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Bráulio Bessa: O guru cabra da peste

Com seu “cordel motivacional”, poeta virou best-seller, estrela de programa de TV e palestrante que fatura por mês cerca de 450.000 reais em eventos

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 out 2019, 18h04 - Publicado em 4 out 2019, 06h00
Menestrel – Bráulio Bessa: poesia nordestina com gostinho de autoajuda (Jarbas Oliveira/VEJA)

Ao fundo, um sanfoneiro toca para anunciar a entrada da atração da noite. Bráulio Bessa pisa no palco de sandália de couro, chapéu-coco e camiseta com a frase “Cuscuz protein”. O cordelista de Alto Santo, município de 17 000 habitantes no Ceará, fala ao público do TEDx, organização americana que promove conferências com personalidades do empreendedorismo e da — vá lá — filosofia pop no mundo. O autor de 34 anos primeiro reverencia poetas do passado, citando o pernambucano Petrúcio Amorim e o paraibano Zé da Luz — de quem recita, com seu cadenciado sotaque, os versos de Ai Se Sêsse: “Se um dia nois (sic) se gostasse / Se um dia nois (sic, sic) se queresse / Se juntin nois (sic, sic, sic!) dois vivesse”. A plateia enlouquece. Bessa emenda sua história (“eu era um case de sucesso e não sabia”), entoa mais poesia e frases que não se avexam de beber da autoajuda.

A palestra-show de 1,1 milhão de visualizações no YouTube é um vislumbre da rotina do poeta. Ele faz quinze apresentações por mês — já fez até 25, mas desacelerou o ritmo recentemente, em virtude do excesso de correria. Bessa apetece os contratantes, principalmente no meio corporativo, por vários fatores. Ele é o “poeta” do Encontro com Fátima Bernardes — no qual seus versos criam um oásis de animação eventual nas manhãs da Globo. Mas Bessa faz sucesso, sobretudo, por uma sacada esperta: ele injeta pílulas motivacionais na tradicional poesia de cordel (confira o quadro). Suas rimas investem na boa e velha narrativa do sucesso inesperado que encanta leitores e espectadores sedentos por tramas inspiradoras. “Eu era um cabra pobre de uma cidade pequena que, de repente, tá na TV, é famoso, tem milhões de seguidores e começa a ganhar dinheiro como nunca imaginou ganhar na vida”, disse a VEJA. “Nas palestras, conto como esse matuto cearense que escreve cordel chegou às listas de mais vendidos.”

Comum nas regiões Norte e Nordeste, o texto de versos ritmados traz tramas humanas e toca em assuntos delicados, como a fome e a seca. Bessa faz um cordel atualizado. Fala de família, internet, machismo e homofobia, e carrega nas lições de superação. Não seria exagero dizer que, de literatura de nicho e regionalizada, o cordel ganhou uma popularidade nacional inédita pelas mãos do poeta. Desde 2017, quando lançou o primeiro livro, Poesia com Rapadura (Editora CeNE), Bessa é best-seller. Com o quarto e mais recente título, Um Carinho na Alma (Sextante), o cearense soma nada modestas 370 000 cópias vendidas. No Gshow, canal de conteúdo on-­line da Globo, bateu os 200 milhões de visualizações em 2018.

Recentemente, ele reduziu suas idas semanais ao programa de “Fatinha”, como chama a apresentadora, para reorganizar a agenda lotada — sinal, claro, de que está faturando horrores. Ganha, por baixo, 30 000 reais de cachê a cada palestra. Além disso, virou figurinha querida no meio publicitário, com campanhas que vão de alimentos a cosméticos. Garante que seu salário na Globo é ínfimo perto do que fatura com livros e palestras — mas compensa em razão da visibilidade. “A TV espalha minha poesia como um cavalo desembestado”, compara. Assim o poeta arrebanhou discípulos como Marcelo Vieira, 36 anos, de Fortaleza, que assistiu a diversas palestras do conterrâneo. Vieira saiu de uma delas, num evento para lojistas, inspirado: agilizou o plano de deixar um emprego de dezesseis anos na área de marketing para abrir o próprio negócio, uma loja de açaí onde se professa a gentileza pregada pelo cordelista (parte do pagamento é feita em abraços). “Bráulio mostra que o lucro nos faz perder o senso de humanidade. Isso me marcou”, conta o empresário.

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A trajetória do próprio poeta é marcada pelo empreendedorismo. Bessa se interessou pela poesia aos 14 anos, ao descobrir Patativa do Assaré. Mas fazer versos não pagava as contas — ainda. Criado pela mãe e pela avó costureiras e pelo avô sapateiro, ele ingressou no curso de analista de sistemas enquanto trabalhava como funcionário público. A virada aconteceu com o boom das redes sociais. “O poeta de cordel vai para feiras vender os folhetinhos. Olhei para a internet e pensei: ‘Taí a maior feira do mundo, posso escrever no Ceará e ser lido até em Tóquio’”, diz. Foi então que ele deixou a faculdade para criar o site de conteúdo cultural Nação Nordestina. Em 2014, a página já recebia 20 milhões de visitantes por mês, vitrine que o fez ser convidado para suas primeiras palestras. Desenvolveu ali o tom motivacional. “Criei um movimento para aumentar a autoestima nordestina. Era período de eleições e a xenofobia tornara-se visível. Recebia histórias de pessoas pedindo conselhos”, diz. O projeto culminou há cinco anos no chamado para participar do programa de Fátima. Bessa chegou aos estúdios da Globo para falar sobre preconceito e aproveitou a deixa: questionado se aceitaria retornar, ele disse, “muito atrevido”: “Volto se for para fazer poesia”.

Da TV para o primeiro livro foi um pulo. Mas a força que espalhou a voz de Bessa pelo país continuou sendo o mundo digital. Dificilmente um usuário do WhatsApp escapa de um verso de Bessa, ou até atribuído a ele: o poeta já concorre com Clarice Lispector como dono de frases que não são de sua autoria. “Parece que eu faço parte de todos os grupos de família do Brasil”, ironiza. “Até minha mãe, no Dia das Mães, me mandou um poema meu e disse: ‘Você viu que lindo?’.” Ele garante, porém, ser alheio às obsessões das curtidas e visualizações das redes. Com o dinheiro que nunca pensou em ganhar, montou um ateliê de costura para a mãe e construiu uma casa para ele e a esposa, Camila Mendes, 27 anos (relacionamento de quase uma década), em sua cidade de origem — além de outra em Fortaleza, base dos negócios comandados pelo casal e por um amigo. “Eu ainda vivo em Alto Santo para não desaprender que sou normal. Almoço na casa da minha mãe. Colocamos a cadeira na calçada pra falar da vida alheia”, afirma. Mas ele não esconde o orgulho da fama nas ruas — inclusive em locais bem longe do interior nordestino. “Até em Paris me pediram foto. Concorri com a Torre Eiffel.” Eta guru cabra da peste!


Pílulas de sabedoria

Alguns achados da poesia inspiracional de Bráulio Bessa

“O que aprendi chorando sorriso nenhum ensina”

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“Quando a pancada é de jeito, me vejo no chão, caído. Nessa hora me refaço, renasço em cada pedaço daquilo que foi partido”

“Sucesso não é o carro parado na garagem. Sucesso é pegar a estrada e aproveitar a viagem”

Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2019, edição nº 2655

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