – A Melhor História de Paulo Coelho, cinebiografia do autor de Brida que estreia nesta quinta no país, com direção de Daniel Augusto e Julio Andrade (o Oswaldo de O Rebu) à frente do elenco. Cenas que o subtítulo não esconde: o filme é mesmo a versão mais positiva da vida de Coelho, retratado como um gênio incompreendido pela família, capaz de brilhar em cada e qualquer investida na área artística.

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O jovem Paulo Coelho (Ravel Andrade, irmão de Julio) lê Shakespeare. O jovem Paulo Coelho, quando substitui por uma noite o palhaço de um grupo de teatro amador, hipnotiza as crianças – “É o melhor palhaço Batatinha do teatro brasileiro”, declara mais tarde, já altinha, no bar, a atriz que ele paquera. O jovem Paulo Coelho arrebata aplausos em sua estreia como dramaturgo no teatro, embora ele mesmo diga não gostar da peça. São tantos os feitos artísticos que não sobra espaço para um único defeito no gênio que a família, especialmente o pai, reluta em enxergar. Autoritário, Pedro Souza (Enrique Diaz) interna o filho em uma instituição psiquiátrica, onde ele é submetido a eletrochoques. E demora para dar a ele a máquina de escrever que o garoto, desde cedo decidido a ser escritor, pede sem parar. “Ninguém vive de ser escritor”, diz o pai, sem imaginar que o filho venderia 165 milhões de cópias pelo mundo.

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Há defeitos, mas eles não ameaçam em nenhum momento a aura artística de Coelho. Uma pena, já que a apresentação de pontos considerados negativos só humanizaria e engrandeceria o personagem, que a bem da verdade é muito mais interessante que o geniozinho pintado no filme. O menino se acha feio e tenta suicídio – o que provoca pena, não crítica. O garoto sobe o tom nas brigas com o pai e em um determinado momento estoura a vidraça da sala com um banco do jardim – mas, com todo o autoritarismo paterno, é possível lhe dar razão. Mesmo quando o “mago” apronta uma com o motorista que não o deixa viajar em paz, como mencionado acima, o caso é mais de uma molecagem simpática que de deslealdade. O único senão artístico é a opinião negativa que um amigo lhe dá sobre um manuscrito — que mais tarde se tornará um sucesso planetário, provando como o crítico estava errado.

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É claro que o brilho não é de todo exagerado. Paulo Coelho teve momentos realmente luminosos, como aqueles em que compôs faixas memoráveis do rock nacional ao lado de Raul Seixas – preciosidades como Al Capone, Meu Amigo Pedro e Sábio Chinês. Mas até aí o filme deixa a desejar, não explorando com a profundidade que poderia o farto material nascido do encontro entre Coelho e Raul, marcado por incursões no ocultismo e na magia negra. Nem o afastamento da dupla é retratado com detalhes, se resumindo a uma cena em que Paulo Coelho tenta falar por telefone com Raul Seixas (Lucci Ferreira), que não o atende, e na sequência vê o parceiro apresentar na TV o clipe de Gita, música que anuncia apenas como sua. “Minha?”, questiona Dom Paulete, como o chamava Raulzito.

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O subtítulo A Melhor História de Paulo Coelho também faz sentido quando se tomam as cenas clichês de Não Pare na Pista. Como aquela em que Ziza (Paz Vega), namorada do escritor, se afasta chorando no meio da multidão, enquanto Coelho, posto no palco quase contra a vontade por Raul Seixas logo após ser flagrado com duas mulheres por Ziza (uma traição no contexto da revolução sexual, outro defeito que merece certo desconto), proclama: “Todo homem, toda mulher é uma estrela”. Com livros que recomendam aos leitores ver a vida com outros olhos, a obra de Coelho já é toda ela pontilhada de lugares-comuns.

Por falar em mensagens edificantes, adivinha onde vai parar o “mago” ao se “perder” pelas estradas da Espanha? No transcendental Caminho de Santiago, é claro, onde aliás é reconhecido por uma fã atônita. Porque nada é por acaso. Pelo menos, não no filme de Paulo Coelho.

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